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Na vida a coisa mais feia é gente que vive chorando de barriga cheia

Na Vida a coisa mais feiaEstou usando um trecho do samba Maneiras, do Zeca Pagodinho, pois foi a música que me veio à cabeça quando presenciei duas cenas nas minhas duas últimas viagens.

Em março fui à Salvador e durante um passeio de barco paramos na ilha de Itaparica para almoçar. Na mesa ao lado da minha tinha um grupo formado por um casal carioca já na casa dos cinquenta anos, um cubano (que é médico e vive no Brasil), sua esposa brasileira e mais três uruguaios. Entre uma cerveja e uma caipirinha, naquele cenário paradisíaco, o casal de cariocas puxou o tema política e começou a falar mal da Dilma, usando “argumentos” como “aquela vaca deixou o pais na merda”, “está tudo fudido”, etc.

Em abril fiz uma viagem e passei 2 dias no Panamá. Fomos fazer um City Tour e uma visita ao canal do Panamá e a maioria dos turistas no ônibus eram brasileiros. Tinham 4 casais de São Paulo e em determinado momento resolveram trazer o tema política à tona, também criticando a situação do Brasil, dizendo que estava tudo uma porcaria no Brasil, que estavam pensando em se mudar para os EUA e aquele discurso que temos ouvido e visto aos montes recentemente.

O primeiro ponto aqui é a situação de “saia justa” em que eles deixam os gringos. Político é que nem filho: você pode falar mal do seu, mas ninguém mais pode falar, e da mesma forma que os gringos não gostam que quem não mora no país deles se meta em sua política, eles também não vão ficar se metendo na vida política do país dos outros (e em ambos os casos, os brasileiros estavam querendo “arrancar” à força uma concordância dos gringos).

O segundo, que é o principal motivo deste artigo, é que a pessoa está lá, aproveitando uma praia paradisíaca (no caso da Bahia) ou então gastando em dólares (no caso do Panamá), pagou sua passagem, hotel, passeios, está fazendo compras, dando gorjetas, mas está reclamando que “a situação está uma merda”. É uma incoerência danada que os gringos não conseguem entender. Nem eu!

Creio que desde as manifestações Junho de 2013, cientistas políticos, sociais e mais uma gama de especialistas (e palpiteiros como eu) estão tentando entender o que o brasileiro, especialmente os de classe média e alta querem. Particularmente acredito que estas pessoas idealizaram um país que talvez não seja factível.

Pelas conversas com amigos e pelas opniões vistas pelas redes sociais, aparentemente o brasileiro tem como ideal de país uma Miami em grandes proporções. O problema é que eles conhecem a Miami (ou NY) de férias e imaginam que aquilo é o dia a dia, a vida como ela deveria ser.

Eu também acho que a vida nos EUA e em alguns outros países ao redor do mundo seja boa, mas eu pelo menos entendo que para chegarmos ao nível de qualidade de vida (que ao final é o que importa) que estes países têm temos que criar uma sociedade mais igualitária e justa, só que isto consequentemente se traduz em eliminação de alguns privilégios que boa parte destas pessoas que clamam “por um Brasil melhor” hoje em dia detêm. Antes de continuar vamos dar uma olhada em algumas informações que eu compilei sobre a distribuição de riquezas produzidas em alguns países:

Piramide

No Brasil, os 20% mais ricos (cujas familias vivem com pelo menos R$ 4500,00 mensais), e nesta faixa se incluem eu, meus amigos e a maioria dos “bate panelas”, ficam com mais da metade de todas as riquezas que são produzidas no país no decurso de um ano, 25% a mais do que nos EUA e cerca de 40% a mais do que na Alemanha e Dinamarca.

Na base da pirâmide, os 20% mais pobres (que vivem com menos de R$ 2000,00 mensais por família) repartem entre sí pouco mais de 3% da riqueza produzida no país. A camada mais pobre no Brasil fica com 40% menos do “bolo”, se comparado com os EUA e com menos da metade do que as camadas mais pobres da Alemanha e Dinamarca. Esta diferença também acontece, mais ou menos na mesma proporcionalidade, no restante da população, as conhecidas “classes médias”.

Esta grande desigualdade é a razão de vários confortos (e até luxos) que as classes mais abastadas têm no país. Na Europa e nos EUA é difícil imaginar uma família de classe média, mesmo classe média alta, com um empregado doméstico fixo por mês (quem dirá 2 ou 3!). Mesmo empregados domésticos eventuais (as conhecidas “diaristas”) são coisa rara nos países ditos de primeiro mundo. Nestes países as pessoas simplesmente limpam suas casas, lavam suas roupas e criam seus filhos. Isto porque as pessoas mais pobres não são tão pobres como no Brasil e não se sujeitam à receber alguns trocados por um dia de trabalho como acontece aqui, o que possibilita até que a classe média baixa possa usufruir do trabalho de uma diarista ou de alguém que lave e passe roupa.

Só que nem tudo são flores, isto também é a causa de vários problemas. Um deles é a violência: enquanto no Brasil a quantidade de homicídios por milhões de habitantes no período de um ano é de 210, nos EUA este número é de 42 homicídios e na Alemanha e Dinamarca de menos de 9.

E não adianta falar que o problema da violência é somente um problema da justiça, porque infelizmente não é (se fosse seria fácil de resolver) e muitos dos problemas do país (além da violência, produtividade da indústria nacional, corrupção, etc) estão totalmente ligados às nossas diferenças sociais (que em boa parte é causada pelo nosso sistema educacional precário).

Então é bom esta galera que está fazendo protesto “contra tudo o que está aí”, primeiramente começar a pensar no que eles realmente querem e no que eles estão dispostos a abrir mão para ter o que eles querem. O problema é segurança? Precisa passar por uma distribuição mais equilibrada das riquezas geradas no país e invarialmente isto vai gerar alguns “desconfortos” para as classes mais abastadas.

O problema é corrupção? Isto só se resolve com bom nível de educação e aumentar o nível de educação invariavelmente leva a uma redução das diferenças sociais. O problema é o nível de produção de riqueza do país como um todo? A produção de um país só cresce aumentando-se o nível de educação, um nível maior de educação leva a uma redução das diferenças e reduções de diferenças levam a perda de privilégios de classes abastadas.

Da próxima vez que estas pessoas pensarem em se mudar para “um país melhor que o Brasil” ou então exigirem mais segurança, menos corrupção, um salto de produtividade, elas também devem considerar se estão dispostas a lavar a própria roupa, fazer a própria comida, limpar a própria casa, criar elas mesmas os seus filhos e colocar tudo isto na balança. Talvez a conclusão seja que o Brasil não é um lugar tão ruim assim de se viver.

Be happy! 🙂

Haddad, o namoradinho de São Paulo

FotorCreatedNo recente artigo “O Lulo-Petismo e as relações amorosas” eu fiz um paralelo entre a relação do brasileiro com política (em especial com o PT) e os relacionamentos amorosos. Até expliquei um pouco do meu caso com o PT e da “traição” que sofri quando o PT chegou ao poder e, além de se aliar com o que de mais nefasto existe na política brasileira, rasgou toda a sua história e junto o seu discurso de ética.

Minha decepção com o governo Lula/PT (é impossível dissociar a imagem do PT da do Lula e creio até que quando o Lula morrer o PT começa a morrer junto) começou até antes do estouro do escândalo do mensalão, pois entendo que ali naquele momento o PT tinha um capital político para “bater de frente” com a tal da velha política (PMDB e PFL, atual DEM, mais especificamente) e não precisaria se alinhar à nenhum deles. Até porque, se fossem feitas algumas reformas que até hoje são tão necessárias, o próprio PSDB, que ao contrário do PT nunca fez oposição inconsequente (até agora né!), iria apoiar. Mas não, o PT chegou lá e simplesmente preferiu “jogar o jogo”, quando o discurso durante toda a sua trajetória era de que era justamente uma opção ao tipo de política que se praticava e ainda se pratica no Brasil.

Ai depois vieram outros fatos, como o próprio escândalo do mensalão, que me fizeram “desapaixonar” (o que eu tinha pelo PT não era bem uma paixão, mas vou usar este termo assim mesmo). Nas eleições de 2006, ainda “magoado” eu votei pela primeira vez contra o PT para quase todos os cargos (para senador ainda continuei votando no Suplicy). Em 2010, passada a “raivinha” e agindo com mais razão do que emoção, eu simplesmente fui viajar nos dois turnos da eleição e justifiquei. E garanto que não fiquei com nenhum peso na consciência por não ter “exercido meu dever cívico”.

Eu simplesmente achava que nenhum dos postulantes (Marina Silva inclusa) merecia meu voto e preferi me abster, pois não seria o caso nem de “escolher o menos pior”, eram todos, no meu ponto de vista à época, horríveis, e o que viesse daria na mesma.

Porém, confesso que os primeiros meses de mandato da Dilma me surpreenderam positivamente (até porque eu não tinha expectativa nenhuma criada). Agindo mais como “administradora” e menos como “política” e de maneira pragmática, até imaginei que se tratava de um “boi de piranha” que o PT tinha lançado para implementar algumas medidas impopulares (as tais reformas). Porém, no decorrer do mandato, talvez muito por influência do próprio partido, que não quer correr o risco de ficar de fora do poder, ela foi mudando de comportamento e passou a “jogar o jogo”, tomando medidas bastante populares, mesmo que inócuas, quando não danosas mesmo, afim de manter sua popularidade, sua base no congresso e as benesses dos companheiros e do próprio partido (quem duvida que o PT montou uma máquina que suga recursos do Estado para ser utilizado em campanhas com o intuito de se perpetuar no poder, ou é cego, ou é burro ou é conivente, não que outros partidos à partir de agora, seguindo o mau exemplo, farão diferente).

Nas eleições municipais de 2012 em São Paulo, com as opções de Fernando Haddad, José Serra e Celso Russomano, voltei a votar no PT no primeiro turno, mas na verdade era um voto contra o Celso Russomano (acho ele um dos políticos mais detestáveis que existem, o apoio da Universal foi só a “cereja do bolo” para eu votar contra ele) e no segundo turno, pela primeira vez na vida eu anulei meu voto (minha primeira eleição tinha sido em 1996).

Mas entendo que a gestão de Haddad nestes dois anos à frente da cidade vem me surpreendendo positivamente ao ponto de eu considerá-lo como o melhor prefeito de SP desde a Luiza Erundina (que é o que eu consigo analisar, antes disto eu era muito novo) e, em caso de uma candidatura dele à reeleição eu tenderia a votar nele.

Primeiramente eu fiquei supreso e contente com a montagem das suas secretarias. Ele jogou bem o jogo político ao entregar secretarias para partidos que inclusive haviam concorrido contra ele na eleição, porém, ao contrário do que a Dilma fez nos seus ministérios, ao apenas esperar as indicações de cada um dos partidos para o preenchimento destas vagas, o que invariavelmente acaba sendo uma escolha política, ele mesmo definiu quais políticos de cada um deles iria ocupar quais secretarias e assim pode colocar pessoas ligadas às respectivas áreas de cada secretaria, ou seja, ele conseguiu realizar um movimento político sem deixar de lado a questão técnica da coisa. Com isto e com o fato do PSDB não fazer oposição inconsequente, ele praticamente conseguiu unanimidade na câmara.

Com as subprefeituras aconteceu a mesma coisa: ele nomeou pessoas das regiões que já eram envolvidas com a política do bairro e eram lideranças nestes bairros, independente do partido a que fossem filiadas ou aliadas.

É claro que isto acabou gerando um isolamento dele dentro do próprio partido, já que os militantes e correligionários esperavam ser agraciados com secretarias e subprefeituras.

Outra coisa muito interessante que ele implementou são as audiências públicas realizadas para tratar de diversos assuntos, desde a mobilidade urbana até o plano diretor recentemente votado e aprovado. Ainda criou os conselhos populares nos bairros, onde um cidadão comum pode se tornar membro deste conselho, através de eleições diretas, e participar da tomada de decisões e da fiscalização das atividades da respectiva subprefeitura. Isto é um passo rumo à uma democracia participativa (o povo participa mais ativamente, através de conselhos, comissões, referendos, etc) que atende melhor e com mais rapidez os anseios e necessidades do povo em relação à democria representativa (aquela onde o povo apenas escolhe os seus representantes e estes decidem sozinhos pelo povo). Um adendo: o tal “decreto  bolivariano” nada mais era do que uma política nacional para a democracia participativa, que já acontece em vários países, como EUA, Alemanha, Canadá e Austrália, ou seja, não era tão “bolivariano” assim.

Mas o que mais tem me impressionado na sua gestão é o enfrentamento dos problemas da mobilidade urbana e da ocupação pública, que creio serem os principais problemas enfrentados hoje na cidade e que se encontram na alçada da prefeitura (o problema de segurança é de alçada do estado).

O próprio plano diretor é um grande avanço da sociedade em contraponto aos interesses da especulação imobiliária, já que agora privilegia-se uma ocupação mais inteligente das poucas áreas ainda disponíveis para a construção de empreendimentos imobiliários. A criação de novos parques e o incentivo do uso do espaço público durante seu mandato também têm sido louváveis. Chegamos ao ponto de termos vários ótimos shows e eventos acontecendo ao mesmo tempo em várias partes da cidade e tenho notado que o paulistano está aprendendo a trocar o shopping pelo parque como forma de lazer.

Além disto, havia a necessidade de se mudar a lógica do privilégio do carro na cidade e ele teve a coragem de mudar esta lógica com a ampla implementação dos corredores de ônibus e ciclofaixas. Alguém pode dizer que faltou planejamento, mas são tantos os interesses envolvidos que se ele fosse sentar e discutir com todos os atores era capaz de terminar o mandato sem ter conseguido implementar nada. Além do mais, quando se mexe com uma mudança de cultura, as vezes é melhor usar uma tática “big bang” (muito usada em implementação de sistemas e processos em empresas), ou seja, implementa e depois vai corrigindo, afim de remover as resistências.

É claro que ele vem enfrentando muita resistência, especialmente por quem está sendo afetado por estas mudanças e está sendo obrigado a sair da zona de conforto, porém a aprovação das faixas de ônibus e bicicletas é bem alta, o que gera uma situação inusitada, que são as ações do prefeito terem alta taxa de aprovação, porém o próprio prefeito não ter uma aprovação alta, mas creio que isto se explique pela própria resistência ao PT (falei disto no artigo anterior também) e pelo fato de que as ações no âmbito federal acabam “respingando” na administração Petista na capital.

É claro que ainda falta muita coisa, como por exemplo, enfrentar com mais vemência o uso privado do espaço público (o estacionamento em vias onde circulam ônibus deveria ser terminantemente proibido!) mas tenho notado que São Paulo deu um passo, ainda tímido, na direção do que eu imagino ser uma cidade mais habitável.

Mas (e sempre tem um mas) eu só fico assustado com uma certa “beatificação” do Haddad. Eu vejo nas redes sociais que qualquer ação que o prefeito toma vira motivo de exaltação, quando na verdade ele não está fazendo mais do que a obrigação e ao invés deste endeusamento, seria mais eficaz cobrar dos outros políticos ações iguais. Eu sou da opnião que político deve sempre ser visto com desconfiança, pois se ele em algum momento se sente confortável no cargo, é uma oportunidade de surgirem os corruptos e déspotas que sempre temos visto no país.

Update:
Eu já tinha terminado o texto quando algumas ações da prefeitura no meu bairro aconteceram e algumas notícias pipocaram na mídia, então para não ter que rever todo o texto vou colocar como update.

A primeira situação diz respeito ao combate do uso privado do espaço público. Na semana passada foi proibido o estacionamento em horário de pico em uma das principais vias da Freguesia do Ó, bairro onde moro, e o impacto positivo no trânsito já foi sentido. Poderia ter colocado faixa de ônibus e durante o dia todo, já que basicamente a avenida é usada como estacionamento pelos comércios locais ou como vitrine para várias agências de carro. Mas já é um começo e um ponto a mais para o Haddad.

Agora a segunda vai de encontro ao fato que eu havia citado de que o Haddad não havia distribuido cargos por motivos políticos. Desde semana passada ocorreram várias nomeações políticas: primeiro três amigos de seu filho ganharam cargos de assessores. Depois foi a vez dele convidar o Gabriel Chalita (PMDB), o Eduardo Suplicy (que não conseguiu se reeleger para Senador) e o Alexandre Padilha (que havia concorrido ao governo do estado de São Paulo) para cargos em secretarias, visando as eleições do ano que vem.

Todos eles podem ser muito competentes (não penso em um nome melhor do que o do Suplicy para a secretaria de Direitos Humanos), mas vale aquele ditado: “À mulher de César não basta ser honesta, tem que parecer honesta”. Apesar disto, o saldo de seu governo ainda é positivo, mas acho que ele mandou muito mal e podia se reeleger sem “apelar”. 

Cotas: a necessidade, os prós e os contras

Level Playing Field 1

Quem alguma vez na vida já jogou futebol na rua, sabe o quanto é importante, na hora do par ou impar, escolher o campo e, em se tratando de uma subida (ou descida, depende do ponto de vista), estar na parte mais alta. Quem joga na parte de cima, além de ter a vantagem de se cansar menos, ainda conta com a ajuda da gravidade, tanto em benefício do ataque, quanto em benefício da defesa, ou seja, o desnível do campo pode favorecer ou desfavorecer determinado time.

Os americanos costumam utilizar a expressão “level playing field” (campo de jogo “equalizado”) para descrever situações onde os “competidores” (sejam no esporte, nos negócios ou na vida acadêmica) têm as mesmas regras, as mesmas oportunidades e o mesmo ponto de partida. É claro que, usando o esporte como exemplo, um atleta pode ter um patrocínio maior e ter mais disponibilidade, para por exemplo, adquirir equipamentos melhores, porém, deve existir um ponto de partida mais equalizado para que a competição não se torne injusta (as divisões por peso e idade nos esportes de luta, por exemplo).

(Antes de continuar, um aparte: eu não gosto muito de utilizar experiências pessoais negativas, pois fica parecendo que é “choro de perdedor” ou que eu estou me fazendo de coitadinho, o que não é o caso. As usarei aqui somente para ilustrar minhas idéias)

Quando no último ano de faculdade, em 2002, já com 25 anos (por diversos motivos não pude cursar uma faculdade antes, aliás, até comecei uma com 19 anos e não pude continuar), fui atrás de estágio, eu senti na pele como pontos de partida diferentes influenciam na vida de uma pessoa. Eu me candidatei para inúmeros estágios, nas mais diversas empresas, especialmente as grandes (era um sonho fazer carreira numa grande empresa).

Porém, quando eventualmente era selecionado para participar do processo seletivo (fato raro), eu entrava na disputa como um azarão. Seja porque os outros “competidores” tinham estudado em colégios de renome (fiz o primeiro e segundo graus em colégios estaduais), seja porque eles puderam ter acesso às melhores faculdades (que ou eram públicas, e apesar de eu achar que estudando com afinco conseguiria uma vaga, eu não poderia deixar de trabalhar para estudar, ou eram mais caras do que a faculdade que eu pude pagar) ou mesmo porque tiveram experiência internacional, sabiam falar 2 idiomas além do português, entre outras coisas.

No final das contas eu fui fazer estágio em uma pequena consultoria de tecnologia, muito mais porque eu tinha um background profissional na área em que eles estavam precisando (e muito porque quem tinha o melhor curriculum, preferia as empresas maiores e de renome).

Por estes motivos, e por achar que a função maior do Estado é proporcionar qualidade de vida aos seus cidadãos, e que, qualidade de vida passa por oportunidades de desenvolvimento, eu entendo que o Estado deve sim interferir para corrigir injustiças e erros, que muito provavelmente foram causados por ele mesmo, e que irão influir no futuro dos cidadãos (e consequentemente da própria nação). Já deixei isto claro no meu artigo de estréia na Feedback Magazine.

Level Playing FieldEu comecei com esta história como um “gancho” para falar do assunto principal do artigo. Há algumas semanas vi algumas pessoas compartilhando a notícia de que a CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) da câmara dos deputados aprovou uma cota de 20% das vagas para negros em concursos federais. A notícia quase passou despercebida pois as pessoas estava mais preocupadas com a votação do Marco Civil da Internet (Ok! Atualmente, pra muita gente, a Internet é mais importante do que pessoas), porém, pelas poucas pessoas que compartilharam e discutiram sobre o assunto, o que eu mais notei foram extremismos. Tinha quem é contra toda e qualquer cota, pois entendem que, independente de qualquer coisa, as pessoas têm que se esforçar para conseguir algo (talvez elas também achem que as paraolimpíadas sejam uma bobagem e, quem quiser competir, que o faça entre os atletas “normais”). Também tinha quem era totalmente à favor, pois o Estado deve corrigir injustiças do passado. Não vi ninguém discutindo a forma como esta compensação/correção é feita, o que para mim é o maior erro.

Como disse anteriormente, não sou contra estas compensações, porém eu discordo da forma com que elas são feitas atualmente e, principalmente da justificativa.

A principal justificativa para a implementação das cotas raciais (pior que o conceito de raça nem é mais utilizado, e sim o de etnia) é corrigir o mal que foi causado aos negros por conta da escravidão.

Agora eu volto a outra história pessoal. Eu nasci e cresci nas periferias de São Paulo (e até da Grande São Paulo). Meu pai é de Sergipe e também filho de nordestinos, sendo que sua mãe tinha ascendência européia e seu pai era índio. Minha mãe nasceu no interior de São Paulo, sua mãe também tinha ascendência européia (até onde eu sei portuguesa) e seu pai, ou seja, meu avô materno, era um mulato originário da Bahia. Sim, apesar da minha tez branca e jeito europeu, eu sou decendente de índios e negros.

Meu avô, como todos os negros no Brasil, sofreu com falta de oportunidades para estudar (ele era semialfabetizado) e para arrumar emprego (ele trabalhava de segurança noturno), ou seja, ele herdou todos os problemas causados pela escravidão no Brasil. O mesmo aconteceu com o meu outro avô, que herdou todos os problemas (extermínio, escravidão, migrações forçadas, etc) que os índios sofreram na colonização do nosso país. Pois bem, se a justificativa para as cotas raciais é corrigir o grave erro da escravidão no Brasil, como seria possível mensurar que impacto a situação dos meus avôs influenciou a do meu pai (que era torneiro mecânico) e da minha mãe (que cursou até a quarta série e é costureira até hoje) e consequentemente a minha? Será que eu nasci e me criei na periferia, tendo que estudar em colégios público (no meu caso, o famoso “Malocão”, cujo lema extraoficial era “Entra burro e sai ladrão!”), porque meus avôs também não tiveram oportunidades? De que forma seria possível identificar algum impacto disto na minha vida e fazer com que eu também fosse compensado?

Não sou idiota a ponto de falar que eu entendo o que um negro sente quando é preterido de algo, ou mesmo ofendido, por causa da cor da sua pele, apesar de ter presenciado muitos casos (até hoje!), inclusive na família. Mas eu entendo que, apesar da maior parte da população de baixa renda e que, consequentemente, não têm o mesmo “ponto de partida” dos mais abastados, ser formada por negros, existem também muitas pessoas de outras etnias (os índios, como meu avô e boa parte do pessoal do norte e nordeste), que também não puderam ter acesso às mesmas oportunidades. E ai eu entendo que as cotas apenas raciais acabam criando uma “exclusão entre os excluidos” ou uma “inclusão seletiva”, pois o “baiano” (para quem é de São Paulo, ou “paraiba” pra quem é do Rio), que já teve oportunidades negadas no seu nascimento, novamente é colocado de lado em prol de outra “minoria”.

Mas o que mais me incomoda realmente é que estes mecanismos de ajustes são o remédio para o sintoma. E todo mundo fica discutindo como tratar ou não o sintoma enquanto se esquecem da causa do problema. O Brasil já tem um histórico de, pelo menos, 20 anos de uso de dispositivos sociais para diminuir as diferenças e injustiças, que têm sim sua efetividade, porém não vemos uma melhora nas causas do problema, especialmente no que tange à educação (já falei disto em um outro artigo meu).

Eu acho sim que devem existir dispositivos (auxilios, cotas, benefícios, etc) afim de corrigir injustiças do passado e erros que o Estado tenha cometido. Porém, estes dispositivos devem ser muito bem pensados, para que não acabem criando mais injustiças. E o principal: eles devem ser um paliativo enquanto a causa do problema não é solucionada, sendo que esta sim, é que deve demandar a maior parte dos esforços.

E não estou advogando em causa própria, já que eu já estou formado, pós graduado, trabalho numa grande empresa multinacional e consegui, apesar dos pesares, conquistar um certo nível de conforto.