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Doctor Who and the Krikkitmen – Douglas Adams & James Goss (06/2021)

krikkit_menJá comentei em alguma das outras resenhas dos livros do Douglas Adams sobre a forma como ele escrevia suas estórias, desenvolvendo primeiramente uma ideia central, definindo em seguida em qual das series (Guia do Mochileiro, Dirk Gently ou Doctor Who) esta estória seria utilizada para somente então encaixar os respectivos personagens.

Krikkitmen talvez seja a única exceção a este método, sendo pensada desde o começo como uma estória da série Doctor Who. Existem algumas “controvérsias” a respeito de como a estória surgiu: alguns dizem que foi uma encomenda para um filme que a BBC produziria, outros que foi uma iniciativa do próprio Adams para a série televisiva. Assim como existem questões a respeito do porquê ela ficou 40 anos “perdida”: o filme teria sido cancelado. Ou então Adams teria se atrapalhado com prazos (como sempre!) para o Guia e acabou “esquecendo” dela no meio da sua bagunça.

Como explica James Goss (co-autor póstumo) no primeiro apêndice do livro, o texto começou a ser escrito em 1976 (às 11:00 da manhã de uma terça-feira, dia 12 de Julho, conforme anotação do próprio autor), porém só foi encontrado por Goss em uma visita aos arquivos de Adams, que ficam guardados na biblioteca do St. John’s College, em Cambridge.

Goss estava trabalhando em uma roteirização de outro texto e queria dar uma olhada na papelada de Adams quando encontrou Krikkitmen escrito no verso de folhas utilizadas para outro propósito (Adams era um grande entusiasta de reciclagem). Goss não precisa a data em que encontrou o manuscrito, mas baseado no lançamento deste outro título (The Pirate Planet, de 2017), deve ter ocorrido por volta do final de 2016.

O fato deste texto em específico ter sido escrito para Doctor Who não impediu que Adams usasse algumas das ideias em “A Vida, o Universo e Tudo Mais”. Já disse que Adams era um entusiasta da reciclagem, não? Isto sempre valeu também para as suas obras. Então claro que existem bastante referências ao restante de sua obra. Obviamente algumas coisas foram inseridas por Goss, que utilizou o mesmo método de Adams de inserir e reciclar ideias e personagens neste novo texto.

Muito interessante, como sempre, notar o visionarismo de Adams. Em Krikkitmen existe um computador dotado de inteligência artificial hospedado em uma nuvem! O cara já imaginava “cloud computing” na década de 70. Para não falar dos robôs sencientes e dos dilemas éticos envolvidos ao lidar com eles.

Mas o querido leitor poderia dizer que estas partes foram contribuições de Goss. Obviamente Goss deu uma atualizada, mas as idéias centrais estão no texto/rascunho original, transcrito sem alterações no segundo apêndice do livro.

Impossível não se tornar repetitivo ao falar de Adams: GE-NI-AL!!!!!

Be happy 🙂

The Deeper Meaning of Liff – Douglas Adams & John Lloyd (03/2021)

 

deeper_meaning_if_liffCom o subtítulo de A Dictionary of Things There Aren’t Any Words for Yet – But There Ought to Be (“Um dicionário de coisas para as quais ainda não existe nenhuma palavra – mas que deveria existir”), o livro surgiu de uma brincadeira que Douglas Adams e seu amigo John Lloyd costumavam fazer quando estavam em um bar. A ideia da brincadeira é que existem diversas situações e sensações para as quais não existe uma palavra, enquanto ao mesmo tempo existe um número enorme de palavras que são “desperdiçadas” dando nome a locais. Então por que não juntar as duas coisas usando nomes de locais para nominar estas situações e sensações? E da brincadeira surgiu a ideia de criar o dicionário.

O livro começa com uma série de mapas que não querem dizem nada e são só para encher linguiça mesmo (e talvez a paciência de algum leitor desavisado não acostumado com estes recursos do humor britânico). Depois dos mapas tem um dicionário fonético bem no estilo do Douglas Adams: totalmente nonsense. Um humor que de tão bobo é genial!

Claro que como tudo o que Douglas Adams produziu, além deste humor meio nonsense, tem também aquela pitada de acidez, um humor mal-humorado até (baita contradição!!!….hahaha), também típico do humor britânico.

Porém, mesmo com um nível avançado de inglês, acabei “perdendo” várias piadas. Uma delas foi Frutal (“rather too eager to be cruel to be kind”), uma das duas cidades brasileiras no dicionário, ao lado de Canudos (“o desejo que os casais casados têm em ver seus amigos solteiros se casando”). Além de perder algumas piadas por conta do idioma, com certeza perdi outras tantas por conta de falta de referências. Acho que até falantes nativos de inglês de outros países perderiam algumas das tiradas que contêm referencias muito britânicas. Este provavelmente deve ser um dos motivos pelos quais (ainda) não existe uma tradução para o português.

Ainda assim tem vários termos interessantes, tanto pelo humor quanto por fazer a gente lembrar de algumas situações que as vezes passam despercebidas. E para descobrir que algumas delas são mundiais, tais como Bodmin: “a irracional e inevitável discrepância entre o valor arrecadado no racha e o valor da conta a ser pago no restaurante ou bar”. Ou Sturry: “aquela acenada agradecendo o carro que parou na faixa de pedestre para você cruzar, seguido por aquele movimento fingindo que estamos nos apressando pra atravessar a rua, mas que não altera em nada o tempo levado para finalizar a travessia” (em inglês era mais engraçado, juro!).

Mas o mais interessante foi notar que Adams devia ter alguma fixação por bundas (bem, quem nunca né?). São diversos termos que envolvem nádegas, como Elsrickle (“aquela gota de suor que escorre pelas suas costas bem pelo rego”) e Famagusta (“a corrente de ar que passa por entre duas bundas que se recusam a se tocar – como no transporte público”), pra citar somente duas.

Em cada um dos “capítulos” (um para cada letra do alfabeto) tem pelo menos um desenho exemplificando um dos termos do capítulo (inclusive alguns dos termos relativos a bunda). Mas a melhor parte do livro é o apêndice! Mais não vou falar para não estragar a piada.

Be happy 🙂

The Long Dark Tea-time of the Soul – Douglas Adams (14/2019)

Na resenha sobre o primeiro livro da série Dirk Gently, eu expliquei um pouco do processo de criação do Douglas Adams. Também pontuei que achei o livro um tanto confuso, inclusive com uma das estórias não se encaixando muito bem na “colcha de retalhos” que os livros do Adams normalmente são.

Bem, não vou dizer que achei The Long…, o segundo livro da série, uma obra-prima, mas ao menos achei bem melhor que o primeiro. Talvez eu tenha pego a manhã de ler Douglas Adams em inglês, mas talvez o principal fato seja que neste as duas estórias principais (que se desenvolvem em paralelo, em conjunto com umas duas ou três linhas menores) ficaram bem melhor costuradas.

A primeira tem como ponto de partida um bate-boca entre dois passageiros e uma atendente de companhia aérea no balcão de check-in no Aeroporto Heathrow, em Londres, seguida por uma misteriosa explosão. A descrição de Adams para o aeroporto, suas áreas e respectivas funções é hilária! Já na segunda linha, nosso herói (?) se vê envolvido em na morte misteriosa de um de seus clientes (provavelmente o único cliente!).

A partir daí vários detalhes vão sendo adicionado à cada uma das linhas, bem como outras pequenas linhas vão sendo iniciadas, cada uma no apropriado tempo, para que no final todas elas se juntem. E aí achei o ponto fraco do livro: os capítulos que ligam todas as pontas têm um ritmo muito corrido e mereciam ser mais bem explorados. De qualquer forma, é um livro bem divertido.

Uma curiosidade a respeito do título: ele foi retirado de “A Vida, o Universo e Tudo Mais”, da série o guia. A frase foi usada para descrever o tédio miserável do ser imortal Wowbagger.

Be happy 🙂

Dirk Gently’s Holistic Detective Agency – Douglas Adams (2/2019)

Em O Salmão da Dúvida e no Não Entre em Panico, duas biografias do Douglas Adams, explica-se um pouco de como ele costumava criar suas estórias. Basicamente ele criava pequenos contos, depois decidia onde iria encaixá-los (na série do Guia do Mochileiro, na série Dirk Gently, no Dr. Who) e depois ele costurava e ajustava estas pequenas estórias para o contexto do “pano” onde este retalho deveria se encaixar.

Dirk Gently’s Holistic Detective Agency é o primeiro livro da série Dirk Gently, que acabou tendo apenas dois livros. O terceiro seria o Salmão, que foi compilado postumamente à partir destes pequenos textos, alguns inacabados. Esta característica de diversas estórias costuradas é bem visível neste livro.

O pano de fundo é o assassinato de um milionário da indústria de software e à partir dai, as várias histórias são ligadas, sempre com aquela pitada de humor inglês característica de Adams. Como não podia faltar, o livro também tem ciência, misticismo, filosofia. Achei este um pouco confuso e demorado pra “pegar” um clima legal, especialmente porque uma das linhas (Eletronic Monk) acabou não se encaixando muito bem nesta colcha de retalhos.

Talvez isto tenha sido causado pelo fato de ser o primeiro dele que eu leio em inglês. Ou pela inevitável comparação com a série do Guia (que pretendo reler em inglês). Ainda assim é um Douglas Adams, e repetindo o que disse no texto de E Tem Outra Coisa…, foi um gênio que infelizmente nos deixou cedo demais.

Be happy 🙂

Shada – Douglas Adams & Gareth Roberts (05/2015)

ShadaImpressionante como tudo que tem a marca do Douglas Adams é simplesmente fantástico. E viciante! Shada era um roteiro para a premiada série inglesa de TV Doctor Who, da qual Douglas era produtor e roteirista, mas que nunca chegou a ser levado ao ar (apesar de ter alguns episódios produzidos e gravados).

Shada conta a aventura do Doutor, que desta vez tem que salvar o universo de Skagra, um lunático (como muitos que o Doutor enfrentou ao longo de séculos) que pretende criar a “Mente Universal”. A descrição de Skagra que consta na contracapa do livro já dá uma amostra do que está por vir durante o texto: “Aos 5 anos, Skagra conclui sem sombra de dúvidas que Deus não existia. A maioria das pessoas que chegam a tal constatação reage de uma das seguintes formas: com alívio ou com desespero. Somente Skagra reagiu pensando: ‘Peraí. Isso significa que existe uma vaga disponível.'”

Claro que Adams teve que adptar os textos a uma série de personagens e situações já criadas, o que acabou por limitar um pouco a criatividade, especialmente relativo a algumas tiradas sobre o comportamento humano, tão presente em seus livros.

Como Douglas tinha feito um roteiro para uma série de TV, que é bem diferente de um livro, a missão da adaptação coube a Gareth Roberts, que fez um trabalho fenomenal e conseguiu colocar dentro de um texto fluido, sem nenhuma nota de rodapé, detalhes que em um roteiro são mais explícitos.

Doctor Who talvez seja uma das principais influências do próprio Guia do Mochileiro das Galáxias e é impossível não notar semelhanças entre o Doutor, Romana, Chris e K-9 com Ford Prefect, Trillian, Arthur Dent e Marvin, respectivamente. Aquele típico humor britânico do Guia também é muito presente em Shada e provavelmente deve ser nas demais aventuras do Doutor.

O pior do livro foi que agora eu fiquei com vontade de assistir à série Doctor Who. O problema é que ela está no ar desde 1963 com poucas interrupções. É tanta coisa para ler e para assistir que eu teria que ser um Gallyfreyano para poder ler e ver tudo.

Be happy 🙂

O Salmão da Dúvida – Douglas Adams (21/2014)

O Salmao da DuvidaQuando estava escrevendo a resenha sobre o E Tem Outra Coisa… eu estava lendo O Salmão da Dúvida, o que me fez chamar o Douglas Adams de gênio naquela resenha.

Muitos já o classificariam assim pelo compêndio do Guia do Mochileiro das Galáxias, porém talvez sejam as outras obras e especialmente textos de não ficção que o levem a este patamar.

O Salmão da Dúvida é um livro póstumo, que contém uma historia na qual Adams estava trabalhando e que dá o título ao livro e um coniunto de textos, artigos, cartas, entrevistas e um ótimo ensaio (do qual falarei mais abaixo) reunidos por seu editor, com a ajuda de sua assistente e sua viúva. O livro foi dividido em três partes: A Vida, O Universo e Tudo Mais.

Tudo Mais, a última parte do livro, contém o romance título do livro. Conforme entrevistas do proprio Douglas, o roteiro no qual ele estava trabalhando e que entre outros títulos provisórios, teve “O Salmão da Dúvida” como um deles, estava mais propício a ser utilizado para um livro do Guia, mas como ele começou a ser desenvolvido como um texto do Dirk Gently e foram estas as versões encontradas no computador de Douglas, acabou sendo um compilado de doze capitulos extraídos das 3 versões encontradas tendo Dirk Gently como personagem principal. Vale o aviso de que a história ficou sem final. Mas mesmo assim vale a pena, especialmente pelo capitulo que é descrito pela perspectiva de Desmond (e mais não falo para não estragar a surpresa).

Mas o mais interessante mesmo no livro são as duas primeiras partes (A Vida e O Universo). Os artigos selecionados para o livro contam um pouco da vida do autor e as entrevistas publicadas no livro demonstram bastante da personalidade de Douglas já no pós guia e sua relação com as suas obras. Interessante notar como ele, como apaixonado por tecnologia, “previu” muitas coisas que viriam a acontecer em alguns anos, especialmente no que se refere à Internet e como ela vem mudando o mundo. Por exemplo, ele já previa/pensava em Big Data quando o termo ainda nem existia.

Todos os textos ou entrevistas tem o humor tipico de Adams, o que por si só já vale o livro.

Os dois capitulos que eu achei mais interessantes foram o da descrição de uma aventura dele para testar um sub bug e um discurso dele em uma convenção de biotecnologia, na qual ele explana sua teoria do “Deus Artificial”.

O primeiro conta a aventura que ele planejou, de mergulhar na grande barreira de corais, na Austrália com um sub bug (equipamento para mergulho) e fazer a comparação entre mergulhar usando o sub bug e usar uma arraia jamanta.

O segundo é um discurso onde ele explana a sua “Teoria das 4 eras da areia e do Deus Artificial”, que é simplesmente sensacional e mostra toda a genialidade de Douglas.

Mais do que um escritor ou roteirista, ao final deste livro eu me convenci que Douglas era também um visionário, pensador e filósofo. Pena que partiu tão cedo.

E Tem Outra Coisa… – Eoin Colfer (20/2014)

E tem Outra Coisa“E tem outra coisa…” é o sexto livro da trilogia de cinco livros do Guia do Mochileiro das Galáxias. Para quem não conhece, o Guia do Mochileiro das Galáxias foi uma serie ficção científica cômica criada para o radio e transmitida pela BBC no final da decada de 70. O responsável pela criação foi o gênio Douglas Adams.

A série de rádio deu origem a uma série de livros, uma série de TV britânica na década de 80, um filme em 2005, web sites, gibis, jogos de computador e gerou todo um universo (na verdade vários universos, ou seja, um multiverso) em torno de Arthur Dent, Ford Prefect, Tricia McMillan, Zaphod Beeblebrox e todos os insólitos e estranhos personagens e suas aventuras.

Para quem esteve nas ultimas décadas na Nebulosa Cabeça de Cavalo ou em um fiorde de algum planeta construído pelos Magrateanos nos confins deste universo (ou de algum outro) e não sabe nada sobre o Guia, sugiro que corra ate livraria (eletrônica ou física) mais próxima e adquira a série. Prometo que não vai se arrepender. É o tipo de livro que você não consegue parar de ler. Eu li os 5 livros originais da série em cerca de 20 dias, numa toada de 50 páginas por dia.

Mas voltando à este sexto livro em específico, ele foi lançado em 2009, portanto 8 anos após o falecimento de Douglas Adams. A missao foi confiada a Eoin Colfer, um autor irlandês de obras infanto-juvenis.

Acho que a escolha nao poderia ter sido melhor. Colfer soube usar a própria improbabilidade tipica de Adams para trazer de volta os personagens e conseguiu manter a “pegada” do humor britânico que ele tinha, além de inserir um toque próprio, o que não faz com que o estilo seja uma simples cópia do estilo de Adams..

Colfer também inseriu algumas novidades tecnológicas, especialmente ligadas à Internet, que não existiam quando Adams escreveu os cinco livros originais (apesar de ele ter “criado” a subeta.net, uma Internet do universo, nos seus livros, ainda na década de 80). Um exemplo são vídeos virais de celebridades, coisa tão comum nos dias de hoje.

O livro abusa das “notas do guia” para refrescar a memória dos leitores e introduzir novos conceitos, porém não é algo chato ou enfadonho. E mesmo com muita coisa explicada nas notas é interessante que os outros livros sejam lidos previamente para uma melhor compreensão do texto.

Assim como toda a obra de Adams e como o Belas Maldições (será que a escolha de Adam como nome do personagem principal de Belas Maldições não seria uma homenagem à Douglas?), este é um livro que dá vontade de ler novamente tão logo você o termine.