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Vale Tudo – Tim Maia – Nelson Motta (17/2016)

vale-tudoA biografia deste grande ícone da música brasileira (e que, infelizmente, é pouco conhecido internacionalmente) me provocou sentimentos dúbios. Não o livro em sí, mas em relação ao próprio Tim Maia. Mas volto ao assunto daqui a pouco.

Escrita pelo jornalista (e compositor e produtor musical e escritor, etc.) Nelson Motta, tem um quê de obra de ficção e lembra pouco uma biografia escrita por um especialista, que se atenta a datas, busca diversas fontes, etc. Talvez seja assim que o livro deva ser encarado: uma história de ficção baseada na vida de um artista. Não que eu duvide que muitas das histórias/estórias contadas sejam reais, mas sabe como é, o autor floreou e romanceou boa parte dos acontecimentos. Além do que, alguns trechos provavelmente são histórias verdadeiras que foram sendo contadas de boca em boca e, como diz o ditado, “quem conta um conto, aumenta um ponto”.

Mas isto não tira o brilho da obra e, para contar a vida de um artista tão singular e polêmico, talvez esta seja a melhor maneira.

O livro conta toda a epopéia de vida do Sebastião Rodrigues Maia, o Tião da Tijuca, Tião Marmiteiro, mais tarde Tim Maia (e como ele mesmo se chamava “Tim Maia do Brasil”), desde sua infância na Tijuca, os perrengues em que passou em busca do sucesso e, principalmente, todos os problemas pelos quais ele passou, mesmo tendo alcançado o posto de um dos artistas mais populares (e talvez a voz mais potente) do Brasil.

Diga-se de passagem que a maioria dos problemas foram causados por ele mesmo e sua forte personalidade e ai entra o meu sentimento dúbio.

Eu sempre considerei o Tim Maia como um dos melhores músicos do Brasil e, apesar de todas as polêmicas em que ele se envolveu, eu imaginava que apesar de ser um artista e uma pessoa difícil de lidar, que ele era aquele “gordinho gente boa”. Porém, após ler o livro, fiquei com a impressão de que ele era um egocentrista e que, em benefício próprio ou simplesmente durante arroubos, acabou por prejudicar além de si mesmo, vários dos que viviam à sua volta, incluindo familiares, casos amorosos, funcionários e colegas de trabalho. Não bastava a ele se destruir (com drogas, financeiramente, amorosamente, profissionalmente). Ele precisava “sugar” para o buraco negro que o puxava (e que era ele mesmo) todos que orbitavam ao seu redor.

Felizmente, ao contrário de muita gente que acaba por julgar a obra do artista pela pessoa (como fazem atualmente, por exemplo, com o Chico Buarque e o Lobão, dois artistas importantíssimos, mas dois babacas como pessoa), eu consigo separar a “pessoa física” da “pessoa jurídica” e continuo admirando sua obra. Só parei de achar que foi alguém que “perdemos cedo demais” e hoje já acho que, por tudo o que ele fez a si mesmo, até que durou bastante.

Enfim, vale a leitura, que é bem fluida e feita para divertir.

Be happy 🙂

O Relojoeiro Cego – Richard Dawkins (16/2016)

o-relojoeiro-cegoApesar da forma sempre contundente com que Dawkins defende suas idéias, especialmente quando instado a debater entre o Criacionismo e o Evolucionismo, é impossível negar que ele se arma de argumentos e dados que fazem com que fique difícil para qualquer debatedor refutá-lo. É claro que nunca será o suficiente para convencer um crente, mas ao menos deixa aquela “pulga atrás da orelha” em alguém que, por mais convicto de sua fé, ainda tem uma capacidade de raciocínio lógico.

Em O Relojoeiro Cego, Dawkins tenta (com sucesso!) desconstruir a teoria do Design Inteligente, que credita a complexidade da vida na terra (e acima de tudo, à existência da terra e de todo o universo) a um ser superior, alegando que o corpo humano, por exemplo, por ser uma “máquina” tão complexa, só poderia ter sido obra de alguma inteligência ou poder superior.

Se for parar para pensar friamente nesta teoria do “design inteligente” chegaremos a conclusão que ele não é tão inteligente assim, através de varios exemplos. Um dos mais fáceis de se compreender é o do sistema alimentar e respiratório humano, que compartilham boa parte de orgãos e, caso fosse “projetado” por um engenheiro iriamos dizer que, no mínimo, o engenheiro foi descuidado ao ignorar o risco de algum alimento se desviar para a via destinada ao ar (o famoso engasgar).

Por outro lado, os defensores do design inteligente, sempre trazem o exemplo do olho humano, que possui uma tecnologia impressionante, mesmo para o atual nível de desenvolvimento da humanidade. Porém, Dawkins traz vários exemplos de diferentes estágios de desenvolvimento de um orgão fotosensor na natureza, desde os mais simples, até chegar no olho humano (ou o do polvo, que também tem uma complexidade parecida).

Dawkins vai bem mais além, explicando em detalhes os pequenos passos que diferentes órgão de vários seres possam ter dado, adicionando pequenas modificações (anomalias) que, se proviam uma certa vantagem sobre os outros seres da mesma espécie que não tinham estas modificações, teriam grandes chances de serem propagadas para as gerações seguintes, eliminando assim, na concorrência pela sobrevivência, aqueles competidores que não tivessem esta pequena vantagem.

Outro ponto interessante que ele traz é a incrível capacidade de armazenamento de informações que uma simples célula carrega. Eu trabalho com tecnologia da informação e nunca tinha feito o paralelo entre o sistema de armazenamento e processamento de um computador, que é binario, ou seja, onde cada “bit” assume apenas 2 possíveis valores (zero e um) com o de uma molécula de DNA, que pode assumir quatro possíveis valores (G, A, T e C). Por exemplo, um par de bits possibilita a construção de 4 combinações diferentes, enquanto um par de moléculas de DNA possui 16 combinações diferentes. Com 3 bits são possíveis 8 combinações diferentes e com 3 moléculas 64 combinações. Um byte, que é o conjunto de 8 bits, normalmente usado para armazenar uma letra, possui 256 possíveis combinações, enquanto um “byte” de moléculas de DNA possui mais de 65 mil combinações (mais de 8 mil vezes mais do que um byte de computador). Como ele disse no livro: em uma célula de um fungo é possível armazenar uma enciclopédia inteira.

Mas falar em números, tamanhos e tempo quando se pensa na natureza é muito complicado para nossa capacidade de entendimento, já que as razões são muito menores ou imensamentamente maiores do que nossa capacidade de abstração permite.

Talvez seja muito difícil para o ego do ser humano admitir que somos apenas uma obra do acaso, que este planeta nao foi “pensado” para nos abrigar e servir e que, devido à esta improbabilidade estatística de que somos fruto, devemos valorizar esta oportunidade única que temos e, principalmente, respeitar esta oportunidade que os outros também estão tendo.

Quem sabe no dia em que entendermos isto, a humanidade como um todo se respeitará e respeitará este planeta e todos os seres que nele habitam.

Be happy 🙂

Tecnologia e Sociedade: fiscalização e controle

Fiscalizacao e Controle“Nunca antes na história deste pais se investigou e puniu tanto a corrupção” é uma frase que temos ouvido bastante nos últimos anos. Além da tentativa de justificar seus próprios desvios de conduta, ao querer dizer que os crimes só estão aparecendo porque este governo se deixa investigar (como se fosse atenuante), é também uma forma de “capitalizar” politicamente uma maior capacidade de fiscalização e controle hoje existentes.

Mas como nos ensina a ciência estatística, correlação não implica necessariamente em causalidade. Realmente hoje vemos a corrupção, que inclusive nem era noticiada, sendo punida. Então fica a pergunta: será que realmente hoje se investiga e se pune mais por conta do governo?

Para tentar responder vamos pegar a Tardis e voltar 20 anos no tempo.

Ainda hoje é muito comum vermos em filmes policiais aqueles caminhões ou furgões, com uma enorme parafernália, dois ou três geeks dentro, parados em frente à casa de um suspeito. Os técnicos ouvem e gravam as conversas telefônicas e, caso notem algo suspeito acionam a polícia, que efetua a prisão, enquanto os próprios técnicos correm para o laboratório afim de transcrever as gravações para que estas sejam levadas ao juiz.

No não tão longínquo ano de 1996 era muito fácil inventar despesas no imposto de renda e contar com a sorte de não cair na malha fina, já que a fiscalização ocorria por amostragem aleatória. Se você desse o azar, bastava alegar um engano e fazer a retificação.

Mesmo os poucos escândalos políticos que vieram à tona foram descobertos por conta de desavenças entre os envolvidos que chegaram ao ponto de alguém abrir o bico só para ferrar com o outrora “parceiro” (vide os casos Collor e dos Anões do Orçamento).

Agora peguemos novamente a Tardis e voltemos para 2016.

Supondo que exista alguma suspeita sobre alguém e se faça necessária uma escuta telefônica. O requerente precisa conseguir um mandato judicial e notificar as operadoras de telefonia onde um técnico pode, com alguns poucos comandos, iniciar a escuta. É possível enviar em tempo real os áudios para os computadores do investigador, onde um programa é também capaz de fazer as transcrições praticamente em tempo real. É possível até instalar um programa que busque nas transcrições ou mesmo no áudio palavras chaves e alerte alguém caso as encontre. Através de algoritmos de machine learning é possível que este programa “aprenda” sozinho mais palavras chave.

Hoje se o seu dentista esquecer de declarar o quanto ele recebeu de você e você declarar o pagamento, provavelmente os dois irão cair na malha fina da Receita Federal e seu dentista terá que retificar a dele (ou você eliminar os pagamentos da sua).

Mais exemplos? O projeto piloto da Nota Fiscal Paulista, efetuado em um ambiente com 50 mil cidadãos aumentou a arrecadação a tal ponto que pagou o projeto todo.

Eu uso os serviços de táxi há bastante tempo e posso afirmar que, antes dos aplicativos como 99Taxis ou Easy Taxi, era muito comum tomar um táxi à noite cujo motorista estava sob visível efeito de álcool. Sem contar as condições de manutenção e limpeza do veículo e o comportamento do motorista no trânsito. Com a disseminação dos aplicativos, onde todo cliente é também um fiscal, a qualidade do serviço aumentou bastante e entrar num táxi cheirando a cachaça ou sujo está mais raro.

A própria Prefeitura de São Paulo e a SPTrans, órgão responsável pela regulamentação e fiscalização do transporte público na capital, acabam de instalar um sistema biométrico de reconhecimento facial nas catracas dos ônibus afim de prevenir e punir fraudes no uso de bilhetes especiais, como os dos aposentados e estudantes. Como para obter estes bilhetes é necessário fazer um cadastro, que inclui uma foto, o sistema reconhece se o usuário que fez o cadastro é o mesmo que está passando pela roleta e, caso o reconhecimento não ocorra, o bilhete é suspenso.

Outro dia idealizei algumas possíveis aplicações com o intuito de fiscalizar o funcionalismo público.

A primeira delas eu idealizei após assistir uma reportagem sobre um plantão de um hospital público onde os médicos batiam o ponto e iam dormir. A idéia era mais ou menos assim: as escalas de todos os médicos de todos os hospitais públicos seriam inseridas num sistema. Da mesma forma, cada usuário teria sua “carteirinha do SUS” instalada no celular ou pelo menos um cartão com um QRCode. O médico precisaria escanear no seu aparelho todos os QRCodes (ou linkar com o celular do paciente, caso este tivesse a “carteirinha eletrônica”) dos pacientes atendidos, da mesma forma, todos os pacientes que estivessem em determinado hospital, poderiam verificar a escala de médicos do plantão, indicar o horário de chegada no hospital (isto iria também agilizar a “ficha” que a atendente preenche) e dar um “check in” quando fosse atendido por determinado médico. Desta forma, se um médico não atendesse nenhum paciente durante seu plantão, sendo que durante o seu horário haviam várias pessoas a serem atendidas, poderia cair numa lista de “suspeita”. O próprio paciente poderia avaliar o médico que o atendeu (num sistema parecido com o Uber) e inclusive receber uma remuneração variável de acordo com a sua avaliação (sim, eu sei que o Conselho Federal de Medicina, em mais uma atitude corporativista, proíbe o compartilhamento destas avaliações, mas nada que não possa ser mudado por força de lei).

A outra ideia seria simplesmente utilizar as redes sociais e as tecnologias de big data para identificar padrões de consumo que não condizem com os vencimentos dos funcionários públicos. Os funcionários públicos deveriam entregar anualmente suas declarações de imposto de renda aos respectivos órgãos onde trabalham. O algoritmo iria então rastrear redes sociais em busca de padrões de consumo destes funcionários públicos (e relacionados, como amigos e parentes, já que o uso de laranjas é muito comum em casos de corrupção) e, caso encontre alguma suspeita, levantaria um alerta para os respectivos órgãos fiscalizadores.

Claro, há sempre a questão ética: isto não seria tratar todos como possíveis suspeitos? Mas como diz o ditado, o combinado não sai caro: basta deixar as regras claras antes do jogo começar (durante o edital de concurso para os concursados, a contratação no caso dos comissionados e durante a pré-candidatura, no caso dos eleitos) e, quem quiser obter as benesses de ser um funcionário público, também tem que arcar com o ônus.

Mas respondendo a pergunta inicial: sim, nunca antes na história deste país, ou do mundo, se investigou e puniu tanto a corrupção (e outros crimes), mas isto tem muito mais relação com o avanço da tecnologia, que permitiu que a fiscalização e o controle se tornassem bem mais abrangentes do que eram há alguns anos. O PT foi pego no meio desta fase de ruptura, mas se fosse outro partido no poder, ele também estaria na berlinda. É claro que a tolerância aos desvios de conduta do PT é menor que a dos demais partidos (e é compreensível, já até falei sobre isto aqui), mas se os casos recentes de corrupção ocorressem com qualquer outro partido, ele também iria sofrer as consequências, e talvez até tentasse usar o mesmo discurso do “nunca antes…”.

Be happy! 🙂

Felicidade Foi-se Embora? – Leonardo Boff, Mario Sergio Cortella, Frei Betto (15/2016)

Felicidade Foi Se EmboraA Editora Vozes convidou três dos mais profícuos autores e pensadores brasileiros para discorrerem sobre o tema Felicidade. O pano de fundo da discussão são trechos de sucessos da MPB: Felicidade foi-se embora? A tristeza não tem fim, mas a felicidade sim? É impossível ser feliz sozinho? Cada um dos três discorre, em seções separadas, sobre o tema, e por isto vou avaliá-los também isoladamente.

Frei Betto tem dois grandes problemas: quer medir todo mundo pela sua régua e quer ideologizar qualquer assunto, claro que puxando para a ideologia à qual ele professa, que é o socialismo. Isto posto, para ele a felicidade está sempre no coletivo e nunca pode ser alcançada sozinha. Além disto, bens materiais não podem trazer felicidade. Dentro do conceito dele a felicidade é um objetivo a ser perseguido e que só será alcançado com uma sociedade igualitária, onde tudo seja de todos e todos sejam iguais (e talvez “alguns animais mais iguais que outros”, parafraseando Orwell), para isto, o socialismo é o caminho, sempre em oposição ao “malvado capitalismo” (qual deles? o de 2 séculos atrás? o de hoje? o Canadense? o Americano? o Chinês?). Ou seja, para ele as pessoas só serão felizes em uma sociedade onde todos compartilhem tudo, desde que seja da maneira que ele acredita e numa sociedade que ele idealiza. Pensamento típico de quem não tem o mínimo de empatia e não se coloca no lugar dos outros e, para piorar, não respeita a diversidade (de pensamentos, valores, idéias, etc).

Leonardo Boff também cai no mesmo problema de querer que os seus valores sejam padrão para todos. Mas ao menos escapa da tentação de partidarizar o texto. Ele também acha que felicidade não é um objetivo, mas um estado temporal que pode ser alcançado várias vezes e de diversas maneiras. O problema dele é tentar pintar o mundo como lugar horrível, que só será melhor quanto todas as pessoas forem capazes de alcançar certo nível de felicidade de acordo com os valores dele (espiritualidade, caridade, etc). Achei engraçado um trecho onde ele descreve este “momento da humanidade” onde afirma que “quase todos os vulcões do mundo estão se ativando”. Gostaria de saber de onde ele tirou esta informação. Apesar de tudo, concordo em parte com ele no ponto em que a felicidade é feita de momentos, muitos deles fugazes, e não é um estado constante. Também gostei de algumas citações no seu trecho.

Mário Sérgio Cortella já tem uma opnião um pouco parecida com a minha, de que a felicidade não é um estado constante, mas sim momentos (então o “ser” feliz é uma soma de muitos “estar feliz”), até porque, se fosse um estado constante perderia sentido, como o ar que respiramos, onde só nos damos conta dele quando ele nos falta. Ele relaciona os estados de felicidade com sensações de realização (quando terminamos um trabalho bem feito, terminamos de ler um livro), de contemplação (quando vemos um belo por do sol, ouvimos uma boa música) e de interação (quando nos relacionamos com algum ser vivo, especialmente entre nós mesmos, humanos). De certa forma ele acha que “é possível ser feliz sozinho”, mas que quando esta felicidade é compartilhada e ou originada das interações, ela é muito mais intensa e duradoura. Como quando você vê aquele belíssimo por do sol, mas gostaria que as pessoas das quais você gosta estivessem com você para partilhar este momento. Eu ainda acho que ele tem aquele resquício de querer que outros tenham os mesmos valores que ele, quando diz que a felicidade material é impossível e que a felicidade só pode ser alcançada através da espiritualidade. É uma característica do ser humano um pouco complexa de contornar, realmente.

O que Eu acho? Bem, era para ser uma resenha, mas vai virar uma Ruivopedia. Eu acho que a felicidade é como uma conta bancária: você tem depósitos (momentos de alegria) e saques (momentos de tristeza) e cabe somente à nós mesmos, individualmente, fazer com que no final de nossa jornada (na verdade durante ela, já que ao final nada mais vai importar) este saldo seja positívo. Um constante estado de “saldo positivo” ou pícos (felicidade durante muito tempo ou picos de felicidade extrema seguido por quedas) não são possíveis e podem indicar até um transtorno psíquico (estado de euforia, hiperatividade), bem como o inverso também é preocupante (pode ser depressão). Variações enormes também são anormalidades (bipolaridade). As vezes podemos ter um “depósito” alto (um nascimento de um filho, por exemplo), ou um saque muito impactante (uma morte de um ente querido), mas o saldo médio deve estar sempre próximo do “zero”, preferencialmente acima.

Eu não acredito que seja “impossível ser feliz sozinho”. Muito pelo contrário: você precisa primeiramente ser feliz sozinho, ser autosuficiente em sua felicidade, para depois poder multiplicar e inclusive “fazer doações” a quem talvez esteja com seu “saldo negativo”. Ao contrário dos autores do livro, eu acho que bens materiais podem ser sim causadores de felicidade. Novamente: cada um sabe o que é melhor para si, e quem sou eu para julgar alguém que acha que uma Ferrari vai fazê-lo feliz. Do mesmo modo, acho que não precisa de espiritualidade, do divino para ser feliz. Como ateu e conhecendo alguns ateus, acho até o contrário: quem se dá conta da sua insignificância dentro deste enorme universo, da fulgacidade da vida e de que só temos esta única vida para aproveitar consegue viver melhor, aproveitando estes pequenos bons momentos (depósitos) e relevando e superando mais facilmente os maus (saques). A fé inclusive pode ser a própria causadora da infelicidade no momento em que deixa as pessoas com a “eterna culpa do pecado”, com a tensão de ter que garantir o paraíso (ou uma boa reencarnação) para o além vida, ao cercear e censurar as várias formas de prazer (jogo, sexo, bebidas, drogas), etc.

Be happy 🙂

O Limite da Internet

LimiteRecentemente a Vivo anunciou que vai começar a exercer os limites quando as pessoas atingirem as franquias dos seus contratos de internet fixa, da mesma forma como já ocorre com a internet móvel. Isto será exercido através de cobrança adicional quando o limite for ultrapassado, da redução da velocidade após o consumo da franquia ou eventualmente até o bloqueio pode vir a ser implementado. Isto deverá ser feito à partir de dezembro, respeitando os contratos atuais e provavelmente deverá ser seguido por outras operadoras.

Primeiramente é preciso frisar que em todo contrato de internet já existe cláusula especificando qual é a franquia, mas como atualmente muito pouca gente chega a atingi-la, ela não era “executada”, já que seria mais custoso cobrar adicional de alguns poucos do que apenas “isentar” os usuários. Outro ponto a ser frisado também é que estes limites existem na maioria dos demais países.

Com a popularização dos serviços de streaming de áudio e vídeo, a tendência é que a média de dados que um usuário utiliza por mês aumente exponencialmente nos próximos anos, acompanhando o crescimento de serviços como Netflix, Spotify, e os novos que virão (a Google e a Amazon já estão desenvolvendo os seus “Netflix”). As próprias empresas que hoje são operadoras de TV à cabo tendem a virar concorrentes neste mercado.

Como a largura de banda é um recurso escasso que, para ser aumentado, exige investimentos em tecnologia e infraestrutura, as operadoras têm algumas opções para “custearem” estes investimentos: ou aumentam os custos dos pacotes ou  começam a “exercer” a franquia de dados (que repito, já existia, só não era exercida),  cobrando mais de quem consome mais e menos de quem consome menos, como acontece com 99% dos bens e serviços que adquirimos. Uma outra opção é apenas não aumentar a capacidade de banda do sistema e simplesmente não oferecer maiores velocidades para seus clientes.

Particularmente acho a alternativa escolhida é a melhor possível, tanto do ponto de vista das empresas, quanto do ponto de vista do consumidor, já que as duas alternativas (reduzir a velocidade para todo mundo, racionando assim a capacidade de banda, ou aumentar os preços) seriam mais impactantes para ambos.

A Anatel, agência que regula o setor (e falarei dela mais à frente) entende que isto vai beneficiar a maioria dos usuários, que consomem pouco de sua franquia, em detrimento de alguns poucos que hoje ultrapassam. A reação à mudança de política da Vivo gerou uma comoção e mobilizações na Internet, mas tendo a concordar com o pensamento da ANATEL e vou explicar porque fazendo alguns paralelos.

O Open Bar (ou a churrascaria rodízio)
Atualmente o modelo de negócio de internet funciona como uma churrascaria rodízio, como um buffet de preço único ou uma festa open bar: o usuário escolhe o nível de serviço, através da velocidade, e consome a quantidade de dados que melhor lhe convier. Mais ou menos como numa churrascaria, onde você poderia escolher entre ter apenas carne, ou carne e frutos do mar, e dentro daquele nível de serviço, poderia comer até estourar. Ou como numa festa open bar, onde você pode escolher ficar na área VIP, com Whisky, Vodka, Energético, Cerveja Premium, ou então na área comum, que terá Itaipava, Caipirinha de Velho Barreiro e água, porém dentro daquele nível de serviço, a quantidade é ilimitada.

Tanto a churrascaria, quanto o promotor da festa e a operadora telefônica simplesmente fazem o cálculo dos custos, colocam algum risco e o lucro em cima e dividem o valor pela quantidade de clientes. Alguns clientes farão “valer o preço pago”, consumindo mais do que se pagassem por unidade (uns 10%), a maioria das pessoas vai consumir muito próximo à média (entre 50% e 70%) e uma parcela considerável, geralmente maior do que aqueles que consomem acima, vão consumir abaixo da média, ou seja, estão gerando uma margem maior de lucro porque deixaram de consumir a parte que lhes cabia.

Para exemplificar coloco meu consumo médio dos últimos doze meses. Levando-se em consideração que em casa são 5 usuários da minha Internet, sendo que 2 deles são consumidores ávidos de Netflix (meu irmão) ou Youtube (minha sobrinha) e que eu mesmo também consumo muito os dois produtos, além de trabalhar cerca de 50% do tempo de casa (e como trabalho conectado na VPN da empresa, muitos dados trafegam pela minha rede), até que não excedi muito e consigo até identificar os picos: meses de férias, onde minha sobrinha está o dia todo em casa e em janeiro, quando resolvi subir todos os meus arquivos pessoais para o OneDrive.

Em condições normais, mesmo com o uso massivo (3 pessoas consumindo bastante e duas consumindo moderadamente), eu não ultrapassei o limite. E quando ultrapasso, nada mais justo do que pagar por este adicional do que ter alguém que trabalha fora o dia todo, consome apenas e-mail e páginas em casa, e que mesmo assim paga o que eu pago, “bancando” a minha parte.

ANATEL e suas responsabilidades
Contrariando o pensamento destes “ultraliberais” que surgiram ultimamente, infelizmente ainda existem alguns setores e mercados que precisam de regulação, já que as regras do capitalismo, especialmente no que tange à livre concorrência, não são aplicáveis em todos os casos. Basicamente estes mercados têm grandes barreiras de entrada (tecnológicas, financeiras, legais, etc) que impedem que exista uma concorrência plena, o que é sempre benéfico para o consumidor, tanto em questão de valores quanto em qualidade do serviço oferecido.

Indo nesta “toada”, muita gente prega que, afim de termos serviços de telecomunicações (telefonia fixa e móvel e internet) de qualidade a um preço justo, o mercado deve ser desregulado.

Mas ai entra uma outra função dos Estados, que podem ser exercidas tanto diretamente por ele, através de uma empresa ou um órgão do governo, ou então através de agentes privados, que serão regulados por alguma agência que regule este mercado (e vão chorar na cama os miMISESentos: uma sociedade sem Estado é tão utópica quanto qualquer Estado totalitario como os idealizados por Marx e sua gangue): prover serviços considerados essenciais para a população, como saúde, segurança, educação, transporte, saneamento básico, água, luz e, claro, serviços de telecomunicações.

A regulagem do mercado de telecomunicações (e é muito parecido com o de Transporte Público Urbano) funciona da seguinte forma: a agência regulatória permite que determinada empresa opere em uma região lucrativa, mas exige que, em troca, ela opere em uma região deficitária. Ou seja, a empresa vai ter lucro na cidade de São Paulo, por exemplo, e vai ter prejuizo em outras cidades (lembrando que a implementação e manutenção da rede é muito cara e que os custos individuais em telecomunicações são irrisórios: o preço da infraestrutura para atender 1 cliente é o mesmo para atender 10 mil!). Especialmente em municípios com numero pequeno de habitantes (menos de 10 mil habitantes, 43% dos municípios do estado de São Paulo) e/ou com densidade demográfica muito baixa (abaixo de 100 habitantes por km2, 73% dos municípios do estado de São Paulo) estes serviços só existem por conta da regulamentação.

Ou seja, o cliente da cidade de São Paulo acaba pagando um valor que encobre a infraestrutura de telecomunicações da cidade de Lutécia, no interior de SP, que é atendida somente pela Vivo, já que nenhuma outra operadora se interessou em atender seus 3 mil habitantes, sendo 2 mil em área urbana, espalhados por uma área de 918 km2 (densidade demográfica de 5,71 habitantes por km2, a terceira menor do estado).

O fato é que a desregulamentação total do mercado iria isolar estas pequenas cidades, já que provavelmente nenhuma operadora iria querer atender estas regiões ou, caso houvesse o interesse, o valor a ser cobrado afim de bancar a infraestrutura ficaria tão alto que afastaria boa parte dos clientes. O governo poderia adotar nas telecomunicações um modelo parecido com o da Saúde, onde ele fornece uma rede de atendimento (postos de saúde, hospitais, farmácias populares) para quem não pode pagar um plano privado ou médicos particulares, montando (novamente) uma Telebras? Claro que poderia, mas de alguma forma os recursos para isto deveriam ser gerados, muito provavelmente através de novos impostos em cima dos serviços similares da iniciativa privada e, no final das contas, quem vive em mercados avitários acabaria bancando o serviço para quem vive em mercados deficitários. E pior: com toda a ineficiência do Estado.

Bem, ai o querido leitor vai pensar: mas que incoerência! Ele diz que, no caso do limite da banda, é justo quem consumir mais pagar mais, mas acha certo que consumidores “privilegiados” que moram em áreas onde há demanda e concorrência subsidiem o serviço de quem mora em regiões remotas ou pouco populadas. Cada um que arque com os seus problemas: se quiser morar longe, que pague mais caro ou viva sem internet.

Infelizmente não é bem assim que as coisas funcionam. Primeiramente que de alguma forma os mercados que não são alvos da operadoras precisam ser atendidos pelo menos por telefone, ou seja, a infraestrutura deve ser criada (seja via cabo, fibra ótica, satélite, etc). Em segundo lugar justamente nestas regiões vivem as pessoas que produzem o carro chefe da nossa economia, que são os commodities (grãos, minérios, carne, frutas, etc). Se estas pessoas tiverem que pagar mais por um serviço essencial, muito provavelmente estes custos serão repassados através da cadeia de consumo.

Um outro ponto a se notar é que são justamente estas pessoas que mais necessitam da internet para fins comerciais (uso de banco, compras, etc), já que elas não tem um shopping, uma rede de lojas, um grande mercado, que podem ser acessados facilmente de carro ou mesmo à pé, porém todos os municípios são servidos pelos correios. Uma boa parte do comércio eletrônico deve servir estes municípios que seriam deficitários.

Conclusão
O sitema de internet precisa evoluir para atender às mudanças tecnologicas e de consumo dos usuários. O investimento é alto e as operadoras precisam, de alguma forma, custear este investimento. A maneira de custeio que menos impactaria um número maior de usuários é cobrar de acordo com o uso. Em mercados onde há livre concorrência, no médio para o longo prazo, a tendência é que a maioria das pessoas acabem por pagar menos (e “pagar menos” pode ser consumir mais dados a uma velocidade maior, pagando o mesmo preço ou mesmo um pouco a mais), enquanto uma pequena parcela realmente será impactada de forma maior. O problema está nos mercados/localidades que não são atendidos por mais de uma operadora. Por outro lado, nestes mercados o serviço provavelmente só existe por conta da regulamentação do mercado, ou seja, a internet nestes locais já é barata pois está sendo subsidiada pelos mercados mais atrativos.

Be happy! 🙂

Ahhhh!!! A Cerveja!!!!

20151210_234731A cerveja é uma bebida alcoólica carbonatada, produzida através da fermentação de materiais com amido, principalmente cereais maltados, como a cevada e o trigo. Estima-se que seja a quinta bebida mais consumida no mundo, perdendo apenas para a água, o café, o chá e o leite (nesta ordem).

Não existe uma data precisa de quando ela tenha surgido na história, mas os primeiros registros de fabricação de cerveja têm aproximadamente 6 mil anos e remetem aos Sumérios. Em seguida os Egípicios aprenderam a fazer a cerveja e o Império Romano, após o contato com a bebida no Egito foi o responsável pela expansão do produto (apesar dos Romanos tratarem a bebida como de “segunda categoria” em relação ao vinho!).

Inicialmente, a cerveja era um produto caseiro, como o pão e outros alimentos e as mulheres eram as principais responsáveis pela produção. Porém, na idade média, os conventos tomaram para sí o monopólio da fabricação da cerveja. Os monges também foram responsáveis pelo aperfeiçoamento da bebida: como eles eram os poucos que detinham a capacidade da comunicação escrita, eles puderam relatar, conservar e aperfeiçoar, ao longo de gerações, as técnicas de fabricação.

Os ingredientes
A cerveja tem como base 4 ingredientes: água, malte, lúpulo e levedura. Porém, ela pode receber outros ingredientes de acordo com a criatividade do fabricante ou das características do local onde foi produzida.

  • Água: constitui entre 90% e 95% de uma cerveja, sendo assim um elemento essencial na produção e que têm forte influência na qualidade final do produto. Nas ditas cervejas artesanais, as diferenças da água utilizada em diferentes lotes de uma mesma receita podem gerar pequenas alterações no resultado final. No caso das grandes produtoras, estas conseguem, através de processos químicos, fazer com que a água utilizada em determinada receita tenha exatamente as mesmas propriedades (acidez, quantidade de sais minerais, etc) independente da origem da água ou local de produção. Portanto, aquela história de que a cerveja de Agudos é melhor do que a de Jacareí ou Guarulhos não passa de lenda (existem outras razões para as diferenças, mas com certeza não será a água, vide curiosidades abaixo).
  • Cevada

    Cevada

    Maltes e adjuntos: o malte é obtido através do processo de geminação de cereais maltados. Este processo é controlado: estimula-se a geminação (através da água) para que o cereal produza algumas enzimas e depois interrompe-se o processo (atraves de secagem e/ou torragem). O malte mais comumente utilizado na produção de cerveja é o proveniente de cevada, seguido pelo do trigo. Através da adição de cereais não maltados, chamados de adjuntos, é possível baratear o processo de fabricação, já que estes cereais em geral são mais baratos que os maltados. Os cereais não maltados mais comumente utilizados são o arroz e o milho. Durante o processo de brassagem (fervura da água com o malte) estes cereais, que devem conter amido, liberam o açúcar, que será transformado em álcool durante o processo de fermentação. Os maltes e adjuntos também são responsáveis por boa parte do sabor da cerveja.

  • Lúpulo

    Lúpulo

    Lúpulo: as cervejas, assim como outras bebidas fermentadas, tendem a ter no sabor uma mistura de ácido com adocicado. Em alguns casos o ácido era tão intenso que alguns produtores começaram a utilizar-se de ervas e especiarias afim de temperar e aromatizar a cerveja. O rosmaninho, o gengibre e o anis foram alguns dos vários aromatizantes utilizados ao longo do tempo. Porém o lúpulo foi ganhando popularidade, pois além de dar um amargor e aroma característicos, também é um ótimo antiséptico e conservante, que acaba por aumentar a qualidade e a vida útil da cerveja.

  • Leveduras

    Leveduras

    Levedura: são microorganismos unicelulares, biologicamente classificados como fungos. São eles os responsáveis por transformarem o açúcar em álcool durante o processo de fermentação. Como resultado deste processo, além do álcool, também é gerado o gás carbônico.

  • Outros ingredientes: as cervejas podem receber diversos outros ingredientes, como frutas, legumes, ervas, madeiras, condimentos ou mesmo outras bebidas (como vinho e whisky), afim de garantir características específicas de sabor, aroma e aparência à cerveja.

Famílias
Existem duas famílias principais de cervejas, as Lagers e as Ales.

As Lagers, também conhecidas como cervejas de baixa fermentação, são fermentadas à temperaturas mais baixas, e por isto levam este rótulo. Outro motivo para serem consideradas como “cervejas de baixa” é o fato das leveduras usadas neste tipo executarem o processo de fermentação mais lentamente e o fazerem no fundo do recipiente usado para o processo. As Lagers são relativamente novas (cerca de 600 anos), já que os processos para manter as temperaturas mais baixas durante a fermentação e maturação também são relativamente novos: antes do advento da refrigeração elas eram produzidas em locais específicos, apenas em determinadas épocas do ano, geralmente dentro de cavernas, afim de manter a temperatura baixa constante durante todo o processo.

Nas Ales, conhecidas como cervejas de alta fermentação, o processo acontece a temperaturas mais altas, o que faz com que a levedura aja com mais rapidez e fique concentrada no topo do líquido.

Além das Lagers e das Ales, ainda existem as Lambics, que são cervejas de fermentação espontânea, pois não são adicionadas leveduras específicas e o processo ocorre naturalmente, com “leveduras selvagens” presentes no ar.

Existem ainda vários estilos menores (em quantidade e opções, não em qualidade, que fique claro) que não se encaixam em nenhuma das grandes famílias, tais como Rauchbier (literalmente “cerveja defumada” em Alemão, pois os grãos são defumados, e não torrados como normalmente acontece), Gruitbier / Gruitale (cervejas sem adição de lúpulo), Trapistas / Abadias (estilos que podem ter cervejas tanto entre Ales quanto em Lagers), Fruitbiers (cervejas com adição de suco de frutas), entre outras.

Escolas cervejeiras
Podemos definir como “escola cervejeira” aquela região (lembrando que há séculos atrás as fronteiras eram bem diferentes de hoje) e/ou cultura que desenvolveu estilos próprios de cervejas, estilos estes que são seguidos por outras regiões / culturas. Existem três principais escolas já estabelecidas e uma ainda em processo de desenvolvimento:

  • Alemã: talvez a escola mais famosa do mundo, por produzir a família Lager, a mais consumida no mundo e um dos tipos (Pilsen) mais consumidos. São eles os inventores/descobridores do processo de baixa fermentação e um dos grandes divulgadores das cervejas de trigo. Também fazem parte desta escola a parte norte e oeste da Holanda, a República Tcheca (onde foi inventado o estilo Pilsen), a Polônia e partes dos países nórdicos (geralmente o sul).
  • Belga: a escola Belga, que também engloba geograficamente o norte da França e o Sul da Holanda talvez seja a escola mais cultuada entre os apreciadores de cervejas. Há séculos suas Abadias e Mosteiros desenvolvem diversos estilos muito diferentes entre si, como trapistas, abadias, witbiers, etc. Via de regra são cervejas mais “densas”, com uma gradação alcólica mais elevada e um sabor mais adocicado.
  • Inglesa: como fica separado da parte continental da Europa, aqui é mais fácil restringir geograficamente a escola para o Reino Unido (incluindo as ilhas ao redor e a Irlanda do Norte) e República da Irlanda. Ale lá é sinônimo de cerveja (você pede uma Ale num bar!) e notadamente existe uma preferência por cervejas com grãos mais torrados (red, brown, stout, etc), o que confere um sabor de amargor proveniente também da torra destes grãos, e não somente do lúpulo, além de uma cerveja um pouco mais “seca”.
  • Americana: esta é a escola que ainda está se desenvolvendo, até porque, por conta da Lei Seca americana que proibiu a produção e comercialização de bebidas alcóolicas, ela começou a se desenvolver há pouco mais de meio século. Porém, a lei seca acabou por ser benéfica, pois deu um “reset” na indústria americana, que apenas copiava as escolas Inglesa (no norte do país) e Alemã (no sul). Ela se caracteriza pelas experiências com os mais diversos ingredientes (frutas, ervas, temperos, etc) e pelo “exagero”: muito malte e muito lúpulo é sempre bem vindo. Poderiamos classificar o inscipiente mercado brasileiro, por conta de suas características, dentro da escola americana.

Além das principais escolas, temos países / culturas que não criaram uma escola própria, mas têm características bem peculiares, tais como o Japão, com as suas rice beers (sim, aqui o ingrediente principal é o arroz, tão mal afamado) ou a Rússia (e alguns outros países da antiga URSS) com suas Imperials. A Escócia, apesar de fazer parte da escola Inglesa, também se destaca por suas cervejas altamente alcólicas, licorosas e maturadas em barris de madeira (muitos deles utilizados anteriormente para maturar whisky).

Degustando e apreciando
Não existe uma regra para apreciar uma cerveja, até porque a cerveja seja talvez a bebida mais descontraida que exista. Mas para que a experiência da degustação seja melhor aproveitada, existem algumas sugestões:

  • Aparência: é com certeza a primeira característica a ser notada e que pode enriquecer ou empobrecer a experiência. Alguns pontos a serem notados:
    • Embalagem: qual o tipo (lata? long neck? garrafa mais gordinha? garrafa de 600?), o rótulo (existem verdadeiras obras de arte nos rótulos, especialmente das cervejarias artesanais), o tamanho, o tipo de lacração (tampa de metal, tampa de pressão), etc
    • Cor: a cor da cerveja é determinada principalmente pelo tipo do malte e seu nível de torrefação. Porém, alguns dos aditivos podem influir na coloração. Existe uma medida chamada SRM (Standard Reference Method, ou método de referência padrão, em português), que vai do amarelo palha, quase branco, até o negro, e é utilizado internacionalmente por cervejeiros e aficcionados.
    • Translucidez: a translucidez da cerveja é determinada pela filtragem. Uma cerveja filtrada geralmente é translucida (se ela não for muito escura, obviamente), enquanto as não filtradas, pelo fato das partículas de malte, lúpulo e outros ingredientes ainda estarem presentes no líquido podem ser turvas (em diversos níveis) ou totalmente opacas.
    • Formação dos gases: como o gás se forma e se dissipa. Fazem muitas bolhas? Fazem poucas? Elas demoram a se dissipar? São bolhas maiores? Menores?
    • Formação da espuma: a espuma que se forma é de grande volume? E a persistência? Ela fica bastante tempo ou some rapidamente? Deixa aquele “véu de noiva” no copo?
    • Cor da espuma: qual a cor da espuma? Branca, bege, marrom?
  • Aroma: boa parte do gosto que nossas papilas gustativas detectam são complementados ou modificados pelo olfato. Lembra daquela história de ficar gripado e a comida perder o gosto? Por isto é interessante tentar sentir quais os aromas que aquela cerveja traz antes de levá-la à boca. Entre os aromais mais típicos estão:
    • Álcool: o volume de álcool em uma cerveja é determinado pelo tipo e quantidade do malte utilizado (consequentemente, quanto amido virou açúcar) e pelo tempo de fermentação e tipo de levedura utilizada (quanto deste açúcar foi transformado em álcool). Assim como para o a cor, existe uma medida internacional, esta para todas as bebidas alcólicas, chamada ABV (Alcohol by Volume, álcool por volume) que representa a porcentagem de álcool contida a cada 100mls da bebida. Importante destacar que não necessariamente uma bebida com alto teor alcólico terá álcool no aroma, já que este aroma poderá ser suprimido pelos outros componentes.
    • Frutas: mesmo quando não se usa fruta na composição da bebida as reações químicas ocorridas durante todo o processo podem gerar aromas similares. As Witbiers são famosas pelo aroma cítrico (mesmo uma parte delas não levando nenhuma fruta) e as German Weizen, além dos cítricos, costumam ter banana e cravo no aroma, mesmo não usando destes ingredientes. Por sua vez, as Stouts apresentam notas de café e/ou chocolate, devido à torrefação dos seus grãos.
    • Especiarias: cravo, pimenta, ervas, etc. Assim como acontece com as frutas, mesmo a receita não contendo alguns destes ingredientes, aromas deles podem aparecer em uma cerveja.
    • Outros: pão/fermento, capim, chá, chocolate, baunilha. Muitos deles por conta de aditivos para dar as determinadas características e outros tantos por conta das reações e transformações químicas dos ingredientes básicos.
  • Sabor: com certeza o ponto mais importante da cerveja é o seu sabor e as reações que ele provoca (vide curiosidades). Podemos dizer que devido às variadas combinações das principais característiscas, a variedade de sabores e sensações proporcionadas pela cerveja são infinitas. Mas dentre as principais características e nuances do sabor, podemos destacar:
    • Álcool: independente da quantidade de álcool presente na cerveja, pode-se notá-lo ou não no sabor. Mesmo que às vezes ele não seja notado no aroma, ele pode aparecer no sabor, ou vice-versa.
    • Amargor: uma das principais características da maioria das cervejas é o seu nível de amargor e, além do efeito inebriante da bebida, o amargor é uma das principais fontes de prazer (vide curiosidades). Além do lúpulo, o nível de torrefação, bem como algum produto adicional (cravo-da-índia, por exemplo), contribuem para esta característica. À exemplo da cor e do volume de álcool, o IBU (International Bitterness Unit, Unidade Internacional de Amargor) estabelece uma gradação do nível de amargor de uma cerveja. Estima-se que à partir de 150 IBUs, o amargor é tão forte que a diferença é imperceptível para os seres humanos.
    • Dulçor: como já explicado, o amido dos grãos utilizados como malte é o gerador de açucar, que se transformará em álcool durante a fermentação, e invariávelmente a cerveja contará com algum nível de açucar (por isto também é que ela é calórica). Dependendo do nível de fermentação e dos outros ingredientes, este dulçor pode ser perceptível ou não, mas com certeza ele estará lá!
    • Notas: entende-se como notas outros sabores que possam estar presente na cerveja, mas que não provém diretamente dos ingredientes principais, e podem ser adicionados propositalmente ou então serem, assim como o aroma, resultado dos processos químicos. Uma cerveja pode ter uma infinidade de notas de sabor não relacionadas aos ingredientes principais, tais como: chocolate, café, frutas, madeiras, ervas, temperos, e vou para por aqui pois a lista é, literalmente infinita.
    • Retrogosto: a língua do ser humano tem pontos específicos onde cada tipo de sabor é detectado: o doce é melhor absorvido na ponta da língua, o ácido (ou azedo), nas laterais dianteiras da língua, o salgado bem no meio e o amargo no fundo da parte da língua que está na boca. Recentemente separaram o sabor adstringente (que também é um resultado do ácido) em uma categoria distinta, que é sentida na parte inferior da língua. O retrogosto é o sabor que uma bebida deixa na boca após ser ingerida. Como a língua se estende até a garganta, normalmente o retrogosto da cerveja leva o amargor (detectado no final da língua) como nota principal, que forma o conjunto com o restante dos sabores sentidos anteriormente.

Harmonização
Eu detesto esta palavra, mas vou usá-la: harmonização é o ato (ou arte, segundo alguns) de combinar a bebida com a comida. A regra básica de harmonização é que as características de um (aroma, sabor, e até características visuais) não devem se sobressair à do outro, mas sim se complementarem e, quando possível, realçarem as características um do outro. Então uma Witbier (com características mais leves) não combinaria bem com algum prato apimentado, ou com comida Indiana, por exemplo, que é “carregada” de especiarias, enquanto uma IPA, que tem notas de lúpulo muito marcantes, iria acabar por suprimir o sabor suave de uma mussarela de búfala.

Mas no final a regra geral é: desceu bem? Então manda bala!!!!

Curiosidades

  • Nas prisões européias era comum o preso ter, além da alimentação, uma ração diária de cerveja que variava entre um e dois pints (um pint equivale a 473 mililitros)
  • O lúpulo pertence a mesma família das canabidáceas, ou seja, é prima da maconha, porém não contem os efeitos entorpecentes desta. Quer dizer, o lúpulo sozinho, já que junto com o álcool, além de prazer (ver abaixo), proporciona uma sensação inebriante.
  • Diferentemente do vinho, a maioria das cervejas perde qualidade com o tempo (talvez esta seja a causa da alegada diferença de cervejas de um lugar para outro). Existe até um ditado que diz que “a melhor cerveja é aquela tomada na fábrica”. Portanto, para apreciar o melhor da cerveja, quanto mais perto da data de fabricação, melhor.
  • Um outro fator de deterioração da cerveja é a exposição à luminosidade. Por conta disto a imensa maioria das cervejas é embalada em garrafas de vidro escuro.
  • É por isto também que se adiciona limão nas cervejas conhecidas como “draft beers” (Corona, El Caguama e Müller, por exemplo, apesar do termo draft ser incorretamente utilizado): o limão disfarça o “ranço” provocado pela exposição da cerveja à luz, causado pelas garrafas transparentes.
  • Uma das explicações para o prazer em se beber cerveja (além da sensação de embriaguez) seja a endorfina, “componente com característica dos opiatos que são produzidos no cérebro como resposta natural do corpo à dor” (Le Couteur, Penny e Burreson, Jay em os Botões de Napoleão): ao sentir o amargor, que é uma sensação inicialmente desagradável para o ser humano, o nosso corpo produz esta substância, que gera uma sensação de prazer. É o mesmo princípio da pimenta e de outras especiarias “picantes”.
  • Apesar da grande maioria de cervejas populares vendidas no Brasil ostentarem o título “Pilsen”, elas na verdade são do tipo “American Lager”. Mesmo não sendo Pilsen ao pé da letra, ambas pertencem à mesma família, a das Lagers.
  • A Reinheitsgebot (Lei da Pureza da Cerveja, em português) é uma das regulamentações de produção de alimentos mais antigas do mundo, sendo promulgada pelo duque Guilherme IV da Baviera em 23 de Abril de 1516 e que determinava que a cerveja deveria conter apenas água, malte de cevada e lúpulo (não se sabia, à época, da influência das leveduras e o processo de fermentação era espontâneo). Mais tarde a lei foi modificada para permitir a levedura e o trigo. Mas o intuito principal da lei foi mais econômico e político do que afim de garantir a qualidade das cervejas: na época da promulgação da lei o monopólio das cervejas de trigo pertencia à casa nobre de Degenberg, rivais de Guilherme IV. A promulgação da Lei foi um golpe fatal na saúde financeira dos rivais.
  • A Reinheitsgebot foi considerada uma lei protecionista quando da formação da União Européia e por isto, hoje, ela é mais uma tradição do que uma lei realmente, já que os cervejeiros alemães hoje já podem utilizar qualquer ingrediente para produzir cervejas (e os cervejeiros Berlinenses têm sido os mais “criativos” ao desenvolverem novas receitas).
  • Santa Hildegard von Bingen, uma abadessa alemã que viveu entre 1098 e 1179, é considerada por muitos dos “cervejólogos” como a padroeira da cerveja. Pesquisadora do uso de ervas em tratamentos medicinais, inclusive do nosso amigo lúpulo, é dela a primeira citação por escrito do lúpulo na fabricação de cerveja de que se tem notícia.
  • A cerveja já foi conhecida como “Pão Líquido”, isto por três motivos principais: o processo de produção é parecido, pelo fato de utilizar, antigamente, o mesmo ingrediente que o pão (ao invés de cevada, usava-se o grão de centeio para produzir a cerveja, que também era usado no lugar do trigo para produzir o pão) e pelo fato dela alimentar.

Be happy 🙂 (and have a beer!!!!)

397 - Liverpool

Ateu, graças a Deus!

HomerXDarwinEu devolvo troco errado, não furo fila, pago meus impostos corretamente, não estaciono em vaga de deficiente/idoso, obedeço as leis do meu país, inclusive aquelas com as quais eu não concordo e até multa de trânsito eu tomo pouquíssimas (a maioria por desatenção), portanto me considero uma pessoa honesta. Eu trato a todos, independente de etnia, credo, nacionalidade, orientação sexual, idade, etc com dignidade e respeito, portanto me considero uma pessoa de bem. Na medida do possível eu contribuo com causas sociais, seja financeiramente, seja com tempo (trabalho voluntário), então me considero uma pessoa caridosa e altruísta. Eu vivo o que eu chamo de “vida plena”: fazer a maioria das coisas que me dão prazer sem prejudicar outras pessoas; então dentro do meu conceito eu sou uma pessoa feliz. E sou ateu!

Com o crescimento da internet e principalmente das redes sociais, com seus grupos, comunidades, vlogs, blogs e espaço para exposição e discussão de idéias e conceitos, aparentemente existe um crescimento anormal no número de ateus, o que leva alguns teístas a apelidar isto de “modinha do ateísmo” e designar os descrentes pejorativamente como “neo ateus”.

Primeiro é importante lembrar que sim, a tendência mundial é de cada vez mais existirem ateus, especialmente nos países onde há liberdade religiosa e de expressão, um estado realmente laico e um bom nível educacional e científico. Aqui vai o primeiro parêntese: existe sim uma relação muito forte entre nível educacional e nível de ateísmo quando países são comparados, porém não existe uma causalidade direta, ou seja, não quer dizer que os mais inteligentes/educados sejam ateus ou que os ateus sejam mais inteligentes. O que existe é que em países com nível educacional alto e liberdade de expressão as pessoas tendem a questionar mais qualquer ideologia, valor ou dogma, e isto acaba invariavelmente por levar a um número maior de descrentes.

Mas não se trata de moda. Simplesmente hoje existe uma “rede de segurança virtual” que permite que mais pessoas se declarem ateus, sendo que em um passado recente estas pessoas temeriam se posicionar como um não crente sob pena de julgamento e isolamento por parte dos seus convíveres e  preferiam não se manifestar ou até mesmo se declararem agnósticos (era o meu caso). O mesmo acontece com outras “minorias” que fogem de padrões definidos pela sociedade.

Acontece que isto tem irritado os teístas em geral, que acham que moral e ética está relacionada e é totalmente dependente da fé e ai surgem perguntas como “Você é ateu? Mas você é uma boa pessoa!” ou “Como você pode ser caridoso sem acreditar num prêmio/punição divina?”.  Sinto informar que até o altruísmo é uma ferramenta biológica de preservação da espécie. Este artigo sobre um cientista americano chamado George Price explica um pouco como acontece (e a história pessoal de Price é muito interessante também).

A irritação dos “mercadores da fé” com os ateus é até compreensível: você consegue fazer com que um usuário de um produto adote um similar de outra marca, mas dificilmente vai convencer alguém a utilizar um produto que não é de sua necessidade ou desejo. Então, do ponto de vista mercadológico (que é o que importa aos Malafaias, R.R. Soares, Felicianos e Macedos da vida) realmente o crescimento do ateísmo é uma ameaça, pois fazer alguém que já é crente trocar uma denominação e até mesmo uma religião por outra é bem mais simples do que fazer alguém que não cre passe a ter fé em algo.

O que eu não entendo é a ira dos simples praticantes das religiões (e mesmo dos não praticantes) para com os ateus. Salvo raras exceções, para nós ateus, desde que a crença dos outros não venha interferir na vida privada de cada um (imposição de dogmas de determinada religião para toda uma sociedade) pouco importa no que as outras pessoas acreditam. Eu particularmente volto ao meu conceito de vida plena: se faz bem para você e não faz mal a ninguém, ótimo! Fico feliz por você!

Ao contrário de boa parte dos religiosos, um ateu dificilmente vai tentar “desconverter” alguém, até porque entendemos que é questão de foro intimo crer ou não em algo. E aqui vem meu segundo parêntese: neste ponto eu admiro os Batistas, que ao contrário de outras denominações protestantes, não ficam batendo de porta em porta, ou então abordando pessoas na rua, afim de convertê-las. Eles apenas dão bom testemunho através de suas ações e ao mostrar que sua fé faz bem para eles. E para mim é assim que deveria ser.

Talvez o que boa parte dos teístas não conseguem admitir/entender é que alguém pode ser honesto, ético, de bem, ter moral e ser feliz, sem a necessidade de crer em uma entidade divina e/ou num paraíso ou danação eterna. Mas de certa forma eu até entendo esta frustração. Imagino que seja uma mistura de inveja (por eles não conseguirem o mesmo sem ter esta “muleta”), misturada com algumas doses de “será que me enganaram durante todo este tempo?” e algumas pitadas de “será que eu gastei tempo demais da minha vida seguindo algo que não é necessário para atingir um objetivo?”.

Be happy! 🙂

RunJack

Wanderlust #28 – Norte e Nordeste Brasileiro

Brasil 1Há alguns anos eu vinha tendo vergonha de um fato: eu conhecia mais estados dos EUA do que do Brasil. Este ano resolvi mudar isto e fui conhecer um pouco mais do meu próprio país. Em março fui a Salvador, agora rodei por mais 4 estados. Também fui à Brasilia, mas falarei no próximo Wanderlust.

Propositalmente eu foquei minhas férias em capitais / estados que não ficam na rota do turismo comum e são pouco explorados pelos proprios brasileiros: Pará, Maranhão, Paraíba e Sergipe.

A minha primeira impressão ao chegar no Pará e depois no Maranhão foi “por quê diabos estes locais são pouco explorados?”, não so pela indústria do turismo, mas por inúmeros tipos de negócios que poderiam (e deveriam) ser melhor desenvolvidos por lá. São estados com inúmeros recursos, tanto naturais quanto de mão de obra.

Tanto Belém quanto São Luís são cidades mal conservadas, com regiões (notadamente as regiões centrais e as periferias) com prédios abandonados e entregues ao crime e à contravenção.

Ai depois eu fui até João Pessoa e tive uma impressão totalmente diferente. João Pessoa é uma cidade organizada, limpa, segura. Você se sente à vontade em andar pela cidade sem ter que ficar tenso e prestando atenção ao que ocorre à sua volta, a não ser a paisagem. O custo de vida também é barato e você vê que as pessoas, independente da classe econômica, conseguem ter uma boa qualidade de vida, que ao final é o que importa.

Aracaju então me surpreendeu demais. Muitas e muitas quadras – de futebol (society e salão), tênis  (cimento e saibro), basquete, vôlei. Parque de diversões, um belo jardim linear na orla da praia, muitas ciclovias, praças, skatepark e até pista de motocross e kartódromo. Tudo feito pelo poder público. Assim como João Pessoa, Aracaju me mostou que com um pouco de boa vontade o Estado pode propiciar uma qualidade de vida melhor para todos os cidadãos.

Mas a diferença entre os lugares que eu conheci nesta trip me leva a pensar em duas coisas:
1 – Comparados com o Pará e Maranhão, Paraíba e Sergipe são muito pequenos e com muitas restrições de recursos, tanto os finaceiros quanto de espaço e naturais. O que me leva a pensar que o problema do Brasil é a abundância: nos estados mais ricos e no país como um todo nós apenas nos preocupamos em abusar dos recursos que temos, sem fazermos o melhor uso deles e pensando sempre no curto prazo.
2 – A sensação de segurança em João Pessoa e Aracaju é enorme em comparação com Belém e São Luís  (e também Salvador, Rio e São Paulo), o que me leva a pensar que o problema da violência não é causado apenas por conta da impunidade, mas também pela baixa qualidade de vida e a sensação de exclusāo que a população mais pobre sofre nas grandes cidades.

Acho que um dos maiores problemas do brasileiro hoje é o fato de que a maioria dos cidadãos não pensa em qualidade de vida como objetivo final para sua própria vida e para a sociedade. O brasileiro pensa em se sentir diferenciado. Ele não quer que todo mundo tenha condições de ir e voltar para o trabalho/escola usando transporte público, com conforto, segurança e no menor tempo possível. Ele quer isto só pra ele e ai ele quer comprar o melhor (e maior) carro e quer que as avenidas sejam dele. Ele não quer que todo mundo seja capaz de viajar para os mesmos lugares que ele nas férias (que sentido teria viajar se não for pra contar vantagem né?!?!). Ele não pensa que todos poderiam usar a cidade e os seus aparelhos (de lazer, cultura, saúde), ele quer é ir morar num prédio com piscina, playground, varanda gourmet (argh!), até cinema, para não precisar nem sair para o shopping. Ele não quer que as desigualdades sejam menores, ele quer é estar no topo da pirâmide, mesmo que isto signifique que ele tenha que andar de carro blindado.

Como já deixei claro em um artigo recente: o brasileiro precisa decidir o que ele quer, se é ser diferente ou se é ter uma sociedade segura, sem corrupção e onde o Estado cumpra o seu papel com a maior eficiência possível. A história e mesmo os exemplos atuais mostram que desigualdade e qualidade de vida não caminham juntas e, sinto informar, nem se mudar para Miami vai adiantar.

Be happy! 🙂

Na vida a coisa mais feia é gente que vive chorando de barriga cheia

Na Vida a coisa mais feiaEstou usando um trecho do samba Maneiras, do Zeca Pagodinho, pois foi a música que me veio à cabeça quando presenciei duas cenas nas minhas duas últimas viagens.

Em março fui à Salvador e durante um passeio de barco paramos na ilha de Itaparica para almoçar. Na mesa ao lado da minha tinha um grupo formado por um casal carioca já na casa dos cinquenta anos, um cubano (que é médico e vive no Brasil), sua esposa brasileira e mais três uruguaios. Entre uma cerveja e uma caipirinha, naquele cenário paradisíaco, o casal de cariocas puxou o tema política e começou a falar mal da Dilma, usando “argumentos” como “aquela vaca deixou o pais na merda”, “está tudo fudido”, etc.

Em abril fiz uma viagem e passei 2 dias no Panamá. Fomos fazer um City Tour e uma visita ao canal do Panamá e a maioria dos turistas no ônibus eram brasileiros. Tinham 4 casais de São Paulo e em determinado momento resolveram trazer o tema política à tona, também criticando a situação do Brasil, dizendo que estava tudo uma porcaria no Brasil, que estavam pensando em se mudar para os EUA e aquele discurso que temos ouvido e visto aos montes recentemente.

O primeiro ponto aqui é a situação de “saia justa” em que eles deixam os gringos. Político é que nem filho: você pode falar mal do seu, mas ninguém mais pode falar, e da mesma forma que os gringos não gostam que quem não mora no país deles se meta em sua política, eles também não vão ficar se metendo na vida política do país dos outros (e em ambos os casos, os brasileiros estavam querendo “arrancar” à força uma concordância dos gringos).

O segundo, que é o principal motivo deste artigo, é que a pessoa está lá, aproveitando uma praia paradisíaca (no caso da Bahia) ou então gastando em dólares (no caso do Panamá), pagou sua passagem, hotel, passeios, está fazendo compras, dando gorjetas, mas está reclamando que “a situação está uma merda”. É uma incoerência danada que os gringos não conseguem entender. Nem eu!

Creio que desde as manifestações Junho de 2013, cientistas políticos, sociais e mais uma gama de especialistas (e palpiteiros como eu) estão tentando entender o que o brasileiro, especialmente os de classe média e alta querem. Particularmente acredito que estas pessoas idealizaram um país que talvez não seja factível.

Pelas conversas com amigos e pelas opniões vistas pelas redes sociais, aparentemente o brasileiro tem como ideal de país uma Miami em grandes proporções. O problema é que eles conhecem a Miami (ou NY) de férias e imaginam que aquilo é o dia a dia, a vida como ela deveria ser.

Eu também acho que a vida nos EUA e em alguns outros países ao redor do mundo seja boa, mas eu pelo menos entendo que para chegarmos ao nível de qualidade de vida (que ao final é o que importa) que estes países têm temos que criar uma sociedade mais igualitária e justa, só que isto consequentemente se traduz em eliminação de alguns privilégios que boa parte destas pessoas que clamam “por um Brasil melhor” hoje em dia detêm. Antes de continuar vamos dar uma olhada em algumas informações que eu compilei sobre a distribuição de riquezas produzidas em alguns países:

Piramide

No Brasil, os 20% mais ricos (cujas familias vivem com pelo menos R$ 4500,00 mensais), e nesta faixa se incluem eu, meus amigos e a maioria dos “bate panelas”, ficam com mais da metade de todas as riquezas que são produzidas no país no decurso de um ano, 25% a mais do que nos EUA e cerca de 40% a mais do que na Alemanha e Dinamarca.

Na base da pirâmide, os 20% mais pobres (que vivem com menos de R$ 2000,00 mensais por família) repartem entre sí pouco mais de 3% da riqueza produzida no país. A camada mais pobre no Brasil fica com 40% menos do “bolo”, se comparado com os EUA e com menos da metade do que as camadas mais pobres da Alemanha e Dinamarca. Esta diferença também acontece, mais ou menos na mesma proporcionalidade, no restante da população, as conhecidas “classes médias”.

Esta grande desigualdade é a razão de vários confortos (e até luxos) que as classes mais abastadas têm no país. Na Europa e nos EUA é difícil imaginar uma família de classe média, mesmo classe média alta, com um empregado doméstico fixo por mês (quem dirá 2 ou 3!). Mesmo empregados domésticos eventuais (as conhecidas “diaristas”) são coisa rara nos países ditos de primeiro mundo. Nestes países as pessoas simplesmente limpam suas casas, lavam suas roupas e criam seus filhos. Isto porque as pessoas mais pobres não são tão pobres como no Brasil e não se sujeitam à receber alguns trocados por um dia de trabalho como acontece aqui, o que possibilita até que a classe média baixa possa usufruir do trabalho de uma diarista ou de alguém que lave e passe roupa.

Só que nem tudo são flores, isto também é a causa de vários problemas. Um deles é a violência: enquanto no Brasil a quantidade de homicídios por milhões de habitantes no período de um ano é de 210, nos EUA este número é de 42 homicídios e na Alemanha e Dinamarca de menos de 9.

E não adianta falar que o problema da violência é somente um problema da justiça, porque infelizmente não é (se fosse seria fácil de resolver) e muitos dos problemas do país (além da violência, produtividade da indústria nacional, corrupção, etc) estão totalmente ligados às nossas diferenças sociais (que em boa parte é causada pelo nosso sistema educacional precário).

Então é bom esta galera que está fazendo protesto “contra tudo o que está aí”, primeiramente começar a pensar no que eles realmente querem e no que eles estão dispostos a abrir mão para ter o que eles querem. O problema é segurança? Precisa passar por uma distribuição mais equilibrada das riquezas geradas no país e invarialmente isto vai gerar alguns “desconfortos” para as classes mais abastadas.

O problema é corrupção? Isto só se resolve com bom nível de educação e aumentar o nível de educação invariavelmente leva a uma redução das diferenças sociais. O problema é o nível de produção de riqueza do país como um todo? A produção de um país só cresce aumentando-se o nível de educação, um nível maior de educação leva a uma redução das diferenças e reduções de diferenças levam a perda de privilégios de classes abastadas.

Da próxima vez que estas pessoas pensarem em se mudar para “um país melhor que o Brasil” ou então exigirem mais segurança, menos corrupção, um salto de produtividade, elas também devem considerar se estão dispostas a lavar a própria roupa, fazer a própria comida, limpar a própria casa, criar elas mesmas os seus filhos e colocar tudo isto na balança. Talvez a conclusão seja que o Brasil não é um lugar tão ruim assim de se viver.

Be happy! 🙂

Wanderlust #18 – Cuba: história, economia e política (e minha opnião sobre tudo isto)

Cuba 01Eu sempre achei que extremismos são sempre ruins e, via de regra, quando alguém tem alguma opnião extrema sobre algo ele está errado. O mundo não é 0 e 1, não é preto e branco. Isto sempre me levou a ter uma curiosidade em conhecer os países socialistas, já que nunca achei que estes países fossem o inferno pregado pelos capitalistas e muito menos o paraíso pregado pelos socialistas/comunistas. Então resolvi aproveitar antes que o regime em Cuba caia (ou se adapte) para conhecer o país.

Mas antes de entrar nos detalhes da viagem, acho necessário entender um pouco o país. Porém antes da vaca fria vou dar alguns aviso para os meus poucos leitores:

  1. O texto vai ficar longo e não quero quebra-lo em partes, então prepare-se.
  2. As informações históricas eu retirei do guia que comprei, de informações obtidas lá e de algum ou outro site. Não vou ficar checando fonte, origem ou procurar opniões diferentes já que devem existir inúmeros livros, com inúmeros pontos de vista sobre a história e a atual situação cubana.
  3. Invariavelmente irei fazer paralelos da história e atual situação com os livros “A revolução dos bichos” e 1984, ambos do George Orwell.
  4. E mais importante: se você for um capitalista/anti-comunista fanático, você com certeza vai discordar de metade das minhas opniões e informações. Se você for um comunista/anti-capitalista (neste caso fanático seria redundância) também vai discordar de metade das minhas opniões. Minha sugestão: viaje a Cuba e tire suas próprias.

História
A Ilha de Cuba foi descoberta em 1492 por Cristóvão Colombo e foi anexada à Espanha em 1510. Durante a colonização da Ilha, as 3 tribos que a habitavam então foram dizimadas. Porém os espanhóis não encontraram o que procuravam na ilha (ouro e especiarias) e a abandonaram, preferindo explorar a parte continental das Américas.

Durante a exploração do continente e a necessidade de transporte dos bens até a Europa, Cuba passou a ser um ponto estratégico importante do ponto de vista logístico (talvez isto também explique o interesse do Brasil, Canadá, Alemanha e Espanha em investir no Porto de Mariel) e como primeiro ponto de defesa das outras colônias. Durante esta época, a Ilha era alvo constante de ataques de piratas e também neste mesmo período  iniciou-se a inserção de escravos trazidos da África.

No verão de 1762 a ilha foi finalmente conquistada pelos Ingleses após alguns anos de ataques mas foi logo devolvida à Espanha com a assinatura do Tratado de Paris, de 1763, em troca da Flórida. Foi quando ocorreu o que poderia se chamar de “segunda colonização da ilha”: devido ao incremento do comércio do açúcar a ilha passou a ser usada para produzir este bem. Isto também gerou uma onda ainda maior do comércio de escravos.

A cultura de cana de açúcar trouxe uma parte da aristocracia espanhola para a ilha, o que ajudou a moldar a cultura e, principalmente, a arquitetura. A mistura das culturas (e dos genes) dos espanhóis e dos africanos deu origem à cultura criola. Em meados de 1830 Cuba era o maior produtor mundial de açúcar e metade da sua população era composta por negros (libertos e escravos). A ilha já era habitada pela segunda, às vezes terceira geração dos decendentes dos colonizadores, que se sentiam mais cubanos do que espanhóis e que já almejavam uma independência. Para tanto, eles precisavam contar com a ajuda dos escravos e por isto a luta pela independência de Cuba aconteceu em conjunto com a luta pelo fim da escravidão. Depois de algumas guerras, a Espanha conseguiu subjulgar os rebeldes, que foram exilados nos EUA (o que viria a servir para estreitar as relações destes com os EUA) e, em 1886 a escravidão foi abolida como parte de um “pacote” que a Espanha prometera para aplacar os ímpetos dos rebeldes.

As guerras contra a Espanha foram retomadas em 1895 e em 1898, quando os cubanos já haviam praticamente vencido a Espanha, o cruzador Maine (que fora enviado à baia de Havana para proteger cidadãos e propriedades americanas em Cuba) explodiu misteriosamente, matando 250 marinheiros americanos. Os americanos culparam os espanhóis e encontraram uma razão para entrar na guerra. Em julho a frota espanhola foi finalmente derrotada pela frota americana e em dezembro do mesmo ano um acordo entre a Espanha e os EUA selou o fim do domínio colonial da Espanha nas Américas. Acordo este que não incluiu os cubanos e que, na prática, apenas transferia o domínio da colônia aos americanos. Alguns conflitos se seguiram e em 1901 uma assembléia aprovou a primeira constituição cubana e finalmente o primeiro presidente cubano tomou posse, apesar de ainda existirem fortes vínculos com os EUA.

A independência cubana finalmente aconteceu em 20 de maio de 1902, porém o país ainda viveria algumas décadas sob forte influência norte americana, que em várias oportunidades enviariam fuzileiros com o pretexto de proteger cidadãos e propriedades americanas.

Nos primeiros 20 e poucos anos da República Cubana, alguns avanços foram alcançados, tais como: educação pública gratuíta, liberdade de associação e expressão, separação entre Igreja e Estado. A cultura de cana de açúcar se tornou praticamente a única atividade econômica de Cuba, o que beneficiava alguns, porém a grande maioria não se beneficiou e não via muita diferença entre ser colônia e ser um país independente. Em 1925 surgiram os primeiros sindicatos e o Partido Comunista Cubano. Neste mesmo ano, Gerardo Machado tornou-se presidente e viria a alterar a constituição para poder governar por mais um mandato, o que fez com tirania e violência.

A situação do povo piorou ainda mais com a grande depressão e após uma longa greve geral e a perda do apoio do exército, Machado fugiu. À partir dai, vários presidentes, considerados apenas marionetes do Sargento Fulgêncio Batista, se revezaram no poder. Durante este tempo algumas reformas foram implementadas, como a jornada de oito horas diárias e o voto feminino. Em 1952 Batista deu um golpe, se tornando presidente e durante esta década ele praticamente vendeu a Ilha aos americanos (especialmente aos mafiosos). Cuba se tornou um puteiro onde os americanos iam jogar, consumir drogas e contratar prostitutas.

Carretera Sibonay e o um dos memoriais aos rebeldes executados após o assalto ao Cuartel de Moncada

Carretera Sibonay e o um dos memoriais aos rebeldes executados após o assalto ao Cuartel de Moncada

Em 1953 o jovem advogado Fidel Alejandro Castro Ruz denunciou a ilegitimidade do governo de Batista à magistratura. Como isto não surtiu efeito, Fidel alugou um pequeno sítio em Sibonay, na grande Santiago de Cuba, e organizou ali uma revolta. Em 26 de Julho de 1953, no último dia do Carnaval cubano (Santiago é famosa por seu carnaval), tentando se aproveitarem do estado de embriaguez dos soldados, os rebeldes tentaram um assalto ao Cuartel de Moncada. Dos 159 rebeldes então instalados no sítio, 155 participaram da empreitada (4 desistiram) que acabou por fracassar, já que os soldados que estavam em Moncada, além de terem um arsenal melhor, estavam entrincheirados. Além disto, vários dos carros que levariam combatentes e armamento se perderam em Santiago pelo fato dos ocupantes não conhecerem a cidade. 6 rebeldes morreram durante o ataque e 55 deles foram mortos posteriormente. Para “disfarçar” as execuções sumárias, o exército de Batista espalhou os corpos destes 55 rebeldes pela Carretera de Sibonay, a estrada onde se encontrava o sítio e que terminava em Santiago. Hoje em dia existem memoriais para estes rebeldes, nos lugares onde os corpos foram abandonados, em que constam somente o primeiro nome e a profissão de cada um dos executados.

Fidel foi preso, junto com seu irmão Raul. Após dois anos de prisão uma anistia foi concedida e os dois foram exilados no México, onde viriam a conhecer o jovem médico argentino Ernesto “Che” Guevara. Juntos com Che e contando com a ajuda de outros exilados e de rebeldes ainda presentes na Ilha eles organizaram novamente a revolução. Raul, Fidel, Che, Camilo Cienfuegos e mais 78 membros da revolução embarcaram no iate Granma (projetado para 12 pessoas) em 25 de novembro de 1956 com destino as Playas Coloradas, no leste de Cuba (conhecido como oriente entre os cubanos). A chegada estava prevista para 30 de novembro porém,  devido a alguns contratempos o navio só chegou à costa cubana no dia 2 de dezembro e três dias depois foi atacado pelas tropas de Batista, onde grande parte dos rebeldes foi  morta (durante a batalha ou posteriormente). Alguns poucos, entre eles Fidel, Raul, Che e Camilo conseguiram escapar e se refugiar na Sierra Maestra onde camponeses, estudantes e desertores do exército regular se juntaram à eles para reorganizar a guerrilha. Eles ficaram conhecidos como “barbudos”, pois no meio da selva e com outras coisas para se preocupar, deixaram de se barbear.

A crescente insatisfação do povo com os demandos de Batista, em conjunto com a “conscientização” da população feita através da Rádio Rebelde, uma rádio pirata montada por Che e que transmitia os ideiais da revolução, fez com que, após dois anos de guerrilhas e conquistando cada espaço, a revolução conseguisse dominar as principais cidades cubanas (praticamente o leste de Cuba inteiro). Em outubro de 1958, a coluna liderada por Che e Cienfuegos parte rumo ao oeste e consegue tomar Santa Clara (que fica a 300 kilômetros de Havana) em 31 de dezembro. Batista foge para Santo Domingo, Fidel entra em Havana em 8 de janeiro de 1959 e é aclamado primeiro-ministro.

Uma grande campanha contra o analfabetismo é a grande primeira bandeira dos novos governantes, que consegue extinguir o analfabetismo em pouco tempo. Outro passo foi uma reforma agrária, só que para que isto acontecesse, muitas propriedades de latinfundiários norte americanos foram nacionalizadas, o que iniciou as hostilidades entre os dois países e fez com que, em outubro de 1960, os EUA declarassem um boicote econômico, bloqueando a exportação de petróleo para Cuba e a importação de açúcar cubano. Isto só fez estreitar as relações de Cuba com os países da cortina de ferro, alinhados ideológicamente. Preocupado com a influência soviética, os EUA patrocinam uma tentativa de invasão à Cuba, que ficou conhecida como o “incidente da baia dos Porcos” (Playa Girón), no qual os contra revolucionários foram derrotados, o que acirrou mais as animosidades. Oito dias depois, o presidente Kennedy declarou um embargo comercial à Cuba, no que foi seguido por quase todos os países das Américas, com exceção do Canadá e do México. Desta vez as relações diplomáticas também foram cortadas.

Raul assina com Kruschov, no mesmo ano, um tratado para instalação de mísseis nucleares na ilha e, um ano mais tarde, quandos os EUA descobrem a presença destes mísseis, ocorre a famosa “Crise dos Mísseis”, talvez o momento em que a humanidade talvez esteve mais perto da extinção por conta de uma guerra nuclear.

Em 1980 Cuba abre as portas do turismo para cidadãos de países não alinhados com o comunismo. Em 1990, logo após o colapso do comunismo, Cuba enfrenta um dos períodos mais difíceis da sua história, o que persistiu até 1994.

Desde então, muito por influência de Raul Castro, mesmo antes deste assumir a presidência do país, Cuba vem implementando algumas reformas, como a possibilidade de negócios privados, a permissão do uso do dólar no país (afim de incrementar o turismo) e, mais recentemente, temos visto uma aproximação de Cuba com os EUA que tende, num futuro bem próximo, a resultar no fim do embargo comercial.

Política
O primeiro ponto a citar aqui é que: sim, os cubanos votam! Existem conselhos de bairro onde os representantes são eleitos através do voto direto. Para o legislativo nos níveis municipal, de províncias (o equivalente aos estados brasileiros) e mesmo no federal, os representantes são eleitos através de voto direto. Para os cargos executivos, as eleições acontecem através destas câmaras (municipais, provinciais e nacionais), como acontece em algumas outras democracias.

Isto quer dizer que Cuba é uma democracia? Também não! Dois dos principais pilares dos sistemas democráticos de fato são a liberdade para criar associações (sindicatos, partidos, conselhos, etc) e a liberdade de expressão e isto, infelizmente, não existe em Cuba. Toda associação política deve ter prévia aprovação do PCC, o Partido Comunista Cubano, que é o único partido político, ou seja, você vota, mas somente em membros de um mesmo partido e que, por razões óbvias, compartilham da mesma ideologia.

Além disto, existem diversas restrições quanto à liberdade de expressão e liberdades individuais: o cubano precisa de autorização para deixar o país e tem muitas, mas muitas restrições no que se refere ao acesso à informação. Todos os canais de TV e as estações de rádio são estatais, assim como os jornais e revistas. A Internet é inacessível à maioria dos cubanos por conta do custo. Mesmo aqueles que conseguem ter acesso à Internet são impossibitados de usar e-mail (a não ser para fins estritamente comerciais) e de acessar diversos sites, que são previamente bloqueados.

Economia
Talvez este seja o ponto mais complicado de entender.

A moeda oficial em Cuba é o Peso Cubano (CUP), que é utilizado para pagar salários e consequentemente para que a população local adquira bens de consumo. Porém, como o CUP é muito desvalorizado em relação à outras moedas (vale cerca de 25 vezes menos que o Euro e 8 vezes menos que o Real) e como boa parte dos bens, especialmente os industrializados, é importado, o governo subsidia uma grande parte dos bens básicos necessários à população. Como a grana do Estado geralmente é curta na maioria dos países, e também para evitar que pessoas que não precisem deste subsídio (turistas e os trabalhadores do turismo, que ganham gorjetas em CUCs, já falo dele) se aproveitem dos subsídios, o governo utiliza um sistema de cupons de racionamento.

Com a abertura e a expansão do turismo na ilha, os preços para turistas eram cobrados em dólar, afim de trazer divisas para o país, e isto começou a fazer com que muitos dólares começassem a circular pela ilha. Para reduzir a circulação de dólares, o governo criou em 2004 o Peso Conversível (CUC, que mantem uma certa paridade com o Euro).

Através dos cupons (na verdade cadernetas) cada cidadão cubano tem direito a, por exemplo, 1 frango a cada quinzena, um quilo de arroz, duas latas de pescado enlatado e meio litro de óleo a cada dez dias, e por ai vai. Qualquer coisa acima da cota teria que ser comprada em mercados que operam sem subsídios e em CUCs, o que invariavelmente torna o bem muito caro. Além disto, alguns bens não são subsidiados e se tornam inviáveis para um cubano que obtenha uma renda apenas em CUPs.

Para exemplificar: um médico cubano ganha cerca de mil pesos cubanos mensais (1000 CUPs), o que equivale em CUCs (ou Euros) a apenas 40. Em 2009 o governo liberou a importação de carros usados para a ilha. Supondo que um carro seja vendido a 5000 CUCs/Euros, um médico teria que trabalhar 125 meses, ou quase 10 anos e meio, para conseguir comprar um carro.

Uma cerveja em um mercado que não vende bens subsidiados custa cerca de 1 CUC, o que para muita gente corresponde a 10% do salário. Eu tomei um sorvete na ótima sorveteria Copellia (se tem uma coisa que Cuba poderia exportar é sorvete, muito bons) e paguei 1 peso cubano/CUP (alguns bens que são produzidos na ilha não são subsidiados e portanto, não são racionados), ou o equivalente a 4 centavos de CUC/Euro, apenas R$ 0,12.

Esta diferença acabou por criar uma nova classe social em Cuba (“todos os animais são iguais, mas alguns animais são mais iguais que outros”, vide Revolução dos Bichos), a dos trabalhadores do turismo, que eventualmente cobram em CUCs e também recebem gorjetas nesta moeda. Um taxista pode em apenas 2 ou 3 corridas ganhar o que ganha um médico por mês. Esta “classe social” em conjunto com o núcleo central do PCC e mais alguns funcionários de alto escalão (vide 1984), especialmente os dirigentes políticos e os militares (os porcos e os cães, vide Revolução dos Bichos novamente), mostra que mesmo em um sistema que pretende eliminar as diferenças de classes, acaba por criar outras.

O que eu acho de tudo isto?
Em um artigo na Feedback Magazine em novembro de 2013 (leia aqui) eu disse que “a diferença entre revolução e golpe é apenas de perspectiva: se vai de encontro aos seus ideais, você enxerga como revolução, se vai contra, como golpe.” (esta frase um dia será usada como citação….hahaha). A “revolução” que houve em Cuba no final da década de 50 apenas substituiu uma ditadura por outra. Qual delas foi mais cruel ao combater seus inimigos, nunca se saberá. Ao menos uma coisa é certa: ao menos Fidel e os líderes da revolução sempre foram machos e sempre estiveram no front de batalha, ao contrário de muitos outros ditadores, que sempre sentaram a bunda em uma cadeira de um belo escritório, muito bem protegido, enquanto os “peões” literalmente se matavam para garantir o poder à estes e, no caso específico do Batista (mas cabe a muitos outros déspotas), quando vêm que a coisa vai apertar, tratam de fugir.

Não se pode negar os avanços sociais conseguidos pelo governo socialista cubano: erradicação do analfabetismo, erradicação de várias doenças que ainda assolam outros países, inclusive o Brasil (Malária, Dengue e Febre Amarela, por exemplo), a segunda menor taxa de mortalidade infantil e a maior expectativa de vida das Américas (perde apenas para o Canadá em ambos os critérios). Só que também não se pode negar que alguns destes números já eram muito baixos mesmo durante a época de Batista: a taxa de mortalidade infantil já era a segunda menor na década de 50 e a expectativa era a 5ª menor na mesma década (além de Canadá, só ficava abaixo de EUA, Uruguai e Argentina, mas muito à frente da média da América Latina e do Brasil).

A falta de democracia plena, do acesso pleno à informação e a liberdade de expressão provavelmente são hoje os maiores problemas de Cuba. Como disse Carl Sagan no ótimo “O Mundo Assombrado pelos Demônios” (tem uma resenha minha aqui), a falta de liberdades de expressão e acesso à informação tolhe o pensamento crítico, que é base para as descobertas científicas que geram desenvolvimento. E como conclui Thomas Piketty no também ótimo “O Capital no Século XXI” (ainda estou lendo), a produção e disseminação de conhecimento é o fator que reduz as diferenças sociais, tanto dentro de um país, quanto entre países (eu já tinha chegado à esta conclusão quando estive na Alemanha, está neste artigo). O problema porém é que com liberdades vêm os questionamentos, e ai seria impossível manter o regime como hoje.

As pessoas de Santiago de Cuba, a segunda maior cidade de Cuba, com apenas 500 mil habitantes e com um fluxo bem menor de turistas ainda têm uma enorme fé no socialismo e acreditam piamente que o PCC sempre faz o melhor para eles. Porém, os habitantes de Havana, que têm muito mais contato com turistas, ou seja, de uma forma rudimentar têm um acesso maior à informação, já começam a questionar se o sistema é realmente bom.

Se até pouco tempo atrás eles viam apenas Europeus e Norte Americanos desfilando pela cidade e consumindo somas inimagináveis de dinheiro para um cubano comum (como disse, 1000 Euros são 25 salários de um médico), nos últimos 15 anos eles têm vistos Panamenhos, Costa Riquenhos, Brasileiros, Mexicanos, e outros latinoamericanos com o mesmo poder aquisitivo e capacidade de consumo dos antigos “imperialistas” e agora questionam a razão pela qual eles (os cubanos comuns) só podem comer pescados enlatados, enquanto os turistas podem comprar pescados frescos, além de acesso à outros bens, muitas vezes básicos para nós (um isqueiro, uma caneta, um batom, um sabonete).

O cubano com quem conversei e que levantou a questão do pescado tem a esperança de que quando o embargo americano for retirado, os americanos irão em peso investir na ilha, especialmente na industria açucareira, que se deteriorou durante o regime socialista. Porém, me questiono se os americanos estariam dispostos a aceitar o risco de investir no país sem a certeza de que regras serão respeitadas, já que eles já passaram no passado por expropriações e nacionalizações promovidas pelo mesmo regime. E se decidirem investir, qual a taxa de retorno que esperam para compensar estes riscos.

É claro que, após o fim do embargo (que está muito próximo, acredito eu), o fluxo de turistas americanos irá aumentar muito (hoje em dia um americano que queira ir à Cuba tem que comprar passagem em outro país), o que invariávelmente traria um fluxo alto de dinheiro para a ilha durante algum tempo (até passar o fator novidade). Porém creio que o embargo é o menor dos problemas de Cuba, já que eles têm relações comerciais com quase todos os outros países e mesmo assim ainda é um país que carece de muitos bens hoje comuns à maioria dos outros latinoamericanos.

Agora, existem três coisas que os cubanos têm e que são de causar inveja a nós, brasileiros. A primeira delas é educação: todo cubano passa ao menos 11 anos na escola e todo cubano têm acesso à educação superior, totalmente gratuitos. Aliás, o Brasil precisa rever o seu modelo educacional: creio que em nenhum dos países desenvolvidos a educação fundamental e média é um negócio que visa lucro e em pouquíssimos casos o ensino superior também tem esta função “capitalista” (mesmo nos EUA as Universidades, em sua maioria, são fundações sem fins lucrativos e qualquer mensalidade, que normalmente é paga somente por estrangeiros, é revertida em prol da própria instituição).

A segunda é o acesso à saúde. Qualquer cubano tem tratamento médico de alta qualidade, já que a medicina e a indústria farmacêutica cubana, ambas estatais, estão reconhecidamente entre as melhores do mundo. Como já citei, a taxa de mortalidade e a expectativa de vida em Cuba ficam à frente dos EUA, não se morre em Cuba, por exemplo, de diarréia (como ocorre nos rincões do Brasil), 98% das casas são atendidas por esgoto e 91% têm água potável encanada. Só para citar alguns dados.

O terceiro fator em que Cuba é diferenciada é de causar muita inveja, não só a Brasileiros, mas a americanos e europeus também: a segurança em Cuba é uma coisa impressionante! Você pode andar de madrugada por qualquer lugar sem nenhum problema. Pode deixar seu celular em cima da mesa de um restaurante sem ter que ficar vigiando. Pode, estando na praia, deixar sua câmera fotográfica na cadeira e ir dar um mergulho, que quando voltar ela estará lá. Nos primeiros dias você até pergunta ao garçom se pode deixar um óculos em cima da mesa enquanto vai ao buffet se servir e ele dá risada, já que não passa pela cabeça dele qual seria o problema. E apesar disto não se têm uma sensação de que se está sendo vigiado. O que eles não têm e que temos de sobra aqui no Brasil é a sensação de impunidade.

Que os cubanos tem suas dificuldades isto é óbvio, mas é óbvio também que eles têm muitas benesses (educação, segurança, saúde) e que, a seu modo, vivem uma vida relativamente confortável. Lhes falta muita coisa, mas não creio que os cubanos, no geral, sejam mais pobres ou vivam em piores condições do que os moradores das periferias das grandes cidades brasileiras, como São Paulo ou Rio. Aliás, fui à Salvador no final de março e garanto que Cuba não é mais pobre que a Bahia.

Be happy! 🙂

Cuba 03