Cheguei neste livro por conta de um post no Blog do Flávio Gomes onde ele citava uma frase do livro: “Foi. Não será de novo. Lembre.”. Achei a frase muito interessante, pois creio que existem dois tipos de saudade: uma boa e outra ruim. A boa é aquela saudade nostálgica: você lembra de um fato que foi interessante, o que te propicia um momento de prazer ao relembrá-lo, mas que você sabe que aquilo ficou no tempo (“não será de novo”). E existe a saudade ruim, aquela em que a pessoa fica comparando e se remoendo pois “antigamente era melhor”, “quando era jovem…”, “no meu tempo”, etc.
O mundo muda (e mudou muito rapidamente nos últimos vinte ou trinta anos), as pessoas mudam, as situações nunca serão as mesmas. “Foi. Lembre”. Então fui atrás do livro que continha a frase. Livro bom, ótimo até. Mas que não te dá uma “boa” sensação. Mas explico abaixo.
Em Português o livro tem o título de “A Invenção da Solidão”, que numa tradução literal difere do título original. Solitude em Inglês seria traduzido, ao pé da letra, por solitude em Português, que é um estado de privacidade, mas não exatamente ligado ao sofrimento, o que seria o caso da solidão (loneliness em Inglês). Porém, esta “tradução errônea” não perde o sentido quando comparado ao conteúdo do livro, que trata da “solitude” de Sam, o pai de Paul, e da própria solidão do autor.
Na primeira parte do livro, chamada “Retrato de um homem invisível”, Austin retrata os fatos que se seguiram após a morte “súbita” (não estava doente, morreu em casa) do próprio pai e o processo de conhecê-lo durante os “trâmites” post mortem. Conhecê-lo pois Sam, o pai de Austin, era uma pessoa que, enquanto não conseguia se “encaixar” no mundo (ou não queria), também não conseguia se isolar e que, desta forma, acabou criando uma camada, uma zona intermediária entre sua inserção e o isolamento. E durante este processo o autor começa a entender melhor o pai , sua complexa relação com ele, bem como o relacionamento do pai com o restante da família (a mãe, da qual Sam havia se separado há alguns anos, e a irmã). A descoberta de fatos da infância do pai (nao darei spoilers, já que é uma das melhores partes do livro), aliado a memórias que ficaram escondidas (ou talvez tivessem sido ignoradas) faz com que Austin comece a compreender melhor o pai e seu relacionamento com ele, o que leva à segunda parte do livro, denominado inicialmente de “The Book of Memory” (O Livro da Memória).
Logo após a morte do pai e passando por uma separação, o autor se isola para tentar, ao mesmo tempo, um processo de autoconhecimento e a criação de um novo livro. Neste processo (escrito em terceira pessoa), ele próprio passa a analisar fatos importantes da sua vida, que moldaram a pessoa que ele era à época e que, de alguma forma, guiam o relacionamento dele com o próprio filho (então com três anos). Ele se descobre uma pessoa com uma “nostalgia do presente”: aquele medo de que as coisas deixem de ser como são e que faz com que as pessoas tentem manter, a todo custo, o estado atual das coisas, isto quando não querem fazer com que algumas coisas do passado voltem a ser como eram (qualquer semelhança com os conservadores não é mera coincidência…hahaha).
Revisitando passagens da vida de alguns nomes da arte (escritores, poetas, pintores) e mesmo evocando algumas passagens bíblicas, ele vai comparando os relacionamentos e as reações destes “personagens”, fazendo paralelos com seus próprios relacionamentos, suas reações e suas motivações. Até o ponto em que “O Livro da Memória” vira “A Invenção da Solitude”, culminando com a maravilhosa frase.
Para explicar a “sensação ruim” (que é boa ao mesmo tempo): existem algumas músicas que mexem comigo de uma forma estranha. Sabe aquela sensação do peito apertado, que você precisa inspirar fundo e expirar pela boca? A Sonata ao Luar do Beethoven, o Requiem do Mozart e o album Obscured by Clouds do Pink Floyd são algumas das obras que me causam esta sensação. Mas este livro, especialmente a primeira parte, talvez seja a primeira obra literaria que me causou a mesma sensação (“O Processo” de Kafka e “O Estrangeiro” de Camus foram obras que chegaram perto).
Não é um livro para ser devorado. É para ser degustado aos poucos. Pois a experiência de “descobri-lo” acontecerá uma vez, não se repetirá, e só restará lembrar.
It was. It will never be again. Remember.
Be happy 🙂
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