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Wanderlust #53 – Islândia

(11/07/2018-14/07/2018)

Nunca tinha pensado em visitar a Islândia e o país nunca esteve na minha lista de destinos. Mas depois de assitir a série Sense 8 da Netflix e de ouvir alguns colegas de trabalho falando bem do destino, fizemos umas pesquisas e resolvemos conhecer. E que bela surpresa!

Chegamos em uma quarta-feira de manhã com uma baita chuva. Como o check-in do hotel seria só depois das 15:00, deixamos o carro em um estacionamento no centro de Reykjavík e fomos dar uma volta com chuva e tudo. Inicialmente chovia bastante, então tivemos que ficar debaixo de uma marquise até a chuva dar uma amansada. Na primeira oportunidade, fomos andar pela região central da cidade. Depois caminhamos até a Hallgrimskirkja, um dos pontos turísticos mais famosos da cidade. Em seguida voltamos para o centro para fazer mais uma hora até dar o tempo do check-in.

Após o check-in feito, como já tinhamos praticamente conhecido tudo o que tinhamos programado para o dia, fomos até o Icelandic Craft Bar, um bar muito charmoso, que só serve cervejas locais. Fizemos o sample e fomos assistir ao jogo entre Croácia e Inglaterra no Bjarni Fel Sports Bar. Ainda continuamos a peregrinação no The English Pub. Umas 23:00hrs, com o dia ainda claro mas caindo de sono, voltamos ao hotel para descansar.

Na quinta-feira, como já programado, fomos fazer a road trip pela parte sul da ilha. Primeiro passamos por Seljalandsfoss e Skógafoss, duas quedas d’água fantásticas. A duas são maravilhas da natureza de literalmente deixar de queixo caido. Continuando o passeio, passamos por Vik, onde paramos na Black Sand Beach, que como o nome diz, tem areia preta de origem vulcânica. Infelizmente a chuva e a neblina não nos deixaram ver a Reynisdrangar, uma formação rochosa bem no meio do mar. Seguimos a viagem, parando por alguns pontos no meio da estrada até chegar à Diamond Beach e Jökulsárlón. Jökulsárlón é um lago onde existem icebergs que se descolam do glacial ali presente e ficam boiando no proprio lago, que é ligado ao mar por um canal. A cor azulada dos grandes blocos de gelo é fantástica. Pequenos pedaços que se espalham na beira do lago e na praia são bem translúcidos, como diamantes (daí o nome da praia). Depois do lago, voltamos um pouco no caminho para nos hospedarmos no Fosshotel Nupar onde pernoitamos. Imagino que o hotel seja bastante procurado durante o inverno por quem tem a intenção de assitir a aurora boreal.

Na sexta-feira, fomos completar a viagem, agora na parte central da ilha, num circuito turístico conhecido como Golden Circle. Primeiro passamos pelo Kerið, a cratera de um vulcão extinto onde existe atualmente um lago no fundo e onde eventualmente ocorrem alguns eventos. Infelizmente estava garoando e ventando muito forte, então decidimos nem descer até o fundo. De lá seguimos para Gullfoss, uma queda d’água enorme, bem maior que as anteriores e onde, diferentemente delas, o passeio é feito somente na parte superior. Na volta paramos no Geysir, que sinceramente achei meio sem graça. De lá fomos até o Þingvellir National Park, que é simplesmente fantástico. O local era usado para reuniões dos representantes dos povos/tribos que já habitavam a ilha há alguns séculos, quando estes tinham que decidir sobre algo, e portanto é um sitio arqueológico. Além disto também é o local de junção de duas placas tectonicas, que inclusive já espremeram uma estrada que passava por ali. De volta a Reykjavík fomos conhecer o Skúli Craft Bar, também especializado em cervejas locais.

No sábado bem de manhã fomos finalmente conhecer uma das principais atrações da Islândia, a Blue Lagoon. Ela fica bem próxima ao aeroporto e por isto muita gente resolve visitá-la na chegada ou na saída, já que eles contam até com armários para guardar bagagens. Bem diferente você pegar uma “piscina” aquecida (naturalmente) com a temperatura externa próxima do zero. É interessante reservar com antecedência, pois além do acesso ser controlado pra não lotar, também é possível pegar descontos (falha nossa, deixamos para ver isto na véspera).

Voltamos ao hotel para deixar a roupa de banho e fomos dar uma volta pela shore walk, um calçadão à beira da baía da cidade. Passamos pela Harpa, um belo prédio onde acontecem concertos e fomos comer o famoso hot-dog da Bæjarins Beztu Pylsur, que é bom mas não faz juz à fama (nem tinha purê!). De repente o sol resolveu aparecer (depois de dois meses, segundo os locais). Não era aquele calor, mas ao menos já dava pra andar só de camiseta para aproveitar o calor de 15 graus.

No caminho para o Old Harbor, que conta com uma pequena vila com bares, restaurantes e lojas de souvenirs, acabamos topando com o Kolaportið Flea Market. Flea markets e mercados centrais são sempre interessantes para conhecer um pouco da cultura local. Já no porto, notamos muita gente tomando sorvete (estava 15 graus! Calor caramba!) e acabamos encontrando a sorveteria Valdís, que estava relativamente cheia e vende ótimos sorvetes. Depois fomos até a cervejaria Bryggjan Brugghús e aproveitamos para tomarmos algumas cervejas produzidas por eles no deck externo. Mais algumas voltas depois paramos no MicroBar, um bar realmente pequeno, no subsolo de um restaurante. Eles não produzem cervejas, mas contam com algumas boas opções, tanto locais quanto importadas.

Para finalizar, voltando para o hotel, lá pelas 23:30, vimos um lindo por do sol (no lugar onde na verdade o sol não se põe). Quando viramos para o outro lado, fomos presentados com um belo arco-íris. E para variar, acabamos topando com um pedaço de Berlin: uma seção do muro, como vários existentes em toda a Europa, para que ninguém nunca se esqueça deste período triste da recente história do continente e da humanidade.

Para quem nunca tinha imaginado conhecer a Islândia estamos até pensando em voltar, desta vez no inverno para tentar ver a Aurora Boreal.

Observações, dicas e considerações:

  • A primeira observação: é frio! Mesmo no ápice do verão a temperatura de dia fica abaixo dos 10 graus. Os 15 que a gente pegou foram bastante atípicos. A boa notícia é que no inverno, devido as fontes geotérmicas debaixo de praticamente toda a ilha, a temperatura não é tão baixa, ficando na média dos 2 graus, exceto no Highlands (norte da Ilha) onde a altutide é maior. E chove pra caramba. Não uma chuva forte, mas aquela chuva fina e constante. E pelo jeito eles estão muito acostumados, porque simplesmente as pessoas andam na chuva sem guarda-chuva, capa, nada. Nem cobrir os carrinhos de bebê eles cobrem. Andam como se a chuva não existisse.
  • Por falar em Highlands, se a idéia é ir até lá, precisa obrigatoriamente alugar um carro 4×4.
  • E por falar em carro, à partir de duas pessoas, ele é a opção mais barata e mais flexivel para se locomover na ilha.
  • E por falar em barato, tirando o aluguel de carro e o combustível, tudo é bem caro. Uma cerveja num bar fica na faixa dos 14 dólares. Um lanche simples, na faixa dos 10. Um jantar um pouco mais elaborado, lá pelos 25 dólares. 
  • A cerveja (e qualquer bebida alcólica) é cara pois ela é supertaxada. Como é política nos países nórdicos, a comercialização de álcool e tabaco é bastante controlada. Em supermercados só se encontra produtos com no máximo 2,5% de teor alcólico e qualquer coisa acima disto é vendida somente nas Vínbúðin, as lojas estatais (ou então em bares e restaurantes, somente para consumo no local). Estas lojas tem horários bem restritos, inclusive nem abrindo aos domingos.
  • Quase não se usa dinheiro e o plástico (na maioria aqueles cartões que só enconstam) é usado para tudo. Não vi nenhum nativo usando dinheiro, só turistas.
  • Todo mundo fala inglês fluente. Mesmo! Eventualmente até entre eles. E na TV o que mais tem são canais da Inglaterra.
  • Nos postos de gasolina encontra-se de tudo: comida, roupas, souvenirs, itens de mercado, etc. (Chupa Posto Ipiranga!)
  • Algumas outras dicas ao dirigir: a velocidade máxima é de 90 km/h, mesmo nas poucas estradas com mais de uma faixa; o farol tem que estar aceso o tempo todo, mesmo na cidade e durante o dia; nas estradas, precisa tomar cuidado com animais (especialmente carneiros) atravessando a pista; várias pontes só tem uma faixa para os dois sentidos e a preferência para passar é de quem chega primeiro à elas.
  • A vegetação e as formações rochosas me lembraram muito o Hawaii. Provavelmente por ambas as ilhas serem resultado de explosões vulcânicas, o que deve “ditar” a flora.
  • Vale a pena subir os 429 degraus para chegar ao topo de Skógafoss. Se tiver tempo, existem algumas trilhas lá em cima também.
  • Roupa impermeável é indicada para as visitas as quedas d’água (e por conta da chuva também).
  • Boozt Bar é uma rede que vende smoothies feitos com skyr, um iogurte típico do país. Recomendo provar.
  • Fiquei imaginando do porque da Groelândia, que só tem gelo, ser chamada de Greenland (terra verde), enquanto a Islândia, que tem uma flora fantástica e é toda coberta de vegetação, ser chamada de Iceland (terra do gelo). Descobri que no caso da Islândia o nome de “terra do gelo” era dado para desestimular possíveis invasores vindos do continente. Acho que o inverso deve ocorrer com a Groelândia: deram este nome para atrair pessoas.
  • Esta história do sol não se pôr deixa o organismo realmente confuso. Imagina como deve ser no inverno, quando ele praticamente não nasce.
  • O Islândes tem uma letra que tem o mesmo fonema do “th” do Inglês, Þ, mas ele parece uma mistura de T com F com P que é praticamente impronunciável pra mim. Alguns meses depois visitando a Grécia (stay tuned!) descobri que eles também tem um fonema igual (Θ, theta), só que no grego ele se pronuncia literalmente como o F, que é como os brasileiros geralmente pronunciam o “th” do inglês (“fank” you!).
  • Nesta linha etimológica, também descobri que as palavras Falls (inglês), Foz (Português) e Foss (Islandês), além de terem praticamente a mesma pronúncia, também têm um sentido parecido, de água saindo de um lugar mais alto para um mais baixo, apesar das traduções literais diferirem.
  • Agora eu descobri de onde o Douglas Adam tirou inspiração para dar nomes aos planetas no seu Guia do Mochileiro das Galáxias.

Be happy 🙂

Unido a Gente Fica Em Pé. Dividido a Gente Cai. – #tbt

Originalmente publicado na Feedback Magazine, em 16 de Maio de 2014. As opniões do texto não refletem, necessariamente, a minha opnião atual, já que eu sou um ser em constante evolução e que prefere “ser esta metamorfose ambulante, do que ter aquela velha opnião formada sobre tudo”.


Há alguns dias um amigo compartilhou um artigo na web e comentou que era para quem defende o sistema de meritocracia. O foco era a qualidade do ensino público. Bem, respondi que, apesar de ter estudado em colégio público (o colegial fiz com este meu amigo), achava o sistema meritocrático o mais justo. Iniciou-se aí uma discussão – melhor, um debate –, onde cada um expunha suas razões e exemplos (de maneira civilizada e sem tentar impor sua opinião sobre o outro, pois é isto que as pessoas racionais fazem).

Ele defendia, por exemplo, os sistemas de cotas (tanto raciais quanto sociais), e exemplificou, dizendo que teve que se esforçar muito para conseguir entrar numa faculdade pública, pois o ensino público não havia nos dado base para concorrer de igual para igual com alunos das escolas privadas. Portanto, a “linha de partida” não era a mesma.

Eu contrapus a opinião dele (apesar de não ser contra cotas), mas por achar que este sistema deve ser temporário e que isto não invalida o sistema meritocrático. E também exemplifiquei, mudando um pouco a perspectiva de avaliação: citei exatamente que entre tantas pessoas que estudaram conosco, muitas destas nem se dignaram a tentar um cursinho para entrar numa faculdade pública (como ele) ou a abrir mão de várias coisas típicas da idade (passeios, viagens, roupas, etc.) para poder pagar a faculdade (como eu fiz), e que não achava justo que as pessoas que não se esforçaram da mesma forma que nós, colhessem os mesmos frutos.

No fundo, nós dois sabíamos e concordávamos que o problema é a falta de investimento na educação pública, tanto fundamental quanto superior, e que todos (ricos, pobres, negros, brancos, índios, etc.) temos direito à educação de qualidade provida pelo Estado, pois todos nós pagamos impostos. Porém, estávamos como dois médicos que ficam discutindo como tratar uma dor de cabeça, enquanto o paciente morre com um tumor no cérebro que já havia sido diagnosticado, ou seja, estávamos discutindo formas de amenizar os sintomas, e perdendo com isto tempo precioso no tratamento da causa.

Isto me levou a pensar em quantas discussões, conflitos e guerras foram causados por pequenas diferenças de ponto de vista. Temos vários exemplos recentes de pessoas e entidades que, na procura por uma qualidade de vida, por um país melhor, vêm se digladiando: é a polícia que bate nos manifestantes (e ambos querem um país melhor, imagino eu), são os manifestantes que matam um cinegrafista (teoricamente o fundo da manifestação é por um país melhor, o que provavelmente era o desejo do cinegrafista), são “vingadores” (que também em teoria buscam uma cidade melhor, mais segura) agredindo e acorrentando um suspeito de crime à um poste (teoricamente ele só quer levar uma vida melhor, apesar de ter escolhido um caminho errado, ilegal), só para citar os mais recentes.

Analisando estes conflitos, nota-se duas coisas comuns em todos estes fatos: uma maioria (povo) que é colocado em conflito constante entre si enquanto uma minoria fomenta este conflito. Só que os segundos estão imunes a praticamente qualquer “efeito colateral” (uma guerra, uma série de protestos violentos, um atentado, etc.) a que os primeiros estão expostos quando os ânimos se exaltam.

E esta característica se repete quando se começa a analisar dados históricos: a luta de classes pregada por Karl Marx e que só aconteceria através da “revolução proletária”, quando aplicada na Rússia foi responsável pelos piores massacres ocorridos no século 20, sendo que o que todos queriam (operários e burgueses), era uma melhoria na qualidade de vida existente naquele país à época. Hitler fomentou o antissemitismo a fim de eximir o seu governo da culpa pelas recessões econômicas da década de 30. Trazendo para a contemporaneidade: existem os fanáticos islâmicos que pregam contra o modo de vida ocidental (especialmente o americano) e incitam seus seguidores a praticar atos de terrorismo contra estes, o que invariavelmente também acaba gerando um ódio recíproco e mais violência, justificada desta forma como “segurança nacional”.

Os Músicos de Bremen: uma fábula que conta como a união faz a força.

Atualmente no Brasil existe o conflito de “espectro político”. Os “pensadores” e políticos fomentam o debate (na verdade um embate) entre esquerda e direita, entre conservadorismo e liberalismo, entre estatismo e privatismo, e enquanto o povo se digladia aqui embaixo, eles estão lá usufruindo da falta de foco deste mesmo povo para atuar em benefício próprio.

Se formos perguntar a qualquer cidadão, independente de sua orientação ou ideologia política, ele vai dizer que quer um país mais seguro, mais oportunidades, desenvolvimento, qualidade na educação, etc. Ou seja, no fundo temos todos o mesmo objetivo final, apesar de discordamos dos meios de obtê-lo.

Ao invés de passarmos tanto tempo discutindo as divergências, seria muito mais inteligente concentrarmos forças para solucionar o que é consenso, fazendo concessões de ambas as partes e provavelmente, quando estes problemas fossem solucionados, o que seria divergência já nem exista mais. Ou seja, é melhor juntos, brigarmos por aquilo que nos une, do que brigarmos entre nós por aquilo que nos divide.

P.S.: O título da coluna foi extraído de inserções do rapper Gustavo “Black Alien” (que fez parte do Planet Hemp) nas músicas Tabuleiro da Cor, da Banda Black Rio, e Um Bom Lugar, do falecido rapper paulistano Sabotage.

P.S. 2: Uma outra “inspiração” para a coluna foi a música Todos Juntos, trilha do filme “Os Saltimbancos Trapalhões” (o melhor filme nacional de todos os tempos!) e da peça “Os Saltimbancos”, ambos adaptações da obra Os Músicos de Bremen, dos irmãos Grimm, que conta, em forma de fábula, como uma Gata, uma Galinha, um Cachorro e um Burro, todos eles considerados fracos e inúteis individualmente, ao se unirem conseguem expulsar os ladrões de uma residência.

Be happy! 🙂

Cotas: Como Tratar os Sintomas (Equivocadamente) e não Ligar para as Causas de um Problema – #tbt

Originalmente publicado na Feedback Magazine, em 14 de Maio de 2014. As opniões do texto não refletem, necessariamente, a minha opnião atual, já que eu sou um ser em constante evolução e que prefere “ser esta metamorfose ambulante, do que ter aquela velha opnião formada sobre tudo”.


Quem alguma vez na vida já jogou futebol na rua, sabe o quanto é importante, na hora do par ou ímpar, escolher o campo e, em se tratando de uma subida (ou descida, depende do ponto de vista), estar na parte mais alta. Quem joga na parte de cima, além de ter a vantagem de se cansar menos, ainda conta com a ajuda da gravidade, tanto em benefício do ataque, quanto em benefício da defesa, ou seja, o desnível do campo pode favorecer ou desfavorecer determinado time.

Os americanos costumam utilizar a expressão “level playing field” (campo de jogo “equalizado”) para descrever situações onde os “competidores” (seja no esporte, nos negócios ou na vida acadêmica) têm as mesmas regras, as mesmas oportunidades e o mesmo ponto de partida. É claro que, usando o esporte como exemplo, um atleta pode ter um patrocínio maior e ter mais disponibilidade para por exemplo, adquirir equipamentos melhores, porém, deve existir um ponto de partida mais equalizado para que a competição não se torne injusta (as divisões por peso e idade nos esportes de luta exemplificam bem isso).

(Antes de continuar, um aparte: não gosto muito de utilizar experiências pessoais negativas, pois fica parecendo que é “choro de perdedor” ou que estou me fazendo de coitadinho, o que não é o caso. As usarei aqui somente para ilustrar minhas ideias.)

Quando no último ano de faculdade, em 2002, já com 25 anos (por diversos motivos não pude cursar uma faculdade antes, aliás, até comecei uma com 19 anos e não pude continuar), fui atrás de estágio, senti na pele como pontos de partida diferentes influenciam na vida de uma pessoa. Me candidatei para inúmeros estágios, nas mais diversas empresas, especialmente as grandes (era um sonho fazer carreira numa grande empresa).

Porém, quando eventualmente era selecionado para participar do processo seletivo (fato raro), eu entrava na disputa como um azarão. Seja porque os outros “competidores” tinham estudado em colégios de renome (fiz o primeiro e segundo grau em colégios estaduais), seja porque eles puderam ter acesso às melhores faculdades (que ou eram públicas – e apesar de achar que estudando com afinco conseguiria uma vaga, eu não poderia deixar de trabalhar para estudar -, ou eram mais caras do que a faculdade que pude pagar) ou mesmo porque tiveram experiência internacional, sabiam falar dois idiomas além do português, entre outras coisas.

No final das contas fui fazer estágio em uma pequena consultoria de tecnologia, muito mais porque eu tinha um background profissional na área em que eles estavam precisando (e muito porque quem tinha o melhor curriculum, preferia as empresas maiores e de renome).

Por estes motivos, e por achar que a função maior do Estado é proporcionar qualidade de vida aos seus cidadãos, e que, qualidade de vida passa por oportunidades de desenvolvimento, entendo que o Estado deve sim interferir para corrigir injustiças e erros, que muito provavelmente foram causados por ele mesmo, e que irão influir no futuro dos cidadãos (e consequentemente da própria nação). Já deixei isto claro no meu artigo de estreia aqui na Feedback Magazine.

Comecei com esta história como um “gancho” para falar do assunto principal do artigo. Há algumas semanas vi pessoas compartilhando a notícia de que a CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) da Câmara dos Deputados aprovou uma cota de 20% das vagas para negros em concursos federais. A notícia quase passou despercebida, pois as pessoas estava mais preocupadas com a votação do Marco Civil da Internet (Ok! Atualmente, pra muita gente, a Internet é mais importante do que pessoas.), porém, pelas poucas pessoas que compartilharam e discutiram sobre o assunto, o que mais notei foram extremismos. Tinha quem era contra toda e qualquer cota, pois entendem que, independente de qualquer coisa, as pessoas têm que se esforçar para conseguir algo (talvez elas também achem que as paraolimpíadas sejam uma bobagem e, quem quiser competir, que o faça entre os atletas “normais”). Também tinha quem era totalmente à favor, pois o Estado deve corrigir injustiças do passado. Não vi ninguém discutindo a forma como esta compensação/correção é feita, o que para mim é o maior erro.

Como disse anteriormente, não sou contra estas compensações, porém discordo da forma com que elas são feitas atualmente e principalmente da justificativa.

A principal justificativa para a implementação das cotas raciais (pior que o conceito de raça nem é mais utilizado, e sim o de etnia) é corrigir o mal que foi causado aos negros por conta da escravidão.

Cotas são remoções de obstáculos.

Agora volto a outra história pessoal. Eu nasci e cresci nas periferias de São Paulo (e até da Grande São Paulo). Meu pai é de Sergipe e também filho de nordestinos, sendo que sua mãe tinha ascendência européia e seu pai era índio. Minha mãe nasceu no interior de São Paulo, sua mãe também tinha ascendência européia (até onde eu sei, portuguesa) e seu pai, ou seja, meu avô materno, era um mulato originário da Bahia. Sim, apesar da minha tez branca e jeito europeu, sou descendente de índios e negros.

Meu avô, como todos os negros no Brasil, sofreu com falta de oportunidades para estudar (ele era semialfabetizado) e para arrumar emprego (ele trabalhava de segurança noturno), ou seja, ele herdou todos os problemas causados pela escravidão no Brasil. O mesmo aconteceu com o meu outro avô, que herdou todos os problemas (extermínio, escravidão, migrações forçadas, etc.) que os índios sofreram na colonização do nosso país. Pois bem, se a justificativa para as cotas raciais é corrigir o grave erro da escravidão no Brasil, como seria possível mensurar que impacto a situação dos meus avôs influenciou a do meu pai (que era torneiro mecânico), da minha mãe (que cursou até a quarta série e é costureira até hoje) e consequentemente a minha? Será que nasci e me criei na periferia, tendo que estudar em colégio público (no meu caso, o famoso “Malocão”, cujo lema extraoficial era “Entra burro e sai ladrão!”), porque meus avôs também não tiveram oportunidades? De que forma seria possível identificar algum impacto disto na minha vida e fazer com que eu também fosse compensado?

Não sou idiota a ponto de falar que entendo o que um negro sente quando é preterido de algo ou mesmo ofendido, por causa da cor da sua pele, apesar de ter presenciado muitos casos (Até hoje!), inclusive na família. Mas entendo que, apesar da maior parte da população de baixa renda e que, consequentemente, não têm o mesmo “ponto de partida” dos mais abastados, ser formada por negros, existem também muitas pessoas de outras etnias (os índios, como meu avô e boa parte do pessoal do norte e nordeste), que também não puderam ter acesso às mesmas oportunidades. E aí eu entendo que as cotas apenas raciais acabam criando uma “exclusão entre os excluídos” ou uma “inclusão seletiva”, pois o “baiano” – para quem é de São Paulo, ou “paraíba” pra quem é do Rio –, que já teve oportunidades negadas no seu nascimento, novamente é colocado de lado em prol de outra “minoria”.

Mas o que mais me incomoda realmente é que estes mecanismos de ajustes são o remédio para o sintoma. E todo mundo fica discutindo como tratar ou não o sintoma enquanto se esquecem da causa do problema. O Brasil já tem um histórico de, pelo menos, 20 anos de uso de dispositivos sociais para diminuir as diferenças e injustiças, que têm sim sua efetividade, porém não vemos uma melhora nas causas do problema, especialmente no que tange a educação (já falei disto em um outro artigo meu).

Eu acho sim que devem existir dispositivos (auxílios, cotas, benefícios, etc.) a fim de corrigir injustiças do passado e erros que o Estado tenha cometido. Porém, estes dispositivos devem ser muito bem pensados, para que não acabem criando mais injustiças. E o principal: eles devem ser um paliativo enquanto a causa do problema não é solucionada, sendo que esta sim, é que deve demandar a maior parte dos esforços.

E não estou advogando em causa própria, pois já estou formado, pós-graduado e trabalho numa grande empresa multinacional. Consegui, apesar dos pesares, conquistar um certo nível de conforto.

Be happy! 🙂

Vai Ter Copa! Mas Falta Bom Senso – #tbt

Originalmente publicado na Feedback Magazine, em 12 de Junho de 2014. As opniões do texto não refletem, necessariamente, a minha opnião atual, já que eu sou um ser em constante evolução e que prefere “ser esta metamorfose ambulante, do que ter aquela velha opnião formada sobre tudo”.


Não sei o motivo, mas eu nunca fui pego pelo sentimento ufanista que envolve a Seleção Brasileira, especialmente em épocas de Copa do Mundo. Quando eu era criança eu gostava da festa de ajudar a pintar as ruas, fazer bandeirinhas e do fato de não ter aula nos dias de jogos. Mais adulto eu sempre gostei dos churrascos ou das idas em bares com os amigos para assistir os jogos, muito mais pela festa do que pelo jogo em sí. Mas sinceramente a Seleção não é algo que me emocione ou me empolgue. 

Inclusive eu nem me vejo na obrigação de torcer para a Seleção. Lembro de ter torcido pela seleção brasileira em 1994 (acho que esta foi a Copa em que eu mais me empolguei) e 2002 (bem menos). Em 2010 eu torci pela seleção também, mas dividi minha torcida (na verdade, melhor chamar de simpatia), com as seleções da Alemanha e do Uruguai. Em 1998 eu simpatizava com a Holanda. Da Copa de 2006 eu pouco me lembro pois nem acompanhei muito. Nesta Copa eu gostaria que a Inglaterra ou a Alemanha levassem, não por ser contra a Seleção Brasileira, mas por entender que estes dois países sim, é que são os países do futebol (basta comparar a média de público deles superior à nossa, inclusive com suas divisões inferiores tendo média maior do que a nossa principal) e mereceriam levar. 

Também fui contra a Copa no Brasil e desde a escolha do país como sede eu já havia decidido que iria viajar para fora do país quando esta acontecesse (o que vai ocorrer, dia 18 eu estou “fugindo”). Não porque ela foi conquistada por político A ou B, ou porque eu acho que o país tem coisas mais importantes com o que se preocupar (e tem!), ou porque haveria muita falcatrua envolvida, o que aconteceria com ou sem Copa (corrupção não é um problema da Copa e sim um problema do Brasil). 

Eu simplesmente não concordo com eventos onde o investimento seja público, o risco seja público, mas o lucro seja privado. Desta forma eu também não concordo com as Olimpíadas, não concordo com a Fórmula 1 ou a Indy em São Paulo (apesar de ser apaixonado por automobilismo). Chego inclusive a discordar dos incentivos promovidos à indústria cinematográfica nacional, pelo mesmo motivo: o governo abre mão de impostos para que estas produções sejam desenvolvidas, porém o “patrocinador”, além da isenção, ganha com a exposição da sua marca e a empresa que produziu, ainda tem a chance do filme ser um sucesso, sem o compromisso de devolver os valores investidos para os cofres públicos. Ou apenas e simplesmente reinvestir na própria indústria cinematográfica. 

Entendo que o “legado da Copa” vai ser pequeno. Mas talvez nem existisse se ela não acontecesse. Acho que não precisamos de um evento desta magnitude para cobrarmos dos nossos governantes investimentos em infraestrutura (talvez um dos maiores gargalos no Brasil atualmente) e em outras coisas muito importantes para o desenvolvimento do nosso país. A cobrança deve ser contínua.  

Apesar disto, eu não preciso torcer para que a Copa seja um fracasso, ou para que a Seleção não conquiste o caneco (não vou torcer a favor, mas não preciso torcer contra). Eu quero é que, na medida do possível, a Copa seja uma festa alegre para os brasileiro, que os estrangeiros que estiverem no Brasil sejam bem tratados, que nada de mal aconteça a ninguém e que eles levem uma boa impressão do nosso país, que tem muitos problemas sim, mas que também tem suas muitas virtudes. 

Sinceramente eu acho que você torcer pelo insucesso de algo, só porque não concorda ou não apoiou, uma pequenez muito grande. Coisa de pessoas com a tal “síndrome de cachorro vira latas”, da qual já falei em um  artigo  aqui na Feedback Magazine. 

Inclusive acho que a “grita” dos últimos dias dos tais “movimentos sociais” e dos movimentos sindicais chega a beirar a extorsão, a chantagem, por aproveitarem de um momento crítico de um grande evento para exigir coisas, muita vezes, além do real. Mas como diz um ditado russo: “você pode até dançar com um urso, mas quem vai escolher a hora de parar será ele” e o PT, que alimentou estes “monstrinhos” durante tanto tempo, agora enquanto governo, está sentindo na carne o mal que eles fazem. 

Mas lá de longe, a milhares de quilômetros de distância do Brasil, eu quero pelo menos sentir orgulho de, ao assistir jogos e reportagens sobre a Copa no Brasil em um bar cheio de estrangeiros ou em uma praça, ter a oportunidade de vê-los perceber que que o Brasil é muito, mas muito melhor do que eles sempre imaginaram, que vai além da tríade “bunda, samba e futebol” e que, apesar de todos os nossos problemas, a gente consegue, do nosso jeito, fazer as coisas acontecerem sem dever nada a ninguém 

Be happy! 🙂

Totalitarismo X Democracia – #tbt

Originalmente publicado na Feedback Magazine, em 20 de Março de 2014. As opniões do texto não refletem, necessariamente, a minha opnião atual, já que eu sou um ser em constante evolução e que prefere “ser esta metamorfose ambulante, do que ter aquela velha opnião formada sobre tudo”.


 

Em Setembro de 2012 fui à Berlin para fazer um curso de imersão no idioma Alemão (estudo Alemão desde 2010). Numa das aulas, para tratar de comparativos e superlativos, o professor usou o tema “coisas importantes”. Quando questionados qual era a coisa mais importante na vida, praticamente todos os alunos (numa sala de 12) e mais o professor foram rápidos em afirmar que era saúde (por curiosidade: Gesundheit, em Alemão).

A exceção foram um Checo, uma Polonesa e uma Russa, todos eles acima dos 40 anos. Para eles, que vivenciaram regimes totalitaristas, a liberdade é mais importante do que saúde, comida, água, ou qualquer outro item, tangível ou não tangível.

Eu sou fã do capitalismo como modelo econômico (e é isto que ele é, e não uma ideologia, como gostam de pregar) por entender que ele é o sistema que mais têm se adaptado à natureza humana e não o contrário, tentando moldar o indivíduo para que ele se encaixe no sistema.

Apesar disto, não tenho nada contra países que utilizam outros modelos, desde que isto seja de vontade da sua população. Um exemplo: nunca critiquei a Venezuela por seu modelo econômico quase de Estado, porque, apesar dos pesares (mudanças de regras no decorrer do jogo, uso massivo da máquina administrativa para fins eleitorais, etc.), a maioria do povo Venezuelano tem aprovado e referendado este modelo. E quem discorda do modelo, tem toda a liberdade (ou tinha até pouco tempo), para tentar convencer a maioria que o modelo é errado ou, em última instância, simplesmente procurar um outro país que lhe agrade e lá ir viver.

Por outro lado, minhas críticas à Cuba não são relacionadas ao seu modelo econômico (ainda) de Estado, mas ao fato de que o modelo vem sendo sustentado à força e sem a expressa concordância do povo cubano. E o pior, quem discorda não pode nem se manifestar contrariamente ou mesmo deixar o país.

Porém uma coisa tem chamado minha atenção (e me deixado perplexo) nestes últimos dias nas redes sociais e portais de notícia: o apoio, quando não a demanda, de muita gente, à estes sistemas.

Como disse, ao contrário do que boa parte dos “anti-esquerdistas” pregam, na Venezuela, até o momento, existe sim democracia. Está claro que o Chavismo está em declínio, pois ele era baseado principalmente no carisma de seu mentor e falecido líder. Isto já ficou claro quando da eleição do Maduro, que foi bem mais apertada do que as do Chávez. Como o modelo econômico implementado no país não se sustentaria no longo prazo, quando este começasse a ruir, seria clara a insatisfação da população, que viria a clamar por mudanças.

Mas o que mais me impressiona é que figuras que sempre foram críticas da repressão ocorrida no nosso país durante a ditadura militar, estarem apoiando as ações de repressão promovidas por Maduro. O Maduro foi eleito democraticamente através do voto e tem todo o direito (quando não o dever) de ocupar a posição que ocupa, porém, os que se sentirem descontentes têm todo o direito de se manifestarem contrários e eventualmente pedir a renúncia do mesmo. Apesar de eu achar que a melhor solução é sempre nas urnas, as vezes o processo deve ser antecipado para evitar danos maiores.

Da mesma forma, chega a ser deprimente a campanha que alguns vêm fazendo nas redes sociais, inclusive agendando uma “Marcha da Família”, para que haja uma intervenção militar no Brasil. Eu discordo da forma com que os governos dos últimos anos têm conduzido o país, mas entendo que, dentro de uma democracia de fato e de direito como a nossa, esta forma está sendo apoiada pela maioria da população e isto deve ser respeitado. Para quem discordar, sobra a opção de tentar convencer os demais e, como disse, em último caso, escolher um outro lugar que lhe apraza para viver.

Nenhum governo totalitário (seja uma ditadura militar, uma teocracia, um governo comunista), por melhor que sejam seus benefícios, será melhor que a pior democracia, simplesmente porque priva o indivíduo de uma das necessidades mais básicas do ser humano, que é a liberdade (de expressão, de ir e vir, de fazer o que quiser da sua vida).

Be happy! 🙂

Sobre os “rolezinhos”: muito barulho por nada! – #tbt

Originalmente publicado na Feedback Magazine, em 30 de Janeiro de 2014. As opniões do texto não refletem, necessariamente, a minha opnião atual, já que eu sou um ser em constante evolução e que prefere “ser esta metamorfose ambulante, do que ter aquela velha opnião formada sobre tudo”.


Eu estava um tanto quanto relutante para escrever sobre a polêmica da vez, o tal “rolezinho”, pois acho que estão gastando muito esforço com uma coisa desimportante. Mas vou fazê-lo mesmo assim, desta vez tentando observar os diversos pontos de vista.

Dos funkeiros “rolezeiros”

Primeiramente, para explicar o “fenômeno”, uma explanação sobre a geografia de São Paulo: a região central e a maioria dos bairros de classe alta e média alta de São Paulo são separados do resto da cidade (basicamente a periferia) pelos dois principais rios que cortam São Paulo (o Rio Tietê e o Pinheiros). Isto cria uma barreira geográfica entre as classes menos privilegiadas e a “elite”, tal barreira foi até cantada em uma música dos Racionais MC’s.

Como morador “do lado de cá da ponte”, do alto dos meus 13, 14 anos, eventualmente, quando havia condições financeiras, juntávamos um pessoal (da escola, do bairro, etc.) e “atravessávamos a ponte” para procurar diversão. Inicialmente esta diversão era concentrada em Shoppings (no caso o West Plaza e o Matarazzo, que ficavam mais próximos) ou o SESC Pompéia, todos eles no bairro Pompéia, Zona Oeste de São Paulo. Mais tarde, migramos para “rolês” na Galeria do Rock (durante o dia) e o bairro boêmio do Bixiga (reduto de vários bares de rock), ambos na região central de São Paulo. Outras “tribos” também buscavam diversão nesta “ilha” que existe na região central de São Paulo: Broadway (pessoal que curtia música eletrônica), Clube da Cidade (black music, samba), Clube do Palmeiras (black music, rap), Caipirão (sertanejo), etc.

O que buscávamos era apenas diversão: comer no McDonald’s, mexer com algumas garotas, mesmo aprontar alguma estripulia nestes lugares (subir uma escada rolante que estava descendo) e, vez ou outra, até uma briga acontecia. Coisas de adolescente. O que este pessoal do rolezinho procura é basicamente a mesma coisa que minha turma procurava: se divertir, beijar, comer e aprontar. O único problema é que, com o advento das redes sociais, estes eventos (que na minha época juntavam 8, 10, 12 pessoas e nunca chegou a passar de 15), tomou proporções bem maiores, chegando a juntar milhares de pessoas.

É claro que, em todo evento que reúne bastante gente, seja ele um jogo de futebol, um show, uma manifestação, uma praia, existirão pessoas de má índole ou má intencionadas, mais ou menos na mesma proporção em que elas existem na sociedade como um todo (aliás, o único lugar em que a existência de pessoas de má índole ou má intencionadas é superior é na política). Porém, como geralmente acontece com o Estado brasileiro, ao invés de identificar e punir os desvios de conduta, o Estado tenta fazer o “mais fácil” e cria proibições. Um bom exemplo: ao invés de identificar e punir eventuais brigões em jogos de futebol, resolveram proibir a entrada de bandeiras, instrumentos musicais ou qualquer coisa que pudesse ser usada como arma (frutas, por exemplo), o que não diminuiu em nada a violência relacionada ao futebol. Outro exemplo bem paulistano: para coibir os excessos no uso da propaganda visual em vias públicas, ao invés de fiscalizar e punir quem não obedecesse as regras, simplesmente resolveram proibir todo e qualquer outdoor em São Paulo. Agora no lugar dos outdoors ou temos muros e paredes cinzas e mal conservadas ou pixações. Chegou-se ao ponto de um vereador querer proibir o uso de motos para levar caronas, pois a maioria dos crimes praticados com motocicletas era praticado por duas pessoas. (Não seria mais fácil prender os bandidos?)

À despeito do tipo de som que estes adolescentes ouvem, ninguém pode julgar ninguém. Eu não gosto de funk, mas tem muita gente que também não gosta dos sons que costumo ouvir. É uma questão de gosto e ponto.

Dos Shoppings

Com o incremento na renda média do brasileiro e a consequente ascensão em massa de pessoas das classes D e E para as classes C e B que ocorreu nos últimos 20 anos no Brasil, os empreendimentos comerciais e de lazer resolveram “atravessar a ponte” para o lado de cá do rio. O problema é que, ao invés de tentarem entender o comportamento do público de periferia, estes empreendimentos vêm tentando implementar a mesma solução que existe nos bairros de classes A e B.

Não adianta fazer um shopping com música clássica como som ambiente, pois as pessoas de periferia, na sua grande maioria, ouvem samba, rap, sertanejo e funk. Este público tem comportamento diferente do público dos shoppings tradicionais e estes ambientes deveriam ser pensados exclusivamente para eles. Os mesmos “pais de família” que as administradoras de shopping alegam estar protegendo, há 10 anos atrás eram os mesmos adolescentes que hoje se reúnem nos tais “rolezinhos”.

Aliás, acho muito interessante que nenhum destes experts em mercado tenha atentado para o poder de consumo destes adolescentes. Muitos deles trabalham ou ganham mesada dos seus pais, o que os permite comprar os tais tênis de mil reais, bonés e camisetas de duzentos reais e andarem cheios de jóias. Além do potencial atual de consumo, estes lojistas estão se esquecendo que daqui cinco, dez anos, estes mesmos adolescentes serão os pais de família que irão frequentar as praças de alimentação e consumir nestes mesmos estabelecimentos.

Dos movimentos sociais e políticos e dos “experts” em comportamento humano

Aqui é um caso de tentar “capitalizar” um movimento sócio-cultural (sim, é cultural, mas está muito longe de ser político) para fomentar uma luta (de classes, de ideologias) da qual nem mesmo os participantes do movimento querem fazer parte, se é que estão cientes (como disse, eles só querem, como todo adolescente, se divertir).

Aí vêm os partidos e movimentos que tentam angariar simpatizantes entre as classes menos favorecidas pregar a eterna “luta de classes”, dizer que estes jovens veem no shopping o único lugar de lazer possível, pois não existem opções na periferia (engraçado que estes jovens elegeram os tais “templos do consumo” como opção de lazer).

Do outro lado, vêm os partidos e movimentos que tentam angariar simpatizantes entre as “elites” tentando insinuar que estas pessoas estão “invadindo” o seu território (todos os movimentos espontâneos ocorreram em shoppings de periferia) e generalizando todos estes adolescentes como bandidos (Por morarem na periferia? Por ouvirem funk? Por se vestirem espalhafatosamente?)

Da Mídia

A mídia vive de audiência. É com base na audiência que ela angaria mais anunciantes e patrocinadores e, consequentemente, mais dinheiro. É este o negócio deles. Como ficou bem claro durante as manifestações de Junho do ano passado, quando ao identificarem o apoio da maioria da população aos protestos, os órgãos de imprensa mudaram o discurso, que inicialmente classificava os atos como baderna para classificá-los como “uma linda manifestação do povo brasileiro”; a opinião deles muda conforme o “Ibope” que têm.

Então não se deve dar muita atenção ao que é veiculado, pois eles vão mostrar o que a maioria quiser ver e ouvir.

Do Estado

Como os próprios administradores de shopping alegam na tentativa de evitar os tais “rolezinhos”, o shopping é um local privado, portanto, não deveria ser o Estado (através de seu aparelho policial) o responsável por prevenir tais eventos e muito menos por zelar da segurança dos mesmos. Os próprios empreendimentos que contratem seguranças particulares, coloquem grades, proíbam menores desacompanhados… À polícia só cabe intervir em caso de algum ato ilícito estar sendo cometido.

Da mesma forma, chega a ser deprimente juízes perdendo o seu (nosso) precioso tempo para analisar pedidos e conceder liminares. Que os shoppings barrem quem quiserem barrar e, se alguém se sentir discriminado, aí sim, que procure a Justiça para exigir reparação, lembrando sempre que o ônus da prova cabe a quem acusa.

Das “Elites”

Uma das características do ser humano é tentar se diferenciar dos demais. Maslow explica isto de uma forma bem clara em sua pirâmide das necessidades humanas: satisfeitas as necessidades básicas (segurança, alimentação, sexo, etc.), outras necessidades surgem, como as necessidades sociais, de estima e de realização pessoal.

Numa sociedade capitalista, onde o dinheiro faz diferença e é medida de sucesso (antes de mais nada, não é uma crítica, é uma constatação), quem sempre se diferenciou neste quesito se sente “atacado” ao ser colocado no mesmo nível da maioria (não que foram rebaixados, os outros é que ascenderam). Daí nascem as críticas à capacidade atual de mais pessoas provenientes de baixa renda poderem viajar de avião (Vejam só, até para Miami!), terem carros importados (já vi Ferrari e Lamborghini aqui na Zona Norte de São Paulo) e estarem aptos a frequentarem e consumirem em shoppings.

É normal e totalmente compreensível, do ponto de vista do comportamento humano, o incômodo que quem sempre esteve por cima está tendo neste momento.

Conclusão

O movimento do “Rolezinho” é apenas um movimento social, que como tantos outros tende a ser efêmero. Daqui a pouco aparece outro modismo adolescente que vai despertar o interesse dos vários atores da sociedade. Estes adolescentes estão apenas procurando fazer o que todos os outros adolescentes, do mundo todo, independentemente de classe social, nível cultural e educacional fazem, que é apenas se divertir sem compromisso.

Os movimentos políticos e sociais resolveram tomar isto como bandeira para suas ideologias e seus projetos políticos, enquanto a mídia está dando uma atenção excessiva, a fim de angariar audiência. O Estado, que deveria interferir somente em casos extremos, até por ser formado por políticos, também está dando muita atenção ao fato.

Quem sempre foi “diferenciado” pelo poder aquisitivo, está se sentido perdido, pois seu ego não admite que pessoas de origem mais humilde hoje tenham acesso aos mesmos lugares, produtos e serviços que os diferenciavam, que os faziam “elite”.

Até aí tudo normal.

A única coisa que não achei normal nesta história toda foi a reação da iniciativa privada. Eles poderiam estar capitalizando em cima deste movimento, formando uma forte base de clientes (atuais e potenciais). Acho que eles precisam dar uma lida no livro “A Riqueza na Base da Pirâmide”, do professor C.K. Prahalad. Eu, se fosse um deles, já teria “oficializado” o evento, como por exemplo, agendando para um domingo por mês um “rolezinho oficial”. Aí quem não desejasse participar ou se sentisse incomodado, nem iria frequentar o shopping neste dia.

Be happy! 🙂

Wanderlust #45 – São Paulo – Brasil

(18/Ago/2017-02/Set/2017)

Praça Roosevelt

Uma vez assistindo um programa sobre brasileiros que moram no exterior (o programa era sobre Berlin, se não me engano), uma das brasileiras entrevistadas soltou uma frase maravilhosa: “o migrante se torna um apátrida, pois o país para o qual ele imigrou nunca será o seu lar, e o país do qual ele emigrou nunca mais será o seu lar”. Após quase um ano morando fora fui entender o sentido da frase. Mesmo com toda a tecnologia de comunicação disponível, principalmente através da internet, quem está fora do país acaba por perder referências durante o tempo que passou fora (de cultura, de política, etc.), ao mesmo tempo em que não tem as referências do novo país (um desenho que as pessoas assitiam na infância, uma moda, um brinquedo ou um programa de TV de dez anos atrás, etc.). O Gilberto Gil cantou isto lindamente na maravilhosa Lamento Sertanejo, em parceria com o Dominguinhos (aqui tem uma versão imperdível com o Hamilton de Holanda, a caboverdiana Mayra Andrade e o Yamandu Costa). E foi com este vácuo de quase um ano perdendo referências (ainda pouco tempo, mas uma diferença perceptível) que visitamos São Paulo pela primeira vez na condição de turistas (a primeira volta, em Dezembro, não conta, pois foi um “bate-e-volta”).

A primeira coisa notável é a forma como rapidamente já incorporamos alguns costumes, a ponto inclusive de nos irritarmos um pouco com alguns comportamentos, como por exemplo a falta de respeito às leis de transito. A cidade em sí não mudou muito, o que particularmente achei um mau sinal. São Paulo vinha numa mudança nos últimos 6 ou 7 anos para um estilo de cidade mais parecido com o que eu idealizo em uma metrópole, especialmente no que diz respeito ao uso do espaço público por sua população (não adianta, sempre terei Berlin como referência neste quesito). Parece que aquele impeto de ocupar os espaços públicos deu uma aplacada. A Praça Roosevelt, a Consolação e a Avenida Paulista (em um dia normal) me pareceram menos “festivas” do que eram quando nos mudamos. Felizmente a própria Paulista aos Domingos e a Vila Madalena, ainda estão com bastante atividade (apesar do clima um pouco diferente).

Este é um Wanderlust um pouco diferente. Sei lá, não sou mais um “paulistano”, mas ao mesmo tempo ainda não me sinto como um turista na cidade. Ainda posso dar dicas de alguns lugares interessantes, mas as dicas seriam de um “nativo” de um tempo passado (ou seja, podem ser uma furada), e não de um turista. Então desta vez vou me abster.

Se esta sensação me dá algum arrependimento da mudança? De forma alguma! Toda escolha que se faz na vida é sempre múltipla: voce escolhe uma opção, mas ao mesmo tempo deixa de escolher infinitas possibilidades. E eu acho uma besteira ficar com saudades do que poderia ter sido (obrigado Paul Austin). E como diria o mesmo Gilberto Gil, “o melhor lugar do mundo é aqui e agora“. E até que a sensação de “falta de pertencimento a algum lugar” (que na verdade não é nova, pois já fazem uns dez anos que eu não me sentia “em casa” no Brasil) se aplacou um pouco quando o oficial da alfândega nos desejou um “Welcome home!”.

Observações, dicas e considerações:

  • Eu ainda estou pra ver alguma outra cidade que tenha algo como a Vila Madalena em termos de vida noturna. Uma mistura de tribos, de estilos, uma gama tão grande de opções (em uma área geográfica relativamente pequena) que ainda não encontrei nada nem parecido em Nova Iorque, Los Angeles ou Berlin (pra citar as grandes metrópoles que conheço a fundo e que são comparáveis a São Paulo, não conheço muito bem Londres).
  • Como querem promover o turismo na cidade se um turista não consegue nem comprar um bilhete único para se locomover pela cidade?

Be happy 🙂

Metrô Consolação: em SP pode beber em público. Não pode beber no metrô, mas pode também!

Escadaria do Bixiga (ou do Jazz)

Escadaria do Bixiga (ou do Jazz) – ficou muito legal com os grafites!

Escadaria do Bixiga (ou do Jazz)

Avenida Paulista aos Domingos – a ocupação do espaço público ainda resiste!

Beco do Batman – Vila Madalena

Pôr-do-sol na Ponte da Casa Verde/Marginal Tietê

Der Fisch – Lothar Streblow – #tbt

Originalmente publicado na Feedback Magazine, em 15 de Julho de 2014. As opniões do texto não refletem, necessariamente, a minha opnião atual, já que eu sou um ser em constante evolução e que prefere “ser esta metamorfose ambulante, do que ter aquela velha opnião formada sobre tudo”.


Numa das aulas de alemão aqui em Berlim tive a grata surpresa de ouvir Der Fisch (O Peixe), uma ficção cientifica no melhor estilo distópico. Criada em 1972 (portanto, em plena Guerra Fria) por Lothar Streblow e produzida pela rádio Bremen, Der Fisch ganhou o prêmio de “Melhor Estória Radiofônica” daquele ano, concedido pelo consórcio das empresas radiofônicas da Alemanha (ARD). Infelizmente, não encontrei uma versão com legendas ou mesmo a transcrição da história. Porém, para quem entende um pouco de alemão, ela pode ser encontrada aqui.

A história é basicamente o diálogo (na verdade, uma sessão de interrogatório) entre um representante do Estado (der Vertreter der Behörde) e um cidadão (que veremos ser, na verdade, um réu – der Geladener) que afirma ter visto um peixe. O problema é que, em 2092 (período em que a trama acontece), as pessoas vivem dentro de redomas de vidro e não existe vida fora desta.

Outro “personagem” importante da obra é um computador (o “sistema”) que guia o representante do Estado e é suprido por ele com informações obtidas do cidadão.

Durante o diálogo, o representante tenta convencer o cidadão de que ele não viu o peixe, afinal isto seria impossível. Portanto, deve ter ocorrido uma simples ilusão de ótica, uma alucinação ou algo do tipo. O cidadão, por sua vez, não esconde a euforia: diante da possibilidade da existência do peixe fora da redoma, a probabilidade de existência humana também é grande.

O cidadão se incomoda muito pela forma com a qual o representante do Estado ignora a possibilidade da existência do peixe, até o momento em que o representante, ao ver que não conseguiria convencer o cidadão, expõe toda a verdade: o Estado (o computador – der Computer) e seus agentes sabem da existência de vida fora da redoma. Entretanto, a vida dos cidadãos é bem melhor na forma como está: confinados dentro da redoma e sem saber o que se passa fora dela.

Neste momento, o representante revela que aquilo não se tratava de um interrogatório, mas sim de um julgamento, onde a negação da vida fora da redoma (consequentemente a aceitação da “verdade” que o sistema impunha ao cidadão) seria motivo para absolvição e a convicção da verdade (da existência do peixe) foi o real motivo para condenação.

No final da estória o cidadão é condenado à reciclagem, ou seja, à morte.

Além da metáfora evidente do sistema vigente nos países do bloco comunista à época (e de sistemas atuais, como o de Cuba, Coréia do Norte e ainda a China), foi interessante notar a similaridade com 1984, além da semelhança dessas duas com a trilogia Matrix.

Quando meu alemão estiver melhor tentarei fazer uma transcrição e uma tradução do texto para vocês.

Be happy! 🙂

O MMA e a Síndrome de Cachorro Vira-Latas – #tbt

Originalmente publicado na Feedback Magazine, em 09 de Janeiro de 2014. As opniões do texto não refletem, necessariamente, a minha opnião atual, já que eu sou um ser em constante evolução e que prefere “ser esta metamorfose ambulante, do que ter aquela velha opnião formada sobre tudo”.



No livro “O Guia politicamente incorreto da história do Brasil”, o primeiro da interessante série “Guia Politicamente Incorreto”, o autor, Leandro Narloch, nos presenteia com um trecho espetacular para definir o comportamento do Brasil enquanto nação e, consequentemente, o comportamento individual dos brasileiros:

“Se pudéssemos fazer uma terapia de grupo entre países, surgiriam comportamentos reveladores durante as sessões. Haveria aquele país que mal notaria a existência dos outros, como a França, talvez os Estados Unidos. A Alemanha se seguraria calada, sofrendo de culpa, desconfortável consigo e com os colegas ao redor. Uma quarentona insone, em crise por não ser tão rica e atraente quanto no passado, representaria muito bem a Argentina. Claro que haveria também países menos problemáticos, como o Chile ou a Suíça, contentes com a sua pouca relevância. Não seria o caso do Brasil, paciente que sofreria de diversos males psicológicos. Bipolar, oscilaria entre considerações muito negativas e muito positivas sobre si próprio. Obcecado com sua identidade, em todas as sessões aborreceria os colegas perguntando ‘Quem sou eu?’, ‘Que imagem eu devo passar?’, ‘O que me diferencia de vocês?’”

Esta busca do brasileiro por uma identidade é a causa do que o dramaturgo Nelson Rodrigues chamou de “Complexo de vira-latas”: o brasileiro sempre se coloca em uma posição inferior, quando comparado à outros povos e países. De tempos em tempos, esta síndrome é aplacada por algumas (ou algum período) de vitórias ou destaques, especialmente no campo esportivo.

Nelson Rodrigues, que criou o termo “Complexo de vira-latas”, logo após a derrota do Brasil na Copa de 1950.

Por exemplo, quando ouço falar que o brasileiro ama futebol, ou que o Brasil é o país do futebol, eu refuto esta ideia: o brasileiro não ama futebol, ele ama ganhar no Futebol para assim se sentir “o melhor” em alguma coisa. Esta necessidade não está relacionada somente ao futebol. O tricampeonato mundial obtido na Copa do Mundo de 1970 foi o ápice do domínio brasileiro neste esporte, porém se seguiu de um período de hiato, que teve seu vale em 1982, onde mesmo com um time muito bom, o Brasil não ganhou a Copa do Mundo daquele ano. Seguiu-se este hiato até 1994, onde o Brasil voltaria, depois de longos 24 anos, a ganhar uma Copa.

Durante este hiato, como o futebol não obteria os resultados esperados (para o Brasileiro não basta jogar bem, se não ganhar, não valeu de nada), outros esportes onde o Brasil (como time) ou brasileiros (individualmente) teriam destaques expressivos tiveram momentos importantes: o automobilismo, através das vitórias e títulos obtidos nas décadas de 70 e 80, o Vôlei entre as décadas de 80 e os anos 2000, um curto período de destaque no Basquete por conta da vitória sobre os EUA, na casa deles, no Pan-Americano de 1987, destaques na natação e no judô, por conta de resultados obtidos nas olimpíadas de 88, 92 e 96. Tivemos até pequenos booms de esportes mais elitizados, como o Tênis (devido às vitórias do Guga), Iatismo (irmãos Grael e Robert Scheidt) e até mesmo hipismo (vitórias do Doda).

Todas estas vitórias serviram para aplacar um pouco esta síndrome, já que, mesmo no caso de esportes individuais e que não recebem incentivos do Estado, o Brasileiro “toma para si” aquela vitória. As vitórias do Senna eram “vitórias do Brasil”, mesmo em um esporte individual e que depende, em grande parte, de um equipamento (mesmo que não tenhamos nenhuma equipe na Fórmula 1, nem mesmo uma montadora de origem brasileira, as vitórias “eram do Brasil”). O mesmo aconteceu com o Guga no Tênis: as vitórias não eram vitórias do Guga, eram vitórias do Brasil, mesmo ele não tendo tido apoio, exceto do seu treinador e de pessoas mais próximas, durante sua formação como atleta.

Da mesma forma que o brasileiro se apropria das vitórias, ele se exime nas derrotas, querendo encontrar uma desculpa, de forma a não admitir que alguém se tornou melhor naquele esporte. O próprio Guga já foi execrado pela torcida que comemorou suas vitórias. O Felipe Massa, passou de herói nacional a um “bosta” em 15 segundos em 2008. A França só ganhou em 1998 porque o Brasil entregou o jogo, por conta de uma teoria da conspiração que nem os autores de Arquivo X teriam bolado.

Gustavo Kuerten, um dos muitos esportistas brasileiros que tiveram “apropriação indevida” de suas vitórias, para logo em seguida serem execrados pelos antigos “fãs”.

Falei tudo isto como uma introdução para a “bola da vez” em aplacar a Síndrome de Vira-Latas do brasileiro: o MMA. Apesar de não ser praticante de nenhuma arte marcial (até treinei um pouco de Muay thai, há uns 15 anos atrás), sou fã da modalidade desde que ela se chamava “Vale-tudo” e tínhamos que alugar fitas na locadora para assistir aos primeiros UFCs ou sintonizar na Band (épocas pré TV à cabo) para assistir aos eventos do IVC ou WVC, no Maksoud Plaza. Sou até uma das poucas testemunhas do primeiro UFC Brazil, ocorrido em 1998, no Ginásio da Portuguesa, em São Paulo, evento que não estava lotado, apesar do custo de inimagináveis (para o UFC atual) R$ 20,00 do ingresso da arquibancada.

É impressionante para quem, como eu, acompanhou os primeiros passos de um novo esporte e/ou modalidade, ver como ele se desenvolveu em cerca de 20 anos (especialmente por concordar com o idealizador desta revista, quando diz que o MMA está chato). Além do tino comercial do Dana White, alguns outros fatores contribuiram em muito para a disseminação do esporte. No Brasil, alguns deles foram a popularização da TV a Cabo, a disseminação do uso da Internet e um aumento considerável na renda do brasileiro, durante estes vinte anos, que possibilitou que pessoas que não tinham acesso a academias e clubes pudessem passar a frequentá-los, e assim ter contato com outras modalidades de esporte que não as fomentadas nas escolas (Futebol, Basquete, Vôlei e Handball).

Mesmo assim, isto ainda seria pouco para o boom que ocorreu no Brasil, o que levou até o maior grupo de TV aberta do país a adquirir os direitos de transmissão e a fazer inserções de reportagens e chamadas para o evento nos seus horários nobres.

E novamente a explicação para tal boom vem da Síndrome de Vira-latas: com o futebol em baixa (não ganhamos um título mundial desde 2002) e o automobilismo brasileiro em vias de terminar (a Fórmula 1, assim como outras modalidades, como a Stock Car, que foram a válvula de escape durante o hiato do futebol das décadas de 70 e 80 estão em franca decadência), o brasileiro voltou suas atenções para um esporte onde existem chances reais de verem brasileiros ganhando.

Porém, novamente voltamos aos mesmos problemas: a apropriação indevida das vitórias por parte do povo (claramente incentivada pelos “novos” narradores desta fase do MMA) e a omissão, quando não crítica pura e ilógica, quando da derrota.

Até início deste ano, o Anderson Silva estava quase chegando ao nível de um “novo Senna” como ídolo dos brasileiros. Bastou uma derrota (justíssima, aliás), para um adversário que esteve melhor na luta, e não caiu no jogo psicológico do Spider, para nascerem as críticas ao modo dele lutar (para quem não sabe, ele sempre lutou com a guarda baixa, tentando desestabilizar emocionalmente o adversário) e até mesmo as teorias conspiratórias (“ele entregou a luta, pois ganharia mais numa eventual revanche”).

O pior são aqueles que, se aproveitando de uma infelicidade, um “acidente de trabalho”, que foi a fratura do mesmo nesta segunda luta contra o Weidman (que pra mim venceria a luta de qualquer jeito), já o “aposentaram” e criaram teorias de que ele já não estava bem na luta anterior ou ainda pregarem à favor da proibição do esporte.

Seria tão melhor para o país como um todo se cada um usasse suas frustrações como combustível para conseguir o sucesso individual. Ou ao menos minimizar os fracassos e complexidades individuais, ao invés de projetar isto em esportistas, até porque, como diria o mesmo Nelson Rodrigues acerca do futebol, e que poderia se estender à outros esportes: “das coisas menos importantes, o futebol é a mais importante”.

Be happy! 🙂

Tempo Perdido – #tbt

Originalmente publicado na Feedback Magazine, em 23 de Dezembro de 2013. As opniões do texto não refletem, necessariamente, a minha opnião atual, já que eu sou um ser em constante evolução e que prefere “ser esta metamorfose ambulante, do que ter aquela velha opnião formada sobre tudo”.


No meu primeiro artigo na Feedback Magazine, tentei mostrar, sobre o ponto de vista econômico, a importância de programas sociais de inclusão das camadas mais pobres da população no chamado mercado de consumo. Um ponto que eu não citei no artigo é que, assim como o programa de microcrédito na Índia, que permitiu que a economia nas camadas mais baixas fosse “turbinada” até que o país realizasse os investimentos de longo prazo necessários, o Bolsa Família deveria ser uma solução emergencial e temporária, pelos motivos já citados no artigo anterior.

Para que o Brasil se torne uma nação capaz de se desenvolver de maneira sustentável e de longo prazo, a ponto de não depender tanto de programas sociais do tipo e de uma maneira que não fique tão vulnerável à crises internacionais, entre tantos problemas a serem solucionados, existem dois que são os mais urgentes: infraestrutura e educação.

O problema da infraestrutura, mesmo à passos de tartaruga, está sendo tratado no Brasil e, de uma forma ou de outra, também pode ser contornado no curto prazo.

É no segundo, a educação, que mora um dos calcanhares de aquiles do Brasil. Não quero entrar no velho discurso de que uma nação sem educação escolhe mal seus líderes, porque isto é uma meia verdade, já que existem nações com qualidade educacional bem superior a nossa e que também escolhem mal seus líderes (está aí a Itália, ou mesmo a Argentina, para não me deixar mentir); porém, quero me ater à como isto afeta o desenvolvimento do país.

Nas últimas duas décadas, o governo brasileiro se “esforçou” para implementar programas para incentivar a educação superior e técnica, como o FIES e o ProUNI, além de ter aumentado o número de vagas em universidades públicas e escolas técnicas. Devido a estes esforços, tivemos um aumento considerável no número de cidadãos possuidores de diploma de nível superior. O que deveria ser comemorado pela sociedade acabou virando mais um motivo de preocupação, já que este aumento de pessoas com ensino superior foi somente numérico, e não refletiu no aumento da capacidade intelectual e de agregação de valor à produção, que é o que gera riqueza para as nações.

Quando uma empresa, ou mesmo o governo (o principal motivo do atraso das obras de infraestrutura do PAC é a falta de gente capacitada a gerenciar os projetos), tenta contratar algum profissional para exercer um trabalho que exige qualificação, apesar de encontrar no mercado vários candidatos que, por possuirem diploma de nível superior, teoricamente estariam aptos a realizar este trabalho, esbarram na falta de preparo em algumas áreas que deveriam ser pré-requisitos para o acesso à universidade.

São candidatos que não conseguem compreender um texto simples e, da mesma maneira, não conseguem se comunicar de maneira clara e concisa. Também faltam à estes candidatos capacidade de raciocínio lógico e analítico.

Isto gera um efeito negativo na economia, pois uma empresa, ao analisar vários mercados, afim de expandir (ou mesmo manter) suas atividades, vai levar em conta a disponibilidade de mão de obra capacitada para exercer as tarefas necessárias àquela empresa, entre outros fatores (e na maioria deles, como impostos, burocracia e infraestrutura, o Brasil também perde). Ou seja, bens que poderiam ser produzidos aqui, que agregariam valor às matérias primas extraídas aqui (o que seria uma vantagem), podem estar sendo produzidos em outros países (muitas vezes com matéria prima brasileira), por conta da falta de pessoal capacitado.

Eu sei fazer o serviço, só não sei ler e escrever direito.

Eu mesmo já passei pela experiência, na empresa onde trabalho, de precisar encontrar profissionais para aumentar a equipe, não conseguir encontrar no Brasil e ter que utilizar profissionais de outros países para executar o trabalho (na área de TI, como na maioria dos negócios relacionados à serviços, é ainda mais fácil mover um posto de trabalho de um país para o outro).

Apesar da aparente preocupação dos últimos governos com o ensino, esta preocupação se refere mais aos números que são mostrados à sociedade do que com a qualidade do ensino em si, e com isto criam mecanismos que fazem com que o número de analfabetos diminua, o numero de universitários aumente, a evasão escolar seja reduzida, mas mesmo assim (e apesar destes mecanismos), nossa classificação em testes internacionais de ensino básico e médio só tem piorado, a quantidade de artigos acadêmicos publicados em revistas internacionais não acompanhou o aumento do número de estudantes (e a citação destes artigos diminuiu) e chegamos ao cúmulo de não termos nenhuma universidade entre as 200 melhores do mundo. (Duzentas!!!)

Além da doutrinação (ideológica, política e até religiosa) que ocorre, ao menos nas escolas públicas, o que faz com que os estudantes sejam meros papagaios repetidores, sem a mínima capacidade de fazer uma análise racional e formar seus próprios conceitos, o Estado concentra muitos esforços no ensino superior, deixando a educação básica em segundo plano. É como querer construir uma casa pelo teto, ao invés de levantar fundações, colunas, paredes e, aí sim, construir o telhado. Esquecem-se que a educação básica, que serviria de base para desenvolver aquelas características já citadas (compreensão de textos, capacidade de comunicação, raciocínio lógico, analítico e matemática), além de desenvolver nas pessoas a sede do conhecimento, é a que cria as bases para que o ensino superior seja de qualidade e melhor aproveitado. Mas infelizmente, ao invés disto, prefere-se criar fábricas de diplomas (em todos os níveis).

Segundo o professor James Heckman, para cada dólar investido em educação infantil (creche e pré-escola), têm-se um retorno de nove dólares para a sociedade (leia aqui uma ótima entrevista com o professor James Heckman), portanto, a educação não é só um ato político, como pregava Paulo Freire, mas também um ato social e econômico.

E desde o primeiro governo FHC, já se vão quase 20 anos, ou seja, as crianças que entraram na escola àquela época já poderiam estar formadas, muitas delas produzindo conhecimento, se o investimento na base tivesse sido feito àquela época. E o pior é que, como nenhum dos governos subsequentes também se preocupou com isto, se começassemos este tipo de investimento agora, ainda teríamos que aguardar mais 20 anos para iniciar a colher os frutos.

Nossos governos ainda insistem em continuar “jogando para a torcida”. E sinceramente não vejo perspectiva de mudança..

Be happy! 🙂