Recentemente a Vivo anunciou que vai começar a exercer os limites quando as pessoas atingirem as franquias dos seus contratos de internet fixa, da mesma forma como já ocorre com a internet móvel. Isto será exercido através de cobrança adicional quando o limite for ultrapassado, da redução da velocidade após o consumo da franquia ou eventualmente até o bloqueio pode vir a ser implementado. Isto deverá ser feito à partir de dezembro, respeitando os contratos atuais e provavelmente deverá ser seguido por outras operadoras.
Primeiramente é preciso frisar que em todo contrato de internet já existe cláusula especificando qual é a franquia, mas como atualmente muito pouca gente chega a atingi-la, ela não era “executada”, já que seria mais custoso cobrar adicional de alguns poucos do que apenas “isentar” os usuários. Outro ponto a ser frisado também é que estes limites existem na maioria dos demais países.
Com a popularização dos serviços de streaming de áudio e vídeo, a tendência é que a média de dados que um usuário utiliza por mês aumente exponencialmente nos próximos anos, acompanhando o crescimento de serviços como Netflix, Spotify, e os novos que virão (a Google e a Amazon já estão desenvolvendo os seus “Netflix”). As próprias empresas que hoje são operadoras de TV à cabo tendem a virar concorrentes neste mercado.
Como a largura de banda é um recurso escasso que, para ser aumentado, exige investimentos em tecnologia e infraestrutura, as operadoras têm algumas opções para “custearem” estes investimentos: ou aumentam os custos dos pacotes ou começam a “exercer” a franquia de dados (que repito, já existia, só não era exercida), cobrando mais de quem consome mais e menos de quem consome menos, como acontece com 99% dos bens e serviços que adquirimos. Uma outra opção é apenas não aumentar a capacidade de banda do sistema e simplesmente não oferecer maiores velocidades para seus clientes.
Particularmente acho a alternativa escolhida é a melhor possível, tanto do ponto de vista das empresas, quanto do ponto de vista do consumidor, já que as duas alternativas (reduzir a velocidade para todo mundo, racionando assim a capacidade de banda, ou aumentar os preços) seriam mais impactantes para ambos.
A Anatel, agência que regula o setor (e falarei dela mais à frente) entende que isto vai beneficiar a maioria dos usuários, que consomem pouco de sua franquia, em detrimento de alguns poucos que hoje ultrapassam. A reação à mudança de política da Vivo gerou uma comoção e mobilizações na Internet, mas tendo a concordar com o pensamento da ANATEL e vou explicar porque fazendo alguns paralelos.
O Open Bar (ou a churrascaria rodízio)
Atualmente o modelo de negócio de internet funciona como uma churrascaria rodízio, como um buffet de preço único ou uma festa open bar: o usuário escolhe o nível de serviço, através da velocidade, e consome a quantidade de dados que melhor lhe convier. Mais ou menos como numa churrascaria, onde você poderia escolher entre ter apenas carne, ou carne e frutos do mar, e dentro daquele nível de serviço, poderia comer até estourar. Ou como numa festa open bar, onde você pode escolher ficar na área VIP, com Whisky, Vodka, Energético, Cerveja Premium, ou então na área comum, que terá Itaipava, Caipirinha de Velho Barreiro e água, porém dentro daquele nível de serviço, a quantidade é ilimitada.
Tanto a churrascaria, quanto o promotor da festa e a operadora telefônica simplesmente fazem o cálculo dos custos, colocam algum risco e o lucro em cima e dividem o valor pela quantidade de clientes. Alguns clientes farão “valer o preço pago”, consumindo mais do que se pagassem por unidade (uns 10%), a maioria das pessoas vai consumir muito próximo à média (entre 50% e 70%) e uma parcela considerável, geralmente maior do que aqueles que consomem acima, vão consumir abaixo da média, ou seja, estão gerando uma margem maior de lucro porque deixaram de consumir a parte que lhes cabia.
Para exemplificar coloco meu consumo médio dos últimos doze meses. Levando-se em consideração que em casa são 5 usuários da minha Internet, sendo que 2 deles são consumidores ávidos de Netflix (meu irmão) ou Youtube (minha sobrinha) e que eu mesmo também consumo muito os dois produtos, além de trabalhar cerca de 50% do tempo de casa (e como trabalho conectado na VPN da empresa, muitos dados trafegam pela minha rede), até que não excedi muito e consigo até identificar os picos: meses de férias, onde minha sobrinha está o dia todo em casa e em janeiro, quando resolvi subir todos os meus arquivos pessoais para o OneDrive.
Em condições normais, mesmo com o uso massivo (3 pessoas consumindo bastante e duas consumindo moderadamente), eu não ultrapassei o limite. E quando ultrapasso, nada mais justo do que pagar por este adicional do que ter alguém que trabalha fora o dia todo, consome apenas e-mail e páginas em casa, e que mesmo assim paga o que eu pago, “bancando” a minha parte.
ANATEL e suas responsabilidades
Contrariando o pensamento destes “ultraliberais” que surgiram ultimamente, infelizmente ainda existem alguns setores e mercados que precisam de regulação, já que as regras do capitalismo, especialmente no que tange à livre concorrência, não são aplicáveis em todos os casos. Basicamente estes mercados têm grandes barreiras de entrada (tecnológicas, financeiras, legais, etc) que impedem que exista uma concorrência plena, o que é sempre benéfico para o consumidor, tanto em questão de valores quanto em qualidade do serviço oferecido.
Indo nesta “toada”, muita gente prega que, afim de termos serviços de telecomunicações (telefonia fixa e móvel e internet) de qualidade a um preço justo, o mercado deve ser desregulado.
Mas ai entra uma outra função dos Estados, que podem ser exercidas tanto diretamente por ele, através de uma empresa ou um órgão do governo, ou então através de agentes privados, que serão regulados por alguma agência que regule este mercado (e vão chorar na cama os miMISESentos: uma sociedade sem Estado é tão utópica quanto qualquer Estado totalitario como os idealizados por Marx e sua gangue): prover serviços considerados essenciais para a população, como saúde, segurança, educação, transporte, saneamento básico, água, luz e, claro, serviços de telecomunicações.
A regulagem do mercado de telecomunicações (e é muito parecido com o de Transporte Público Urbano) funciona da seguinte forma: a agência regulatória permite que determinada empresa opere em uma região lucrativa, mas exige que, em troca, ela opere em uma região deficitária. Ou seja, a empresa vai ter lucro na cidade de São Paulo, por exemplo, e vai ter prejuizo em outras cidades (lembrando que a implementação e manutenção da rede é muito cara e que os custos individuais em telecomunicações são irrisórios: o preço da infraestrutura para atender 1 cliente é o mesmo para atender 10 mil!). Especialmente em municípios com numero pequeno de habitantes (menos de 10 mil habitantes, 43% dos municípios do estado de São Paulo) e/ou com densidade demográfica muito baixa (abaixo de 100 habitantes por km2, 73% dos municípios do estado de São Paulo) estes serviços só existem por conta da regulamentação.
Ou seja, o cliente da cidade de São Paulo acaba pagando um valor que encobre a infraestrutura de telecomunicações da cidade de Lutécia, no interior de SP, que é atendida somente pela Vivo, já que nenhuma outra operadora se interessou em atender seus 3 mil habitantes, sendo 2 mil em área urbana, espalhados por uma área de 918 km2 (densidade demográfica de 5,71 habitantes por km2, a terceira menor do estado).
O fato é que a desregulamentação total do mercado iria isolar estas pequenas cidades, já que provavelmente nenhuma operadora iria querer atender estas regiões ou, caso houvesse o interesse, o valor a ser cobrado afim de bancar a infraestrutura ficaria tão alto que afastaria boa parte dos clientes. O governo poderia adotar nas telecomunicações um modelo parecido com o da Saúde, onde ele fornece uma rede de atendimento (postos de saúde, hospitais, farmácias populares) para quem não pode pagar um plano privado ou médicos particulares, montando (novamente) uma Telebras? Claro que poderia, mas de alguma forma os recursos para isto deveriam ser gerados, muito provavelmente através de novos impostos em cima dos serviços similares da iniciativa privada e, no final das contas, quem vive em mercados avitários acabaria bancando o serviço para quem vive em mercados deficitários. E pior: com toda a ineficiência do Estado.
Bem, ai o querido leitor vai pensar: mas que incoerência! Ele diz que, no caso do limite da banda, é justo quem consumir mais pagar mais, mas acha certo que consumidores “privilegiados” que moram em áreas onde há demanda e concorrência subsidiem o serviço de quem mora em regiões remotas ou pouco populadas. Cada um que arque com os seus problemas: se quiser morar longe, que pague mais caro ou viva sem internet.
Infelizmente não é bem assim que as coisas funcionam. Primeiramente que de alguma forma os mercados que não são alvos da operadoras precisam ser atendidos pelo menos por telefone, ou seja, a infraestrutura deve ser criada (seja via cabo, fibra ótica, satélite, etc). Em segundo lugar justamente nestas regiões vivem as pessoas que produzem o carro chefe da nossa economia, que são os commodities (grãos, minérios, carne, frutas, etc). Se estas pessoas tiverem que pagar mais por um serviço essencial, muito provavelmente estes custos serão repassados através da cadeia de consumo.
Um outro ponto a se notar é que são justamente estas pessoas que mais necessitam da internet para fins comerciais (uso de banco, compras, etc), já que elas não tem um shopping, uma rede de lojas, um grande mercado, que podem ser acessados facilmente de carro ou mesmo à pé, porém todos os municípios são servidos pelos correios. Uma boa parte do comércio eletrônico deve servir estes municípios que seriam deficitários.
Conclusão
O sitema de internet precisa evoluir para atender às mudanças tecnologicas e de consumo dos usuários. O investimento é alto e as operadoras precisam, de alguma forma, custear este investimento. A maneira de custeio que menos impactaria um número maior de usuários é cobrar de acordo com o uso. Em mercados onde há livre concorrência, no médio para o longo prazo, a tendência é que a maioria das pessoas acabem por pagar menos (e “pagar menos” pode ser consumir mais dados a uma velocidade maior, pagando o mesmo preço ou mesmo um pouco a mais), enquanto uma pequena parcela realmente será impactada de forma maior. O problema está nos mercados/localidades que não são atendidos por mais de uma operadora. Por outro lado, nestes mercados o serviço provavelmente só existe por conta da regulamentação do mercado, ou seja, a internet nestes locais já é barata pois está sendo subsidiada pelos mercados mais atrativos.
Be happy! 🙂