“Nunca antes na história deste pais se investigou e puniu tanto a corrupção” é uma frase que temos ouvido bastante nos últimos anos. Além da tentativa de justificar seus próprios desvios de conduta, ao querer dizer que os crimes só estão aparecendo porque este governo se deixa investigar (como se fosse atenuante), é também uma forma de “capitalizar” politicamente uma maior capacidade de fiscalização e controle hoje existentes.
Mas como nos ensina a ciência estatística, correlação não implica necessariamente em causalidade. Realmente hoje vemos a corrupção, que inclusive nem era noticiada, sendo punida. Então fica a pergunta: será que realmente hoje se investiga e se pune mais por conta do governo?
Para tentar responder vamos pegar a Tardis e voltar 20 anos no tempo.
Ainda hoje é muito comum vermos em filmes policiais aqueles caminhões ou furgões, com uma enorme parafernália, dois ou três geeks dentro, parados em frente à casa de um suspeito. Os técnicos ouvem e gravam as conversas telefônicas e, caso notem algo suspeito acionam a polícia, que efetua a prisão, enquanto os próprios técnicos correm para o laboratório afim de transcrever as gravações para que estas sejam levadas ao juiz.
No não tão longínquo ano de 1996 era muito fácil inventar despesas no imposto de renda e contar com a sorte de não cair na malha fina, já que a fiscalização ocorria por amostragem aleatória. Se você desse o azar, bastava alegar um engano e fazer a retificação.
Mesmo os poucos escândalos políticos que vieram à tona foram descobertos por conta de desavenças entre os envolvidos que chegaram ao ponto de alguém abrir o bico só para ferrar com o outrora “parceiro” (vide os casos Collor e dos Anões do Orçamento).
Agora peguemos novamente a Tardis e voltemos para 2016.
Supondo que exista alguma suspeita sobre alguém e se faça necessária uma escuta telefônica. O requerente precisa conseguir um mandato judicial e notificar as operadoras de telefonia onde um técnico pode, com alguns poucos comandos, iniciar a escuta. É possível enviar em tempo real os áudios para os computadores do investigador, onde um programa é também capaz de fazer as transcrições praticamente em tempo real. É possível até instalar um programa que busque nas transcrições ou mesmo no áudio palavras chaves e alerte alguém caso as encontre. Através de algoritmos de machine learning é possível que este programa “aprenda” sozinho mais palavras chave.
Hoje se o seu dentista esquecer de declarar o quanto ele recebeu de você e você declarar o pagamento, provavelmente os dois irão cair na malha fina da Receita Federal e seu dentista terá que retificar a dele (ou você eliminar os pagamentos da sua).
Mais exemplos? O projeto piloto da Nota Fiscal Paulista, efetuado em um ambiente com 50 mil cidadãos aumentou a arrecadação a tal ponto que pagou o projeto todo.
Eu uso os serviços de táxi há bastante tempo e posso afirmar que, antes dos aplicativos como 99Taxis ou Easy Taxi, era muito comum tomar um táxi à noite cujo motorista estava sob visível efeito de álcool. Sem contar as condições de manutenção e limpeza do veículo e o comportamento do motorista no trânsito. Com a disseminação dos aplicativos, onde todo cliente é também um fiscal, a qualidade do serviço aumentou bastante e entrar num táxi cheirando a cachaça ou sujo está mais raro.
A própria Prefeitura de São Paulo e a SPTrans, órgão responsável pela regulamentação e fiscalização do transporte público na capital, acabam de instalar um sistema biométrico de reconhecimento facial nas catracas dos ônibus afim de prevenir e punir fraudes no uso de bilhetes especiais, como os dos aposentados e estudantes. Como para obter estes bilhetes é necessário fazer um cadastro, que inclui uma foto, o sistema reconhece se o usuário que fez o cadastro é o mesmo que está passando pela roleta e, caso o reconhecimento não ocorra, o bilhete é suspenso.
Outro dia idealizei algumas possíveis aplicações com o intuito de fiscalizar o funcionalismo público.
A primeira delas eu idealizei após assistir uma reportagem sobre um plantão de um hospital público onde os médicos batiam o ponto e iam dormir. A idéia era mais ou menos assim: as escalas de todos os médicos de todos os hospitais públicos seriam inseridas num sistema. Da mesma forma, cada usuário teria sua “carteirinha do SUS” instalada no celular ou pelo menos um cartão com um QRCode. O médico precisaria escanear no seu aparelho todos os QRCodes (ou linkar com o celular do paciente, caso este tivesse a “carteirinha eletrônica”) dos pacientes atendidos, da mesma forma, todos os pacientes que estivessem em determinado hospital, poderiam verificar a escala de médicos do plantão, indicar o horário de chegada no hospital (isto iria também agilizar a “ficha” que a atendente preenche) e dar um “check in” quando fosse atendido por determinado médico. Desta forma, se um médico não atendesse nenhum paciente durante seu plantão, sendo que durante o seu horário haviam várias pessoas a serem atendidas, poderia cair numa lista de “suspeita”. O próprio paciente poderia avaliar o médico que o atendeu (num sistema parecido com o Uber) e inclusive receber uma remuneração variável de acordo com a sua avaliação (sim, eu sei que o Conselho Federal de Medicina, em mais uma atitude corporativista, proíbe o compartilhamento destas avaliações, mas nada que não possa ser mudado por força de lei).
A outra ideia seria simplesmente utilizar as redes sociais e as tecnologias de big data para identificar padrões de consumo que não condizem com os vencimentos dos funcionários públicos. Os funcionários públicos deveriam entregar anualmente suas declarações de imposto de renda aos respectivos órgãos onde trabalham. O algoritmo iria então rastrear redes sociais em busca de padrões de consumo destes funcionários públicos (e relacionados, como amigos e parentes, já que o uso de laranjas é muito comum em casos de corrupção) e, caso encontre alguma suspeita, levantaria um alerta para os respectivos órgãos fiscalizadores.
Claro, há sempre a questão ética: isto não seria tratar todos como possíveis suspeitos? Mas como diz o ditado, o combinado não sai caro: basta deixar as regras claras antes do jogo começar (durante o edital de concurso para os concursados, a contratação no caso dos comissionados e durante a pré-candidatura, no caso dos eleitos) e, quem quiser obter as benesses de ser um funcionário público, também tem que arcar com o ônus.
Mas respondendo a pergunta inicial: sim, nunca antes na história deste país, ou do mundo, se investigou e puniu tanto a corrupção (e outros crimes), mas isto tem muito mais relação com o avanço da tecnologia, que permitiu que a fiscalização e o controle se tornassem bem mais abrangentes do que eram há alguns anos. O PT foi pego no meio desta fase de ruptura, mas se fosse outro partido no poder, ele também estaria na berlinda. É claro que a tolerância aos desvios de conduta do PT é menor que a dos demais partidos (e é compreensível, já até falei sobre isto aqui), mas se os casos recentes de corrupção ocorressem com qualquer outro partido, ele também iria sofrer as consequências, e talvez até tentasse usar o mesmo discurso do “nunca antes…”.
Be happy! 🙂