Carl Sagan foi um famoso físico americano e é mais conhecido no Brasil por conta do vídeo “Pale Blue Point” (o pálido ponto azul), que é um vídeo em que ele mostra didadicamente o tamanho e a insignificância do nosso planeta dentro do universo, clamando pela preservação do planeta, já que é o único que temos. O engraçado é que já vi muita gente compartilhando o vídeo para “exaltar as maravilhas de Deus” que criou um universo todinho só para nos colocar nele, quando na verdade o Sagan diz exatamente o contrário: o universo é gigante e o fato de um pequeno planeta de uma pequena galáxia dentro desta imensidão conseguir gerar e manter formas de vida foi um mero acaso que ocorreu contra todas as probabilidades e por isto devemos aproveitar a nossa sorte.
Neste livro ele faz uma crítica a sociedade atual americana, que vem deixando a ciência de lado e se interessando por pseudociência, misticismo e até anticiência. Quando ele fala dos “demônios”, ele quer dizer justamente as crendices populares, os misticismos e superstições que se travestem de ciência ou tentam usar pseudociência como bases (como a crença em ETs, Horóscopo, Nova Era, etc). Os 25 capítulos do livro tratam de 5 temas principais ligados à ciência.
Ele começa o livro explicando como se iniciou a paixão dele pela ciência, o que é a ciência e qual a importância dela para a humanidade (cura de doenças, produção de alimentos, etc). Ele passa pelos conflitos éticos provenientes das descobertas científicas (praticamente toda descoberta pode ser usada para o bem e para o mal, geralmente em termos equivalentes) e das situações em que elas causaram mal (mas apesar disto, ainda trouxeram benefícios).
Em seguida ele passa por alguns casos de pseudociência que foram utilizadas para suportar crendices da humanidade, passando, é claro, por uma análise da necessidade que o ser humano tem de crer em algo, o que na verdade provém em parte de uma preguiça em procurar explicações mais racionais (e simples) e preferir atribuir tudo aquilo que ele não entende a um ser supremo, a uma força superior (Deus, a força da Natureza, extraterrestres).
É interessante notar que ele não elimina nenhuma possibilidade (de que existam ETs, de que Deus exista, de que exista uma força superior), porém, existem tantas outras hipóteses a serem tentadas para explicar a leis da Natureza que chega a ser burrice a pessoa aceitar simplesmente um “é obra de Deus”. De qualquer forma, diferentemente do Dawkins, Sagan reconhece a importância social das crenças e até sua eficácia na cura de doenças psicossomáticas e neste ponto nota-se que o que mais o incomoda não são as crendices, mas sim quando elas interferem no curso da ciência ou na capacidade de uma pessoa ter pensamento cético.
Na “terceira parte” ele discorre justamente sobre o pensamento cético, que é a base para a ciência e é uma ferramenta libertadora, em todos os sentidos (econômica, política, social, etc).
Já a quarta parte faz duras críticas ao sistema educacional americano (desde a educação básica) e o fomento à pesquisa, já que existe um foco grande em formar técnicos e especialistas e, no caso da pesquisa, em financiar somente a pesquisa aplicada com objetivo determinado. O problema é que ao privilegiar a pesquisa aplicada, eles acabam por deixar de lado o livre pensamento e, através de exemplos, ele mostra que no longo prazo é o livre pensar quem cria as bases para a ciência aplicada. Ele cita o exemplo de James Maxwell, que durante as duas últimas décadas do século 19 descobriu a relação entre campos elétricos e magnéticos e desenvolveu as fórmulas que se tornariam base para vários inventos que ocorreram depois de 30, 40, 50 anos (e até hoje!), como o caso do Rádio, da TV, da comunicação por satélite, etc.
Junto à crítica ao sistema educacional (que ele diz que deve ser obrigação do Estado a não deve estar na mão da iniciativa privada), ele faz uma pequena crítica aos próprios pais, que tendem cada vez mais a deixar a parte da educação que lhes caberia à cargo da escola, como no trecho a seguir:
…Um relatório de 1994, encomendado pelo Departamento de Educação dos Estados Unidos observa:
“O dia escolar tradicional deve agora se adaptar a todo um conjunto de exigências, necessárias para o que se tem chamado ‘o novo trabalho das escolas’ – educação acerca de segurança pessoal, questões dos consumidores, AIDS, conservação e energia, vida familiar e curso de motorista.”
Assim, devido às deficiências da sociedade e às insuficiências da educação em casa, apenas cerca de três horas por dia são dedicadas, na escola secundária, às disciplinas acadêmicas básicas.
Esta parte me fez pensar que, se o sistema educacional americano, do ponto de vista dos especialistas, já estava ruim na década de 90, imagine como está agora. E imagine o sistema educacional brasileiro!
Na quinta e última parte ele discorre sobre liberdades, democracia e desenvolvimento científico e traz alguns exemplos de que quando existe liberdade e democracia a ciência avança em ritmo alucinante. Mas o inverso também é verdadeiro. Ele cita a própria União Soviética, cujo ritmo dos avanços tecnológicos foi diminuindo conforme foram diminuindo as liberdades de expressão e de pensamento e que o atraso na corrida tecnológica foi justamente uma das causas da ruina da própria União Soviética. Ele clama para que os povos nunca abram mão de suas liberdades, mas ao contrário, briguem por elas e que o povo seja o “dono” da nação, pois se o povo abre mão disto, sempre haverá um tirano (imprensa, políticos, ricos, igreja, etc) que gostaria de tomar o controle e, em tomando o controle, várias das conquistas científicas ficariam ameaçadas.
Achei o livro fantástico e recomendo até para aqueles que têm algum tipo de superstição ou crença. Acho inclusive que deveria ser leitura obrigatórias nas escolas.
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