Arquivo anual: 2017

Cerveja, Alemães e Juiz de Fora – Alexandre Hill Maestrini (05/2017)

Quando conheci Juiz de Fora, no ano passado, eu fiquei impressionado com o movimento de cervejeiros artesanais na cidade. Diferentemente de São Paulo, onde excetuando-se alguns “dinossauros” (como o Frangó), o circuito de cervejas especiais se concentra em bares novos que nasceram especificamente para o ramo, enquanto os bares mais antigos parecem não aderir à nova “onda”, preferindo se concentrar nas cervejas comerciais já famosas, em Juiz de Fora voce encontra cervejas artesanais / especiais convivendo em perfeita harmonia com as cervejas comerciais, tanto em bares novos quanto em bares antigos.

Ponto para a diversidade e a ausência de “frescura” em querer dividir os consumidores entre “os seres iluminados que bebem puro malte” e a “ralé que toma SAL (Standard American Lager) estupidamente gelada”. Acho que já falei isto aqui, mas vale a repetição: cada um bebe aquilo que lhe convier, no momento em que lhe convier. Eu gosto de tomar IPAs, APAs e Witbiers, mas se eu estou numa praia no nordeste, sob um sol de 40 graus, aquela “cerveja de milho” estupidamente gelada e que desce que nem água é mais adequada ao momento e ao próposito (de matar a sede, de refrescar e, por que não, embriagar) do que uma Imperial IPA. E parafraseando o amigo e cervejeiro Cadú Zamoner: tem cerveja puro malte ruim e tem cerveja com aditivos boa.

Então, quando visitei a cidade, fiquei muito contente de poder tomar algumas especiais na Timboo e na Antuérpia, como tambem apreciar algumas cervejas diferentes no Bar do Bigode e no Bar do Leo, intercaladas por Originais ou Serramaltes.

O autor resgata no livro, além da história do recente renascimento da cultura cervejeira juizforana, um pouco da história do passado cervejeiro da cidade, ligado à migração alemã (lembrando que à época as fronteiras na Europa eram bem diferentes) que ocorreu para a cidade em meados do século XIX. Importante notar a ligação da recente onda de cervejarias/cervejeiros, que ocorreu justamente quando da instalação de uma planta da Mercedez Benz na cidade, que trouxe uma outra onda migratória de alemães para a região.

O livro tem ares de trabalho acadêmico, e a maior parte do conteúdo se refere a um mapeamento das cervejarias e cervejeiros locais e suas histórias. Portanto não é um livro de leitura fluida e talvez não aguce o interesse de quem não tenha uma ligação com a cidade ou não tenha interesse na cultura cervejeira.

Mesmo tendo o foco neste mapeamento da historia e da atual onda cervejeira, acho que ficou faltando algumas informações. Uma breve introdução contando a história da cerveja (como eu fiz neste post) seria interessante para os principiantes (o livro Cerveja, Brejas e Birras também serviria como um introdutório). Tambem teria sido interessante descrever um pouco do processo de produção, já que ao longo do livro, vários termos (como rampas, recirculação, priming, airlock, entre outros) aparecem e podem deixar os novatos um pouco perdidos.

Um ponto que se nota bastante no livro é a famosa burocracia brasileira, que impede que os cervejeiros artesanais possam comercializar seu produto, mesmo quando produzido em pequena escala, como produto artesanal que é. Poderiam estabelecer algumas regras mais simples para pessoas que comercializam, sei lá, até 100 ou 150 litros por mês. Afinal de contas, exigir todo um processo industrial para permitir que os produtores comercializem acaba por retirar o caráter artesanal.

Mas acho que a maior falha do livro acontece justamente ao cair no erro de “classificar” cerveja artesanal e/ou puro malte como cerveja boa e querer colocar as cervejas industriais / comerciais como produtos ruins. Primeiro que “bom e ruim” são conceitos subjetivos e pessoais. Não dá para falar para alguém que gosta de tomar Brahma que ela e uma cerveja ruim. No máximo pode-se falar que você não gosta de Brahma, mas para aquela pessoa que aprecia, ela é uma boa cerveja. Não se pode querer medir todo mundo com sua própria régua.

E quando se incorre neste erro (de querer elevar as “puro malte” como única cerveja “de verdade”), geralmente acaba-se apelando para a Reinheitsgebot, a famosa lei da pureza alemã, para “avalizar” que cervejas puro malte são as “verdadeiras cervejas”. Primeiramente que a famosa lei tinha um caráter mais econômico do que de busca da qualidade. Segundo é que ela ja não existe há algum tempo como lei, apesar de ainda ocorrer na prática na Alemanha (as grandes cervejarias alemãs ainda produzem segundo a lei, mais por costume do que por obrigação). Até tem surgido algumas ondas de cervejeiros inovadores, especialmente em Berlin, que não seguem a lei. Terceiro que alegar que cerveja é so “agua, malte e lúpulo (e fermento)” acaba por desprezar a criatividade da escola belga (com suas fruit beers) e da recente escola americana (com suas misturas e invenções), sem falar das rice beers japonesas, além de limitar o próprio potencial cervejeiro brasileiro, já que, como um pais de dimensões continentais e com uma flora bastante diversa, o país oferece inúmeras possibilidades de matérias primas para inovar e, quem sabe, fazer o país se tornar uma escola cervejeira relevante.

Be happy 🙂

Eduardo e Marina: mais do mesmo – #tbt

Originalmente publicado na Feedback Magazine, em 14 de Outubro de 2013. As opniões do texto não refletem, necessariamente, a minha opnião atual, já que eu sou um ser em constante evolução e que prefere “ser esta metamorfose ambulante, do que ter aquela velha opnião formada sobre tudo”.


 

Devido ao meu ceticismo, acompanhei de longe (porém, com otimismo!) as já tão comentadas manifestações de junho por todo o Brasil. Muitos meios de comunicação, sociólogos, cientistas políticos, entre tantos outros, tentavam entender o que estava acontecendo, ou seja, o que estava por traz dos 20 centavos.

Acabei apelidando o movimento de “Marcha dos Descontentes”. As pessoas que estavam ali compunham toda a diversidade do povo brasileiro, em credos, ideologias políticas, classes sociais, etc. Por tratar-se de uma massa tão heterogênea, não havia um ponto específico em comum que seria o desejo, porém, estava muito claro o que todas aquelas pessoas não queriam. Não queriam a continuidade do modelo político atual, que apesar de ser democrático, permite que, com o devido conhecimento do processo, determinados grupos se perpetuem no poder, mesmo sendo estes grupos adversários ideológicos. Queriam também que os políticos brasileiros trabalhassem, como seria natural, em prol da população, e não em prol de interesse deles mesmos e de uma pequena minoria.

Usando como “amostra” amigos meus que participaram dos movimentos, notei esquerdistas radicais que se desiludiram com o movimento de centralização do PT (e também, por incrível que pareça, do PCdoB), esquerdistas moderados também desiludidos com o PT por conta do sepultamento do discurso da ética na política, sociais democratas descontentes com a movimentação rumo à direita do PSDB, direitistas descontentes com as alianças entre alguns de seus representantes (PP por exemplo) com o PT, entre tantos outros.

Marcha dos descontentes e não representados.

Notei uma grande semelhança desta massa com os quadros do movimento Rede Sustentabilidade, encabeçado pela Marina Silva, mas que conta com nomes como Walter Feldman (PSDB), Heloísa Helena (ex PT e PSOL) e Alfredo Sirkis (PV). Apesar de entender a opção da Rede de não se envolver diretamente como movimento, já que as manifestações estavam querendo se desvincular de partidos políticos (e até hostilizando membros de partidos), eu achei, na época, que seria uma boa oportunidade para ambos (a massa e o movimento Rede) afinarem discursos e criarem uma identidade político-ideológica (mesmo que isto gerasse divisões na hora do movimento virar partido, justamente por conta de ideologias totalmente distintas).

Também tenho acompanhado o movimento Rede Sustentabilidade desde o começo deste ano. A parte do manifesto da Rede que mais atraiu minha simpatia, foi a que trata do jogo político atual, ao qual à Rede se opunha, especialmente no que tange ao fisiologismo puro, ou seja, o abandono de sua ideologia em função apenas do poder. (Quem pensaria, há alguns anos atrás, em ver o PT se unindo a Paulo Maluf, por exemplo?)

Por ser um movimento novo, que ainda nem é um partido, e por ter uma identidade ainda em formação, como citado acima, não compreendia a pressa em se tornar partido e lançar candidatos na eleição do próximo ano, já que, como o próprio discurso diz, o movimento ia contra o “poder pelo poder”.

Qual não foi minha surpresa (e decepção) quando, no dia 02 de outubro, Marina Silva anunciou sua filiação ao PSB e a disposição de ser vice de Eduardo Campos, na próxima corrida presidencial, levando consigo a votação impressionante obtida na última eleição e seu bom desempenho nas pesquisas de intenção de voto para 2014.

À exemplo do que aconteceu com o PT, a Rede mostrou, mais uma vez, que o que move os partidos e os políticos (e aqui podemos generalizar, já que se trata da ampla maioria), ao invés de ideologias e um projeto de nação, é apenas o poder e projetos de poder. Infelizmente, acabo tendo que concordar com alguns estrangeiros que têm mais conhecimento do Brasil quando dizem que “o Brasil é o país do futuro. E sempre será!

Em tempo: o rompimento do PSB com o governo, a união deste com a Rede e a comemoração do fato pelo PSDB me lembrou muito o livro 1984. No clássico de George Orwell (imperdível, assim como A Revolução dos Bichos, outro clássico do autor), o mundo era dividido em três mega potências: a Eurásia, a Lestásia e a Oceania. Estas três potências alternavam entre si os aliados e inimigos: ora a Eurásia e a Lestásia se uniam em guerra contra a Oceania, no momento seguinte o inimigo comum da Oceania e da Lestásia virava a Eurásia, e assim sucessivamente, mantendo o mundo em um estado constante de guerra.

O inimigo a ser batido no momento é o PT e os demais se uniram para isto, mas não duvido nada que, num futuro próximo, PT e PSDB se unam em âmbito nacional (em níveis regionais já ocorreu) para derrotar o PSB e/ou a Rede, ou qualquer outro bloco que venha a surgir.

P.S.: O título deste texto me ocorreu devido à duas músicas da Legião Urbana: Eduardo e Mônica, do disco Dois, e Mais do Mesmo, do disco seguinte, Que País É Este? (pergunta que também poderia servir de título para este texto).

Be happy! 🙂

Dexter is Dead – Jeff Lindsay (04/2017)

Depois dos acontecimentos ao final do último livro, Dexter se encontra, finalmente, atrás das grades. Mas ironia do destino: desta vez por crimes que ele não cometeu. Além de preso, ele se vê abandonado pelos “amigos” e pela família, ficando perdido nas entranhas do sistema. E o único que se dispõe a ajudá-lo é seu irmao, Brian. Só que Brian também está envolvido em problemas tão grandes (ou até maiores) que os de Dexter e o preço desta “pequena” ajuda pode sair muito caro para o nosso querido anti-herói.

Não sei se é um recurso literário esta tática de enrolar bastante no início do livro e depois criar um êxtase fazendo as coisas correrem mais depressa do meio pro final (assim como começar com capitulos curtos e ir alongando durante o decorrer do livro), mas isto sempre me incomodou (inclusive no Stephen King, meu autor favorito). Se é um recurso literário, desta vez o Jeff Lindsay exagerou: quase 80 páginas (um quarto do livro) para descrever a monótona rotina do Dexter na cadeia.

Parece que ele tinha que bater uma meta de quantidade de páginas para poder vender o livro como um romance ao invés de classificar como um conto. Além do Lindsay parecer estar de saco cheio e cumprindo a obrigação de escrever o livro.

Talvez seja o pior da série, mas ainda assim ficou bem mais digno do que o final da série televisiva.

Para quem acompanhou toda a saga, vale para encerrar o ciclo, sem apresentar muitas surpresas e sem ser um ótimo livro.

Be happy 🙂

Wanderlust #35 – Washington, District of Columbia (2/51), Estados Unidos

Como havia falado no post de Baltimore, ao invés de ficarmos em Washington para o Thanksgiving, acabamos decidindo por fazer apenas um “day trip”, já que a cidade fica a cerca de uma hora de Baltimore. A decisão de ficar em Baltimore foi boa, como já comentado, mas acho que fazer apenas um bate e volta pra Washington não foi suficiente. Valeu a pena, claro, mas estando lá descobrimos que valeria a pena dispender mais tempo na cidade.

Como provavelmente voltarei à cidade e farei outro post, não me estenderei muito neste.

Assim como aconteceu no Brasil em relação a Brasília, a cidade de Washington (e todo o distrito de Colúmbia) foi criada já com o intuito de servir como capital do país. O ato que estabeleceu a criação, de 1790, também já instituiu a localização (às margens do rio Potomac) e, com a doação de terras pelos estados de Maryland e Virginia, estabeleceu-se o local atual. O ato também serviu para definir a organização política da cidade e do distrito em sí. Apesar de ter um prefeito, o congresso americano é quem tem a palavra final sobre qualquer lei da cidade. O Distrito também tem um deputado (apenas um), porém não tem senador.

A semelhança com Brasília vai além da idéia de uma cidade independente para servir de capital: a disposição dos prédios públicos nas duas cidades é bem parecida. Existe um parque contínuo (National Mall), equivalente à Esplanada dos Ministérios. Ao longo desta “esplanada” se concentram os ministérios e muitos museus. A diferença é que ao invés dos poderes se concentrarem em apenas um dos extremos, o Congresso americano se concentra em um dos extremos, enquanto no outro extremo se encontra a Casa Branca. Nas vias paralelas à esta esplanada ficam diversos outros órgãos, como o departamento de justiça, o FBI, etc.

Além de passearmos por esta esplanada, apenas demos uma volta por downtown, mas não deu pra vermos muita coisa.

Pretendemos voltar para passarmos um tempo maior, então, provavelmente num futuro (nem tão próximo), faça um post mais completo.

Observações, dicas e considerações:

  • É impressionante como existe a cultura de visitar museus nos EUA. Todos os vários museus ao longo da National Mall apresentavam filas gigantescas.
  • Fiquei impressionado com a quantidade de food trucks. Talvez porque na National Mall não tenha muitos locais para comer (precisa sair para as paralelas ou as transversais para encontrar restaurantes), a “esplanada” toda é tomada por food trucks. E quando eu falo “tomada” eu quero dizer pelo menos uma centena deles!

Be happy 🙂

The White House (os fundos!)

Downtown

Uélito em Uóshitu!

A Riqueza Na Base da Piramide e o Bolsa Familia – #tbt

Originalmente publicado na Feedback Magazine, em 28 de Setembro de 2013. As opniões do texto não refletem, necessariamente, a minha opnião atual, já que eu sou um ser em constante evolução e que prefere “ser esta metamorfose ambulante, do que ter aquela velha opnião formada sobre tudo”.


Em 2005, um professor (já falecido) de Harvard, chamado CK Prahalad, lançou um livro chamado “A Riqueza na Base da Pirâmide”. A teoria dele basicamente diz que quanto mais a população pobre de determinado país (que são sempre a maioria da população) têm acesso ao mercado de consumo, mais isto gera riquezas para todos os extratos da sociedade e para a nação como um todo. Baseado nesta tese, ele diz que as empresas podem ajudar as pessoas em benefício próprio futuro. Um grande exemplo brasileiro, estudado por Prahalad, é o senhor Samuel Klein e suas Casas Bahia, que tem como público alvo as classes mais baixas.

Apesar de não citar explicitamente, a teoria dele faz contraponto à Mais-Valia descrita por Marx, já que, se as classes que controlam os meios de produção aumentarem a sua margem ao ponto de remover seus empregados do mercado de consumo, simplesmente irá extinguir este mercado de consumo.

Em 2009 estávamos discutindo as teorias de Prahalad em uma aula da minha pós-graduação e resolvi fazer a relação entre estas teorias e o principal programa social do governo Lula/Dilma, o Bolsa Família.

Assim como o PT demonizou as privatizações (E agora recorrem à ela!), a direita (a linha hoje é tão tênue que fica complicado utilizar conceito de direita e esquerda no Brasil) também tenta demonizar o principal programa do Lula.

O Bolsa Família é uma junção de várias bolsas (escola, gás, entre outras) que nasceram primeiramente no Distrito Federal, através do seu então governador Cristovam Buarque, em meados da década de 90. Depois foi levado ao âmbito nacional durante o primeiro governo de Fernando Henrique, através de uma proposta do senador Eduardo Suplicy.

Quando Lula se elegeu, ele unificou as bolsas em uma só e aumentou bastante a abrangência do programa.

O Bolsa Família tem três funções primordiais:

  1. Melhorar a distribuição de renda, diminuindo as diferenças;
  2. Combater a fome;
  3. Evitar o trabalho infantil e a evasão escolar.

O valor da bolsa é pensado de uma forma que supra as necessidades básicas de uma família, mas ao mesmo tempo não permita acomodação ou luxos. Ao contrário do que dizem, o valor não é “por cabeça” e existe a contrapartida das crianças estarem na escola (aí caímos no outro problema da educação básica, mas é assunto para outro texto).

O valor é em dinheiro, centralizado, através de um cartão benefício, por alguns motivos:

  • Problemas de logística: imaginem centralizar cestas básicas e ter que distribuir isto por um país com extensão continental igual ao Brasil;
  • Uso das “cestas” em troca de voto;
  • Desvio durante o processo;
  • E o principal: incentivo à economia local e consequentemente nacional.

Este último ponto é muito importante, pois a inserção dos beneficiários no mercado consumidor gira toda uma roda da economia que tem beneficiado até os tais “classe média” chorões.

Uma explicaçãozinha básica de como a “roda da economia” gira: uma certa região começa a receber o benefício do Bolsa Família. As pessoas do local passam a consumir mais. O “Seo Zé”, dono da vendinha, começa a vender mais, logo, terá que contratar mais funcionários, que por consequência, assim como o “Seo Zé”, também vão consumir. Gera renda e trabalho para o caminhoneiro, que terá mais produtos até a tal região. Gera renda nos postos de gasolina ao longo do caminho, nos restaurantes, etc.

Bem, este pessoal está consumindo todo tipo de produto, como alimentos, produtos de higiene e até alguns “supérfluos”, como computador, televisão, refrigerador, etc., incentiva a agricultura, incentiva as fábricas. A empresa em que eu trabalho, que faz bens de consumo (higiene pessoal, medicamentos…), também tem sua produção aumentada, portanto, terá que contratar mais funcionários, ou seja, mais pessoas dentro da economia de consumo.

Estes funcionários, os tais “classe média” que reclamam do “Bolsa Esmola”, ao invés de estarem desempregados, estão recebendo um bom salário porque o “vagabundo do beneficiário” está consumindo mais produtos.

Estes mesmos “classe média”, com emprego gerado pelo aumento do consumo, estão comprando TVs de LCD, carros, viajando pra Miami, gerando empregos em indústria automotiva, turismo, etc., que por consequência, gera emprego em atividades extrativistas (petróleo, minerais).

No final de tudo isto, o acionista da empresa onde eu trabalho, lá nos EUA, tá rindo de orelha a orelha, pois nos últimos anos viu sua operação no Brasil (e em outros mercados emergentes) crescer à taxa de 25% ao ano, enquanto as operações nos países de primeiro mundo, devido à uma crise mundial, encolheram. No final suas ações se valorizaram e ele recebeu seu quinhão de lucro.

P.S.: Sou capitalista até o último fio do cabelo, e como “capitalista” entendo que só existe lucro se existe mercado consumidor.

P.S. 2: Classe média, hoje em dia, mais do que uma classe social, é um “estado de espírito”. Existem “classe média” ricos, pobres e “classe média”, na acepção real do termo. Mas basicamente é aquele sujeito que acha que o mundo gira em torno dele, que só olha para o próprio rabo, que reclama que carrega o mundo nas costas, que critica ferozmente os atos de corrupção de políticos enquanto dá uma “cervejinha” para o guarda fazer vistas grossas à uma multa de trânsito.

Be happy! 🙂

Orwell’s Revenge: The 1984 Palimpsest – Peter Huber (03/2017)

Em 1994 Peter Huber teve uma brilhante idéia: desmembrar sua edição de 1984, escanear todas as páginas usando um software de reconhecimento de caracteres (OCR) e fazer uma análise do livro com a ajuda do seu computador pessoal, a máquina que Orwell quase chegou a prever e que seria o instrumento para a propagação e manutenção de tiranias, de acordo com o clássico publicado em 1949. Indo mais além, Huber também escaneou todas as obras publicadas de Orwell (ensaios, romances, contos), alguns outros textos, transcrições do programa que ele apresentou por algum tempo na rádio BBC e textos biográficos sobre Orwell de autoria de outros.

Ao analisar o livro e os demais textos ele notou que 1984 era um recorte de outros textos e pensamentos que Orwell havia escrito até então e resolveu, ele mesmo (Huber), “reescrever” 1984 usando a mesma técnica que Orwell utilizou (recortar e colar trechos de outros textos). Claro que depois de tomar esta liberdade, o próximo passo foi “corrigir” o que Orwell havia errado em suas previsões, adicionando coisas que talvez ele nem imaginasse que iriam acontecer. Na verdade, o livro é uma sequência, já que a estória relata fatos posteriores a 1984, em que o rumo da estória muda de acordo com e como as tecnologias se desenvolveram e foram adotadas desde que o livro havia sido escrito.

Além de ser uma estória nova, o livro é ao mesmo tempo um estudo sobre a obra e a vida de Orwell, inclusive chegando a fazer uma análise de como a infância e adolescência do autor (como um bolsista de origem simples dentro de uma escola de ricos) moldou seu carater e gerou um ódio ao rentismo, ao capitalismo, aos mercados (quando eles saem do nível de trocas voluntarias entre “pessoas físicas”) e ao dinheiro.

Um ponto importante a considerar é que a escolha do ano de 1984 como sendo o ponto futuro foi totalmente aleatória, apenas invertendo os dígitos finais do ano em que o livro foi concluído (1848 -> 1984). Orwell não estava de forma alguma querendo fazer uma previsão de que aquilo seriam os proximos passos, mas apenas retratar o que ele achava que aconteceria no futuro, sem estabelecer um prazo pra isto.

E o que ele (Orwell) imaginava que iria acontecer tem muito a ver com suas crenças e seu pessimismo. Quem lê apenas Animal Farm ou 1984 talvez imagine que Orwell fosse um ferrenho crítico das teorias de Karl Marx, mas na verdade ele era um socialista convicto e sua crítica ao sistema implementado na antiga União Soviética, por exemplo – e especialmente em Animal Farm – se dá justamente porque ele acredita que as sociedades só iriam evoluir para um estado de bem estar geral sob o comando central do Estado, de uma centralização nas decisões econômicas e com os meios de produção sendo controlados democraticamente através de um Estado.

E aí entra um dos maiores dilemas enfrentados por Orwell: enquanto ele abomina totalmente o capitalismo e os mercados, pois entende que, invariavelmente eles levam a uma concentração de poder (monopólio) nas mãos de meia dúzia de rentistas (oligarquias), ele também não consegue encontrar uma solução para que uma sociedade coletivizada mantenha-se democrática, pois ele entende que invariavelmente uma sociedade com planejamento central tende a se tornar um Estado totalitário, com o poder nas mãos do grupo político que conseguir controlar este Estado no momento certo. Huber traz justamente à tona este problema que Orwell não conseguiu resolver: se o capitalismo (livre mercado) e o socialismo (planejamento central através do Estado) resultam em concentração de poder na mão de poucos e opressão de muitos, o que fazer para evitar o Big Brother ou um Napoleão?

Segundo uma das “previsões” de Orwell, a Telescreen, um tipo de “telefone com imagem” (Skype?) seria utilizado como intrumento de controle social pelo partido no poder, que teria ascendido ou das oligarquias detentoras dos monopolios ou através de grupos politícos, no caso de uma sociedade centralizada. O que Orwell não consegue imaginar é que, da mesma forma que a Telescreen poderia transmitir informações para os ministérios, ela também poderia ser usada para transmitir informações entre qualquer pessoa, desta forma contrabalanceando a “centralização” de informações. Da mesma forma, a Telescreen como se desenvolveu (Internet) descentraliza a geração das informações, já que a história fica espalhada em milhares de lugares e fica difícil para qualquer governo controlar e alterar os fatos, como era comum na Alemanha Nazista e na União Soviética socialista, por exemplo. Mais um “tiro n’água” de Orwell.

Talvez os maiores “erros” (lembrando que o próprio Orwell evitava usar as palavras “profeta” e “profecia”, pois ele tinha consciência que a chance de erro é infinitamente maior do que a de acerto, sempre!) foi achar que o livre mercado sempre leva a monopólios e que, para produzir grandes inventos (como um avião, por exemplo) o planejamento central (estatal ou corporativo) seria mandatório. Quanto ao primeiro erro, talvez ele se surpreendesse se tivesse vivido um pouco mais para testemunhar que o livre mercado pode até conduzir a um monopólio temporário, mas que esta “bolha” sempre estoura e, por ironia, sempre são mantidas por intermédio do Estado, principalmente em democracias. É o Estado que, afim de “proteger os interesses nacionais” ou “evitar concorrência desleal”, cria regras para proteger monopólios e oligopólios. Quanto ao segundo erro, basta ver que quanto mais o conhecimento é distribuido e o planejamento “quebrado” em partes menores, mais avanços tecnológicos são obtidos. Talvez para tirar um grande projeto do papel realmente seja necessario um “sponsor”, porém a necessidade se dá mais pelo fator financeiro do que científico.

A solução para a questão do Estado Totalitário, que segundo Orwell invariavelmente ocorreria, acabou sendo a propria Telescreen/Internet. Porém, a Internet, as novas tecnologias e os modelos de economia compartilhada ameaçam o status quo: elas estão criando a possibilidade de uma sociedade com oportunidades e equidade que as teorias baseadas em Marx nunca conseguiram entregar, enquanto ao mesmo tempo quebram a lógica da concentração de poder e renda que as “elites” e os políticos tem no denominado “Capitalismo”. Só falta a massa perceber que o embate à partir de agora não deveria mais se dar entre Estado X Iniciativa Privada, Coletivo X Individual, Mercado X Planejamento Central, o embate à partir de agora é entre o progresso e o conservadorismo, tanto daqueles que querem manter as coisas no estado atual (concentração de renda e poder nas mãos de poucos), quanto daqueles que ainda insistem em uma utopia com quase dois séculos de idade: todo o poder na mão de um Estado, que em tese e utopicamente seria democratico, mas que apenas move a concentração de poder do campo econômico para o político.

Mesmo que Orwell não tenha estabelecido justamente 1984 para suas “previsões” e que boa parte delas não tenham ocorrido como ele imaginava, a epoca escolhida aleatoriamente por ele se dá exatamente quando uma das rupturas que geraram o mundo atual e, talvez tenham sido até uma das responsáveis por desviar a humanidade do caminho previsto por ele, foi massificada: o Computador Pessoal. No ultimo capitulo do livro, Huber trata justamente do nascimento de duas indústrias (B&B, Bell & Blue, Bell Telecom & IBM) que são as principais responsáveis pelos incríveis avancos tecnológicos ocorridos à partir da década de 80: as telecomunicações e os computadores. Mas Huber, assim como Orwell, tambem foi traido pelo tempo: ele escreveu seu livro em 1994, apenas alguns anos antes da popularização da Internet. A “rede” já existe desde os anos 60, mas seu uso ficava restrito às universidades, e a “barreira” foi ultrapassada justamente por conta do aumento da capacidade de tráfego nas redes de telecomunicações. Se tivesse esperado alguns anos, talvez Huber tivesse escrito um outro livro. Ou talvez já esteja na hora de escrever um Orwell’s re-revenge.

Uma coisa Orwell conseguiu acertar no alvo: o duplipensar. A unica diferenca é que ele imaginava que “dar sentidos diametralmente opostos a uma mesma palavra” seria algo imposto de cima para baixo, pelo “partido” (ou a corporação) detentora do poder. Talvez seu pessimismo se agravasse ao perceber que, com o “controle da verdade” nas mãos da massa, é a propria massa que cria expressões com sentido oposto no intuito de validar suas proprias incoerências (e justificar seus ódios e preconceitos). Exemplos? Os termos politicos “liberal conservador” ou “conservador liberal”, que nem semanticamente fazem sentido!

Be happy 🙂

Justiça – Michael J. Sandel (02/2017)

Este é mais um daqueles livros que deveriam ser de leitura obrigatória nas escolas e universidades, inclusive devendo ser relido algumas vezes. Exagerando um pouco: deveria ser pré-requisito para quem quisesse comentar sobre política na Internet….hehehe.

Sandel é um filosófo americano e o livro, cujo subtítulo é “O que é fazer a coisa certa”, é um apanhado do que ele discute em uma materia chamada “Justiça” que ele mesmo leciona em Harvard e que é atendida especialmente por alunos de direito.

O livro discorre sobre três principais linhas filosoficas do que é certo: o utilitarismo (o bem comum como princípio básico das sociedades), o libertarianismo (a liberdade individual como o princípio básico) e uma “terceira via” que fica no meio termo e que, justamente por variar de sociedade para sociedade, é de dificil delimitação e generalização. Ele aborda cada uma das linhas através do uso de muitos exemplos reais, alguns casos de dilemas morais e, principalmente, confrontando estes casos e dilemas com as duas primeiras linhas e tentando chegar a um meio termo que, repito, varia muito de acordo com os valores e a formação histórica das sociedades.

Durante o livro ele traz idéias de vários filosofos, tais como Aristóteles, Immanuel Kant, John Stuart Mill, John Locke, John Rawls, entre outros, sempre situando as idéias destes autores dentro do espectro entre o interesse comum (da família, da sociedade, de uma nação, da humanidade) e a liberdade individual.

Entre os assuntos, casos e dilemas, o livro fala de intervenção no livre mercado (“é  errado que vendedores possam cobrar mais por seus produtos se aproveitando da escassez gerada por um desatre natural?”), a relação entre igreja e Estado, direitos humanos, as obrigações impostas através de acordos sociais tácitos (impostos, voto, serviço militar obrigatório), o “valor da vida” (qual a quantidade de mortes aceitáveis no transito para justificar um aumento de velocidade, por exemplo), aborto, casamento entre pessoas do mesmo sexo, entre outros. Mas dois me chamaram bastante a atenção, especialmente pelo fato de vermos, pelo menos no Brasil, discussões muito exacerbadas e onde cada um dos lados nunca procura entender as causas da própria posição, quem dirá da posição do outro.

O primeiro é a questão da meritocracia. No Brasil existem os defensores e os detratores do sistema meritocrático, com poucas pessoas realmente entendendo o que seria a meritocracia em sí. A meritocracia tem a intenção de premiar o esforço do indivíduo ao realizar determinada tarefa ou função. Mas ai entra na questão de realmente separar o que é mérito do que são circunstâncias do acaso, ou seja, a pura sorte. Até que ponto o fato de eu ter nascido com um bom raciocínio lógico em uma época e sociedade onde esta aptidão é valorizada é merito meu? Certamente eu investi bastante tempo desenvolvendo este “dom”, mas será que conseguimos mensurar o quanto realmente existe de esforço individual e onde, portanto, a meritocracia é aplicável, da pura sorte ou das condições do ambiente? Alguem que recebeu uma heranca, certamente não pode contá-la como mérito próprio, por exemplo. Como criar mecanismos para equilibrar as condições, ou seja, a linha de partida, entre pessoas que não tiveram a sorte de nascer em um lar com melhores condições com aqueles que tiveram esta sorte?

Outro assunto que me chamou a atenção foi a da questão das cotas raciais, que trouxe um ponto de vista totalmente diferente e que fez com que eu mudasse de idéia sobre o assunto pela terceira vez na minha vida. Inicialmente eu tinha restrições, por achar que acabam por criar um grupo de “excluidos entre os excluidos”, depois fui entender que não se trata de “corrigir erros do passado”, mas sim “corrigir o futuro” e agora eu ja mudei totalmente a minha visão, concordando com o Sandel.

Primeiro o Sandel traz o  caso de uma universidade pública no Texas onde uma candidata não conseguiu ser aceita para determinado curso, apesar de ter um histórico escolar melhor e melhores notas no SAT (o “ENEM” dos EUA) do que alguns outros alunos que entraram através de outros critérios (étnicos, esportivos, etc). Esta aluna entrou com uma ação e a justiça entendeu (como tem entendido para a maioria dos casos parecidos) que, se a regra quanto aos critérios de admissão eram claras antes do inicio do processo, não há do que reclamar. A instituição tem o poder de definir os critérios que bem entender para selecionar seus alunos.

E ai o Sandel diz que, para que os critérios sejam justos, a universidade deve adotar os criterios de seleção que se adequem à sua missão e valores, independente de ser uma instituição particular ou pública. O “justo” neste caso é medido do ponto de vista universidade, e não do candidato/aluno. E foi ai que eu acabei concordando totalmente com ele e mudando de opnião sobre o assunto.

Vou tentar aplicar este pensamento no caso da USP.

Se a missao da USP, por exemplo, é “proporcionar ensino de alta qualidade e gratuito para aqueles que melhor se classificarem no teste de aptidão”, realmente o vestibular, da maneira que é hoje, seria a maneira “justa” de acordo com a missão da instituição. Mas se esta for a missão da USP eu, como contribuinte, sou até a favor do fechamento dela e que os recursos destinado a ela fossem investidos em outras prioridades (como educação básica). Nao faz sentido a sociedade pagar para que alguns poucos afortunados tenham a chance de obter uma qualificação acima da média, sem retorno (ao menos mensurável) para a própria sociedade. Para mim, educação deve ser encarada como investimento por uma nação.

Agora, se entre uma das missoes da USP estiver a “disseminação do conhecimento, afim de proporcionar o bem estar geral da sociedade, promovendo um ambiente diverso e plural…”, acho inclusive que as “cotas” são muito pouco para atingir esta missão e deveriam criar uma forma de reproduzir entre seus quadros a mesma pluralidade existente na sociedade, criando “cotas” de gênero, classe social, etnias e até de orientação sexual, usando como base a distribuição geral de cada um destes grupos na sociedade brasileira.

E ao refletir sobre isto, tambem me ocorreu o seguinte pensamento: será que alguns detratores das cotas raciais existentes hoje, ao aplicarem para cursos em universidades estrangeiras, que valorizam muito a diversidade entre seus quadros, especialmente nos cursos de graduação (mestrado e doutorado), pois entendem que se tiverem apenas alunos com as mesmas caracteristicas (sociais, étnicas, etc) a geração e disseminação de conhecimento fica comprometida, apelam para a sua “latinidade” afim de aumentar as suas chances? No minimo seria incoerente, pra nao dizer hipócrita mesmo.

Be happy 🙂

Wanderlust #34 – Baltimore, Maryland (1/51), Estados Unidos

Inner Harbor

Por motivos óbvios, esta seção comecará a apresentar bastante locais nos EUA (enquanto eu tiver saco pra fazê-la). E pra iniciar esta temporada “americana”, vamos de Baltimore, no estado de Maryland.

Procurando algum lugar perto, pra aproveitar o Thanksgiving, que desse pra ir de New Jersey de carro ou trem, e que não fosse New York (vou falar destes dois estados num futuro proximo, de NY provavelmente em varios posts, como de Berlin) e onde não estivesse tão frio, acabamos por achar Baltimore no mapa enquanto analisávamos a possibilidade de ir pra Washington (próximo post da “coluna”). Ai como daria pra matar dois coelhos com uma cajadada só, resolvemos conhecer a cidade e fazer uma day trip pra Washington (a cerca de uma hora de Baltimore).

Harbor East

Não sei se porque a expectativa era baixa (basicamente nenhuma…hahaha), mas a cidade surpreendeu muito pelo seu charme e atrações.

Fundada em 1729, Baltimore foi durante muito tempo uma das principais cidades da costa leste americana, muito por conta do seu porto (o segundo maior da costa noroeste dos EUA), que atraia muitas manufaturas e industrias. Com o declínio da indústria americana que ocorreu entre as décadas de 70 e 90, a cidade, como algumas outras regiões industriais americanas, viveu um declinio. Porém, com o recente aquecimento no setor de serviços, a cidade vem passando nos últimos anos por um processo de revitalização, que é facilmente notado pela diferença entre a região do Porto, praticamente toda revitalizada, e as áreas suburbanas da cidade.

Baltimore também é conhecida por ter sido um dos principais locais de batalhas da guerra da independência americana, já que, afim de bloquear o comércio internacional, a Inglaterra atacou incessantemente o porto. Por conta disto, também é o berço da canção Star-Spangled Banner, que viria a se tornar o hino nacional americano. Além disto é a casa do Baltimore Orioles, um dos times de baseball mais antigos ainda em atividade, fundado em 1901, e do Baltimore Ravens, que disputa a NFL, principal liga do Futebol Americano.

Inner Harbor

Como de praxe, depois de fazermos o check in no hotel, pegamos um mapa e saimos para dar uma reconhecida no local. Por conta do feriado a cidade estava toda deserta e, enquanto iamos na direção do porto, ja fizemos uma nota mental para irmos tomar umas cervejas mais tarde no Mo’s Seafood, um do poucos (talvez o único) locais aberto, que inclusive tinha uma placa anunciando: “365 dias por ano aberto, inclusive no Natal e no Thanksgiving”.

Nota-se na região portuária que a cidade está passando por um grande processo de revitalização, já quase completo, onde a boa parte dos prédios são novos e alguns poucos foram revitalizados recentemente. Na parte conhecida como “Harbor East” se encontram alguns restaurantes e bares mais chiques, assim como lojas de luxo.

No restante da região portuária existem várias atrações, como museus (o aquário de Baltimore, ao menos por fora, é fantástico, e deve ser por dentro também, inclusive o submarino ancorado ao lado), restaurantes e dois “mini shopping centers”. Mesmo com o frio que fazia, algumas poucas pessoas (turistas) passeavam por ali. À partir das 20:00hrs, a vida foi voltando à cidade e alguns musicos de rua arriscaram a se apresentar.

Mr Trash Wheel – Inner Harbor

Depois do reconhecimento voltamos ao Mo’s para tomar as cervejas (algumas locais), mas enquanto estávamos lá pesquisando as atrações locais na web, descobrimos que o pequeno e aconchegante Brewer’s Cask abriria à partir das 21:00hrs. Pedimos a saideira e fomos até lá, já que serviria para, ao menos, conhecer uma parte mais antiga da cidade (Federal Hill) durante a noite. Grata surpresa: além das 20 torneiras com o melhor da produção cervejeira artesanal dos EUA, o atendimento e muito bom.

Na sexta a programação era ir pra Washington, mas na volta resolvemos dar mais uma volta no porto, onde pudemos passar na enorme Barnes & Nobles montada em uma antiga usina elétrica. Depois disto fomos conhecer a Gordon Biersch, uma cervejaria local que baseia suas receitas especialmente na escola alemã e que fica naquela area chique que já comentei. Quando estávamos voltando para o Hotel depois de sermos “expulsos” da Gordon Biersch (explico abaixo nas observações, dicas e considerações), acabamos topando com a Power Plant, a Disneylândia dos adultos….hahaha

O local, que também fazia parte da mesma usina onde fica a Barnes & Nobles já citada, é um complexo de entretenimento noturno, onde se encontram bares (uns 10), restaurantes e locais para shows. A entrada (gratuita) é única e lá dentro você pode ficar indo de um estabelecimento para outro, como por exemplo, de um simples bar com rock rolando ao fundo, para um restaurante mexicano e depois para um bar country com direito a touro mecânico e tudo. Sensacional!!!!

Inner Harbor

No sábado, resolvemos conhecer as áreas fora da região do porto. Primeiro fomos até o Mount Vernon, onde fica a bela igreja metodista e a biblioteca da universidade John Hopkins, um dos principais centros de pesquisa na área de saúde dos EUA. Ainda andando pela “parte alta” da cidade, passamos pela Basílica de Baltimore, que foi a primeira basílica católica construida nos EUA, país que tem como principal corrente cristã o protestantismo, e não o catolicismo. A cidade foi escolhida pelo Papa da época para abrigar a primeira basílica em solo americano justamente por ser a cidade que tinha a maior população católica nos EUA.

Depois disto resolvemos encarar a caminhada de umas quatro milhas (pra ir, e depois mais quatro pra voltar), até o Fort McHenry, exatamente o local das principais batalhas da guerra da independência e que inspirou a criação do hino nacional americano. Valeu mais pelo caminho do que pelo destino em sí, apesar do local ficar em um parque bem interessante, que além da natureza, também mostra alguns fatos históricos da formação dos Estados Unidos como país.

USCGC Taney – Inner Harbor

Na volta, paramos na região do porto novamente para aproveitar uma festa alemã que estaria acontecendo por ali, tipo uma Oktoberfest em novembro. Tinha umas HB, Gluhwein, algumas Wursts, mas nada demais.

No primeiro dia haviamos passado por um estabelecimento que não haviamos conseguido identificar o que era, mais tarde descobrimos que se tratava do Brew Pub da cervejaria Heavy Seas, cujas cervejas já haviamos experimentado (e gostado) no Mo’s. A Heavy Seas Alehouse fica num imóvel bem grande e rustico, com piso de concreto queimado e mobilia de madeira de construção. Além da próprias cervejas da Heavy Seas, sempre existem cervejas de outras cervejarias locais nas taps e, para minha felicidade, sempre tem uma cask ale disponível. Nota para o crab cake, uma “almondega” de carne de caranguejo, que é uma das comidas típicas de Baltimore.

Gostei bastante da cidade, principalmente porque aparenta ser uma cidade bem descontraida e, além de tudo, é bastante charmosa. Pretendo voltar no verão para aproveitar mais as atividades ao ar livre.

Observações, dicas e considerações:

  • O Thanksgiving é a data onde os EUA literalmente param (não peguei um 4 de Julho ainda): antes das 20:00 horas praticamente todo o comércio estava fechado (incluindo a maioria dos restaurantes) e as ruas estavam desertas. À partir deste horario a vida começou a voltar ao normal, mas mesmo assim, parcialmente.
  • Fiquei impressionado com a quantidade de pessoas em situação de rua na cidade. Uma das maiores que já vi, mesmo comparado a cidades maiores, como Los Angeles ou New York.
  • Ao mesmo tempo, a quantidade de gente ajudando (indo servir comida, levando roupa, conversando com eles, etc) também impressiona, principalmente para quem tem aquela imagem do “americano individualista” (não é o meu caso). O que parece ser uma contradição é justamente a causa: o individualismo do americano faz com que ele se sinta na obrigação de cuidar do seu bairro, da sua cidade, etc. Mas ainda irei escrever um texto somente sobre isto.
  • Ir num restaurante mais requisitado pode ser meio estranho para os brasileiros, que gostam de ficar “fazendo hora” nos locais. O pessoal vai pra comer, tomar um ou dois drinks e ir embora. Então não é nada incomum o garçon já trazer a conta quando você fala que não vai querer sobremesa. Se for um restaurante com alta rotatividade, provavalmente vão apressar até na escolha do prato. A dica para não ser incomodado é ir para o bar (balcão) ao invés de pegar uma mesa.
  • Normalmente os restaurantes tem recepcionistas. Pra pegar uma mesa, tem que falar com eles, mas para ir para o bar, basta ir direto.
  • Estando no bar, não existe esta “pressão” para ir embora logo. Mas também não é comum entre os americanos ficar 3, 4, 8 horas num bar, como os brasileiros fazem. Normalmente eles jantam em um lugar, vão tomar alguns drinks em outro e depois continuam em casa. Ou então fazem o “esquenta” em casa e depois vão até um pub para tomar umas duas ou tres cervejas. O garçon ou barman pode até achar estranho quando você fica muito tempo no bar.
  • Por falar em balcão, aqui na costa leste, diferentemente da costa oeste, geralmente eles abrem a conta automaticamente e vao te cobrar no final. Mas se por acaso o bar não tiver esta prática, basta fazer como costuma-se na costa oeste e pedir para abrir uma conta (deixando o cartão de crédito com o barman): “may I open a tab?”.

Be happy 🙂

The Baltimore Basilica

Mount Vernon Place – United Methodist Church

Power Plant

Power Plant

The Invention of Solitude – Paul Auster (01/2017)

the-invention-of-solutideCheguei neste livro por conta de um post no Blog do Flávio Gomes onde ele citava uma frase do livro: “Foi. Não será de novo. Lembre.”. Achei a frase muito interessante, pois creio que existem dois tipos de saudade: uma boa e outra ruim. A boa é aquela saudade nostálgica: você lembra de um fato que foi interessante, o que te propicia um momento de prazer ao relembrá-lo, mas que você sabe que aquilo ficou no tempo (“não será de novo”). E existe a saudade ruim, aquela em que a pessoa fica comparando e se remoendo pois “antigamente era melhor”, “quando era jovem…”, “no meu tempo”, etc.

O mundo muda (e mudou muito rapidamente nos últimos vinte ou trinta anos), as pessoas mudam, as situações nunca serão as mesmas. “Foi. Lembre”. Então fui atrás do livro que continha a frase. Livro bom, ótimo até. Mas que não te dá uma “boa” sensação. Mas explico abaixo.

Em Português o livro tem o título de “A Invenção da Solidão”, que numa tradução literal difere do título original. Solitude em Inglês seria traduzido, ao pé da letra, por solitude em Português, que é um estado de privacidade, mas não exatamente ligado ao sofrimento, o que seria o caso da solidão (loneliness em Inglês). Porém, esta “tradução errônea” não perde o sentido quando comparado ao conteúdo do livro, que trata da “solitude” de Sam, o pai de Paul, e da própria solidão do autor.

Na primeira parte do livro, chamada “Retrato de um homem invisível”, Austin retrata os fatos que se seguiram após a morte “súbita” (não estava doente, morreu em casa) do próprio pai e o processo de conhecê-lo durante os “trâmites” post mortem. Conhecê-lo pois Sam, o pai de Austin, era uma pessoa que, enquanto não conseguia se “encaixar” no mundo (ou não queria), também não conseguia se isolar e que, desta forma, acabou criando uma camada, uma zona intermediária entre sua inserção e o isolamento. E durante este processo o autor começa a entender melhor o pai , sua complexa relação com ele, bem como o relacionamento do pai com o restante da família (a mãe, da qual Sam havia se separado há alguns anos, e a irmã). A descoberta de fatos da infância do pai (nao darei spoilers, já que é uma das melhores partes do livro), aliado a memórias que ficaram escondidas (ou talvez tivessem sido ignoradas) faz com que Austin comece a compreender melhor o pai e seu relacionamento com ele, o que leva à segunda parte do livro, denominado inicialmente de “The Book of Memory” (O Livro da Memória).

Logo após a morte do pai e passando por uma separação, o autor se isola para tentar, ao mesmo tempo, um processo de autoconhecimento e a criação de um novo livro. Neste processo (escrito em terceira pessoa), ele próprio passa a analisar fatos importantes da sua vida, que moldaram a pessoa que ele era à época e que, de alguma forma, guiam o relacionamento dele com o próprio filho (então com três anos). Ele se descobre uma pessoa com uma “nostalgia do presente”: aquele medo de que as coisas deixem de ser como são e que faz com que as pessoas tentem manter, a todo custo, o estado atual das coisas, isto quando não querem fazer com que algumas coisas do passado voltem a ser como eram (qualquer semelhança com os conservadores não é mera coincidência…hahaha).

Revisitando passagens da vida de alguns nomes da arte (escritores, poetas, pintores) e mesmo evocando algumas passagens bíblicas, ele vai comparando os relacionamentos e as reações destes “personagens”, fazendo paralelos com seus próprios relacionamentos, suas reações e suas motivações. Até o ponto em que “O Livro da Memória” vira “A Invenção da Solitude”, culminando com a maravilhosa frase.

Para explicar a “sensação ruim” (que é boa ao mesmo tempo): existem algumas músicas que mexem comigo de uma forma estranha. Sabe aquela sensação do peito apertado, que você precisa inspirar fundo e expirar pela boca? A Sonata ao Luar do Beethoven, o Requiem do Mozart e o album Obscured by Clouds do Pink Floyd são algumas das obras que me causam esta sensação. Mas este livro, especialmente a primeira parte, talvez seja a primeira obra literaria que me causou a mesma sensação (“O Processo” de Kafka e “O Estrangeiro” de Camus foram obras que chegaram perto).

Não é um livro para ser devorado. É para ser degustado aos poucos. Pois a experiência de “descobri-lo” acontecerá uma vez, não se repetirá, e só restará lembrar.

It was. It will never be again. Remember.

Be happy 🙂

O Gene Egoísta – Richard Dawkins (18/2016)

o-gene-egoistaExistem alguns assuntos que, por mais que alguém não vá ser especialista neles, formam um conjunto de conhecimentos nos quais todo mundo deveria ter ao menos uma visão macro, um nível mínimo básico de conhecimento. Basicamente são as áreas de conhecimento que fazem parte do curriculum escolar. Biologia é um deles. Eu ainda não entendo porque deva ser estudado em separado da Química. E porque a Química deva ser estudado em separado da Física. E porque a Física tem que ser estudada a parte da Matemática. E por ai vai. Mas acho que já estou ficando repetitivo neste ponto.

Dentro da Biologia, talvez o assunto mais importante desta base geral seja a teoria da evolução de Charles Darwin e as teorias baseadas nela.

Além destes assuntos, um que deveria constar no curriculum escolar deveria ser aplicação dos conceitos de pensamento científico, metodologia de pesquisa científica (que geralmente é muito mal ensinada nas faculdades) e tudo ligado aos mecanismos de geração de conhecimento, ou seja, à ciência.

Em “O Gene Egoísta”, primeiro livro publicado por Dawkins, em 1976, ele defende a teoria da seleção no nível do gene, em contraponto às teorias da seleção de indivíduo, de grupo e de espécie, aplicando exatamente os métodos científicos (as idéias, hipóteses e teorias podem e devem ser confrontados, mas o método em sí é o que garante o bom funcionamento de todo o sistema).

Segundo esta teoria, cada gene sozinho luta por sua própria sobrevivência e propagação, sendo que ele se alinha a outros genes na medida em que esta união traz mais benefícios do que a competição com estes demais genes. Ou seja, um gene se alia a outro, para formar um determinado “veículo” afim de que ele possa continuar sobrevivendo. O que ele chama de veículo são os seres vivos (todos, desde uma bactéria até o ser humano), que na verdade são apenas meios para que o gene possa continuar se propagando.

Este egoísmo também é repassado para os veículos, que se unem (com veículos de espécies diferentes, em vários tipos de arranjos, ou veículos da mesma espécie, em colônias ou sociedades) ou competem entre si. Deixando de lado simplesmente a teoria biológica e partindo para a filosofia e moral, a teoria torna-se um tanto quanto controversa, já que até o cuidado parental é uma face deste egoísmo (o seu filho tem 50% dos seus genes, assim como seus irmãos, portanto, é interessante cuidar deles para que o gene possa sobreviver).

Dawkins chega ao ponto de mencionar a xenofobia e o racismo como faces desta teoria: o gene produz alguns sinais externos (fenótipos, como cor dos olhos e tom da pele), também com o intuito de que genes de mesma origem, em veículos distintos, possam se reconhecer. Pensando na teoria, faria sentido. A discussão moral, em tese, não caberia aqui.

O mesmo vale para os sinais externos usados na escolha do parceiro com o qual se reproduzir, como a cauda do pavão, que gera um custo grande para o veículo (de energia para produzi-la), mas serve como um indicativo de que os genes que compõem aquele veículo são bons e que a fêmea faria uma boa escolha ao copular com aquele indivíduo, pois desta forma as chances de que seus genes venham a se propagar (os 50% que estariam na cria) seriam maiores.

E ai aparece outra polêmica (das várias do livro), de que a fêmea (independente da espécie), por investir mais na geração de um novo ser (os óvulos são várias vezes maiores do que os espermatozóides em qualquer espécie), tende a selecionar melhor o parceiro e a também investir mais em cuidado parental, enquanto o macho, por produzir uma quantidade enorme de gametas, investindo pouco em cada um deles (e geralmente bem menos na somatória do que a fêmea no óvulo), estaria mais propício a tentar a cópula com o máximo de fêmeas possível e a abandonar as crias à própria sorte.

O livro gerou tanta polêmica que foi “acusado” de ter inclusive colaborado para a ascenção da Margareth Thatcher, que pregava o individualismo acima do coletivo, ao posto de primeira ministra da Inglaterra ao final da década de 1970.

Tanto que nesta terceira edição revisada, o Dawkins faz questão de esclarecer, na introdução e nas notas, que a análise dele não é filosófica, nem moral e nem social e inclusive, erroneamente a meu ver, chega ao ponto de explicitar que ele mesmo votou contra a então candidata Thatcher à época. Se por um lado mostra que ele coloca a ciência acima de suas convicções pessoais, por outro ele parece “pedir perdão” pelo livro e pelo fato das pessoas não terem interpretado corretamente.

O novo capitulo adicionado na segunda edição, de 1989, é o relativo ao que ele denomina memes (sim! Esta palavra tão comum em tempos de internet foi cunhada pelo Dawkins!). Ele traça um paralelo entre o nascimento, a propagação e a “evolução” da cultura, com o mesmo processo executado pelos genes. Ele traz vários exemplos, sendo o mais notável a religião.

Um outro ponto que tem me interessado muito já há alguns anos e que ele traz no livro é o que eu chamo de “mecanismo do ‘vale à pena'”. Como eu trabalho com análise de dados, sempre tem me intrigado como, para quase todas as decisões que o ser humano toma, ele realiza, inconscientemente, milhares de cálculos para ver a relação “custo X benefício” daquilo. Na verdade isto é um mecanismo que existe em diversas outras espécies. Um outro exemplo que eu uso é: quando um leão sabe exatamente quando não vale mais à pena perseguir determinada presa e guardar energia para tentar a sorte com uma outra, ao invés de ficar perseguindo indefinidamente, até que suas forças se esgotem? Dawkins traz o tema, dizendo que, provavelmente a evolução fez com que nossos cérebros fizessem estes cálculos sem que percebamos, da mesma forma que um morcego faz um cálculo complicado para detectar a distância dos objetos através do eco do próprio som emitido (a própria emissão do som já é bem complexa).

O livro é bem longo e cansativo, com o Dawkins sendo até prolíxo ao explicar o mesmo tema diversas vezes, utilizando apenas metáforas diferentes, mas há de se perdoar esta “falha” por se tratar do primeiro livro de alguém acostumado a escrever literatura científica e acadêmica. Apesar disto, é uma leitura que vale a pena, mesmo assim não sendo melhor que os dois outros livros dele que eu li: Deus Um Delírio (o melhor) e O Relojoeiro Cego.

Be happy 🙂