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Bilhões e Bilhões – Carl Sagan (12/2016)

Bilhoes e BilhoesBilhões e Bilhões é um livro contendo dezenove artigos escritos por Sagan sobre diversos assuntos e para diversas situações (revistas, discursos, etc). Foi lançado postumamente por sua esposa e colaboradora Ann Druyan.

Os artigos são agrupados em três seções. Na primeira delas, sob o título de “O Poder e a Beleza da Quantificação”, seis artigos apresentam, de forma muito didática, a beleza da matemática e dos números. Mas não é só isto (como diria o locutor do 1406), além da matemática, ele vai inserindo informações sobre física, química, biologia e aproveitando para contar um pouco de história. Além de didática, tudo fica de uma forma fluída e cativante. Me levou a pensar: será que é tão difícil assim para nossos educadores desenvolverem uma nova forma de transmitir o conteúdo para os alunos? Será que precisa separar tudo em “categorias” específicas e fazer com que os estudantes apenas decorem o conteúdo, sem saber como as coisas se relacionam e quais as aplicações práticas? A mim me parece que é pura preguiça, já que caso o estudo fosse desta forma, ele deveriam ter conhecimento em várias áreas, inclusive muitas nas quais eles não se sentem confortáveis.

Em “O que os Conservadores estão Conservando?”, composto por sete artigos, Carl Sagan discorre sobre os impactos que o ser humano tem causado no mundo, quais suas prováveis consequências e como podemos brecar, ou ao menos minimizar o impacto negativo que temos exercido sobre a vida na terra. Um ponto importante que ele traz nestes artigos é que ele até entende o ataque que as empresas, pessoas e políticos ligados à indústria do petróleo faz à teoria do aquecimento global. O que não dá pra entender são pessoas que simplesmente “não acreditam no aquecimento global” lutarem contra. A prudência deveria fazer com que, havendo dúvida, no mínimo estas pessoas se propusessem a modificar seus hábitos (adotando combustíveis renováveis, reclicando lixo, etc).

Na última seção, denominada “Quando os Corações e as Mentes Entram em Conflito”, os temas são diversos, mas dois textos me chamaram muito a atenção. O primeiro foi “O inimigo comum”, um artigo que foi escrito por Sagan para ser publicado simultaneamente em duas importantes revistas, uma americana e uma russa, em tempos de guerra fria e que joga na cara o fato de que as duas grandes nações eram duas faces da mesma moeda, inclusive utilizando o mesmo modus operandi e que o estado de tensão só servia para os déspotas de plantão conquistarem e manterem poder (já havia abordado este ponto de vista em um texto na Feedback Magazine, aqui).

Mas o melhor artigo do livro (e sobre o assunto que eu já lí) é ‘Aborto: é possível ser “pró-vida” e “pró-escolha”?’, escrito em parceria com sua esposa. Ele destrincha as questões morais, históricas, biológicas e sociais para a liberação ou proibição do aborto. Muito interessante é o fato trazido à tona de que a bíblia não proíbe em nenhum lugar o aborto (existe apenas uma citação em toda a bíblia) e que até o meio do século 19 a igreja católica nem se preocupava com o assunto e passou a proibir em seus dogmas por um erro de interpretação de uma descoberta científica. Deveria ser um artigo obrigatório para qualquer um que queira debater o tema (achei o artigo aqui).

O último capítulo (“No Vale da Sombra”) e o epílogo (escrito pela Ann Druyan) mostram um pouco do final da vida deste gênio de nosso tempo, que foi acometido por um câncer contra o qual ele acabou perdendo a luta, mas nunca sem perder o amor pela vida, pelo mundo e pelas maravilhas da natureza.

Be happy 🙂

Contato – Carl Sagan (09/2016)

Carl Sagan - ContatoCada vez que eu conheço uma nova obra do Carl Sagan eu fico mais convencido de que ele foi um dos grandes gênios do século XX. Em “Contato” ele se aventura em um romance, mas é claro que vindo do Sagan, mesmo um romance teria que ter ciência como pano de fundo.

O livro conta a estória de Ellie Arroway, uma radioastrônoma que tem como alvo a Pesquisa de Inteligência Extraterrestre. O livro inicia-se contando a infância e a adolescência da pequena Ellie, que desde cedo tem uma curiosidade natural para tentar entender os fenômenos naturais e as invenções humanas e, como todo curioso,  usa todo o seu ceticismo para questionar o por que das coisas (e neste caminho, encontra muita resistência de pessoas acostumadas com respostas simples, inclusive seus professores).

Nesta parte do livro ele frisa o quão importante é a curiosidade de uma criança, que muitas vezes é tolhida pela falta de paciência dos adultos, e também a importância de se questionar tudo, mas principalmente autoridades (a velha falácia do apelo à autoridade!).

Já na idade adulta e enquanto gerenciava um projeto de radioastronomia que vasculha o universo à procura de algum sinal alienígena, Ellie se depara com um sinal que pode ser uma mensagem de vida inteligente. A confirmação de que o sinal não é algo aleatório e que reamente continha uma Mensagem de seres de outros planetas desperta um frenesi mundial que viria a mudar o mundo como conhecemos (ou como era conhecido à época em que o livro foi escrito). Não vou entrar em detalhes do desenrolar da estória em sí, mas apenas frisar que, durante todo o texto ele coloca termos científicos que despertam o interesse dos mais habituados enquanto não torna a leitura algo complexa para quem não tem tanto interesse em ciência (no máximo basta interpretar os termos científicos como “invenções” do autor afim de realçar a estória).

O livro termina com uma teoria da conspiração digna dos episódios de Arquivo X, não sem antes passar por temas como política, religião, comportamento humano e inclusive relações pessoais (de Ellie com sua mãe e com seu padrasto).

Um ponto importante a se frisar é que, como um cientista e, consequentemente um cético, o Carl Sagan não “acreditava” na possibilidade de vida extraterrestre, mas também não afirmava ser impossível, ao contrário, ele até ansiava achar algum sinal de outras civilizações. Como também não acreditava em teorias da conspiração. Um verdadeiro cético aceita as possibilidades que são passíveis de serem provadas através de métodos científicos, ou no mínimo, a melhor hipótese para explicar algo, mas sempre vai estar aberto a novos pontos de vista. Ele traz estes pontos no livro justamente para dar uma “incrementada” na estória e realçar a necessidade de existirem provas para que algo possa ser aceito como uma “verdade absoluta” (o que é bem destacado no último trecho do livro). E verdades absolutas são muito raras. Tudo é questionável.

Como tudo do Sagan, deveria ser leitura obrigatória nas escolas.

Be happy 🙂

O Mundo Assombrado pelos Demônios – Carl Sagan (11/2015)

O Mundo Assombrado Pelos DemôniosCarl Sagan foi um famoso físico americano e é mais conhecido no Brasil por conta do vídeo “Pale Blue Point” (o pálido ponto azul), que é um vídeo em que ele mostra didadicamente o tamanho e a insignificância do nosso planeta dentro do universo, clamando pela preservação do planeta, já que é o único que temos. O engraçado é que já vi muita gente compartilhando o vídeo para “exaltar as maravilhas de Deus” que criou um universo todinho só para nos colocar nele, quando na verdade o Sagan diz exatamente o contrário: o universo é gigante e o fato de um pequeno planeta de uma pequena galáxia dentro desta imensidão conseguir gerar e manter formas de vida foi um mero acaso que ocorreu contra todas as probabilidades e por isto devemos aproveitar a nossa sorte.

Neste livro ele faz uma crítica a sociedade atual americana, que vem deixando a ciência de lado e se interessando por pseudociência, misticismo e até anticiência. Quando ele fala dos “demônios”, ele quer dizer justamente as crendices populares, os misticismos e superstições que se travestem de ciência ou tentam usar pseudociência como bases (como a crença em ETs, Horóscopo, Nova Era, etc). Os 25 capítulos do livro tratam de 5 temas principais ligados à ciência.

Ele começa o livro explicando como se iniciou a paixão dele pela ciência, o que é a ciência e qual a importância dela para a humanidade (cura de doenças, produção de alimentos, etc). Ele passa pelos conflitos éticos provenientes das descobertas científicas (praticamente toda descoberta pode ser usada para o bem e para o mal, geralmente em termos equivalentes) e das situações em que elas causaram mal (mas apesar disto, ainda trouxeram benefícios).

Em seguida ele passa por alguns casos de pseudociência que foram utilizadas para suportar crendices da humanidade, passando, é claro, por uma análise da necessidade que o ser humano tem de crer em algo, o que na verdade provém em parte de uma preguiça em procurar explicações mais racionais (e simples) e preferir atribuir tudo aquilo que ele não entende a um ser supremo, a uma força superior (Deus, a força da Natureza, extraterrestres).

É interessante notar que ele não elimina nenhuma possibilidade (de que existam ETs, de que Deus exista, de que exista uma força superior), porém, existem tantas outras hipóteses a serem tentadas para explicar a leis da Natureza que chega a ser burrice a pessoa aceitar simplesmente um “é obra de Deus”. De qualquer forma, diferentemente do Dawkins, Sagan reconhece a importância social das crenças e até sua eficácia na cura de doenças psicossomáticas e neste ponto nota-se que o que mais o incomoda não são as crendices, mas sim quando elas interferem no curso da ciência ou na capacidade de uma pessoa ter pensamento cético.

Na “terceira parte” ele discorre justamente sobre o pensamento cético, que é a base para a ciência e é uma ferramenta libertadora, em todos os sentidos (econômica, política, social, etc).

Já a quarta parte faz duras críticas ao sistema educacional americano (desde a educação básica) e o fomento à pesquisa, já que existe um foco grande em formar técnicos e especialistas e, no caso da pesquisa, em financiar somente a pesquisa aplicada com objetivo determinado. O problema é que ao privilegiar a pesquisa aplicada, eles acabam por deixar de lado o livre pensamento e, através de exemplos, ele mostra que no longo prazo é o livre pensar quem cria as bases para a ciência aplicada. Ele cita o exemplo de James Maxwell, que durante as duas últimas décadas do século 19 descobriu a relação entre campos elétricos e magnéticos e desenvolveu as fórmulas que se tornariam base para vários inventos que ocorreram depois de 30, 40, 50 anos (e até hoje!), como o caso do Rádio, da TV, da comunicação por satélite, etc.

Junto à crítica ao sistema educacional (que ele diz que deve ser obrigação do Estado a não deve estar na mão da iniciativa privada), ele faz uma pequena crítica aos próprios pais, que tendem cada vez mais a deixar a parte da educação que lhes caberia à cargo da escola, como no trecho a seguir:

…Um relatório de 1994, encomendado pelo Departamento de Educação dos Estados Unidos observa:

“O dia escolar tradicional deve agora se adaptar a todo um conjunto de exigências, necessárias para o que se tem chamado ‘o novo trabalho das escolas’ – educação acerca de segurança pessoal, questões dos consumidores, AIDS, conservação e energia, vida familiar e curso de motorista.”

Assim, devido às deficiências da sociedade e às insuficiências da educação em casa, apenas cerca de três horas por dia são dedicadas, na escola secundária, às disciplinas acadêmicas básicas.

Esta parte me fez pensar que, se o sistema educacional americano, do ponto de vista dos especialistas, já estava ruim na década de 90, imagine como está agora. E imagine o sistema educacional brasileiro!

Na quinta e última parte ele discorre sobre liberdades, democracia e desenvolvimento científico e traz alguns exemplos de que quando existe liberdade e democracia a ciência avança em ritmo alucinante. Mas o inverso também é verdadeiro. Ele cita a própria União Soviética, cujo ritmo dos avanços tecnológicos foi diminuindo conforme foram diminuindo as liberdades de expressão e de pensamento e que o atraso na corrida tecnológica foi justamente uma das causas da ruina da própria União Soviética. Ele clama para que os povos nunca abram mão de suas liberdades, mas ao contrário, briguem por elas e que o povo seja o “dono” da nação, pois se o povo abre mão disto, sempre haverá um tirano (imprensa, políticos, ricos, igreja, etc) que gostaria de tomar o controle e, em tomando o controle, várias das conquistas científicas ficariam ameaçadas.

Achei o livro fantástico e recomendo até para aqueles que têm algum tipo de superstição ou crença. Acho inclusive que deveria ser leitura obrigatórias nas escolas.