Quando conheci Juiz de Fora, no ano passado, eu fiquei impressionado com o movimento de cervejeiros artesanais na cidade. Diferentemente de São Paulo, onde excetuando-se alguns “dinossauros” (como o Frangó), o circuito de cervejas especiais se concentra em bares novos que nasceram especificamente para o ramo, enquanto os bares mais antigos parecem não aderir à nova “onda”, preferindo se concentrar nas cervejas comerciais já famosas, em Juiz de Fora voce encontra cervejas artesanais / especiais convivendo em perfeita harmonia com as cervejas comerciais, tanto em bares novos quanto em bares antigos.
Ponto para a diversidade e a ausência de “frescura” em querer dividir os consumidores entre “os seres iluminados que bebem puro malte” e a “ralé que toma SAL (Standard American Lager) estupidamente gelada”. Acho que já falei isto aqui, mas vale a repetição: cada um bebe aquilo que lhe convier, no momento em que lhe convier. Eu gosto de tomar IPAs, APAs e Witbiers, mas se eu estou numa praia no nordeste, sob um sol de 40 graus, aquela “cerveja de milho” estupidamente gelada e que desce que nem água é mais adequada ao momento e ao próposito (de matar a sede, de refrescar e, por que não, embriagar) do que uma Imperial IPA. E parafraseando o amigo e cervejeiro Cadú Zamoner: tem cerveja puro malte ruim e tem cerveja com aditivos boa.
Então, quando visitei a cidade, fiquei muito contente de poder tomar algumas especiais na Timboo e na Antuérpia, como tambem apreciar algumas cervejas diferentes no Bar do Bigode e no Bar do Leo, intercaladas por Originais ou Serramaltes.
O autor resgata no livro, além da história do recente renascimento da cultura cervejeira juizforana, um pouco da história do passado cervejeiro da cidade, ligado à migração alemã (lembrando que à época as fronteiras na Europa eram bem diferentes) que ocorreu para a cidade em meados do século XIX. Importante notar a ligação da recente onda de cervejarias/cervejeiros, que ocorreu justamente quando da instalação de uma planta da Mercedez Benz na cidade, que trouxe uma outra onda migratória de alemães para a região.
O livro tem ares de trabalho acadêmico, e a maior parte do conteúdo se refere a um mapeamento das cervejarias e cervejeiros locais e suas histórias. Portanto não é um livro de leitura fluida e talvez não aguce o interesse de quem não tenha uma ligação com a cidade ou não tenha interesse na cultura cervejeira.
Mesmo tendo o foco neste mapeamento da historia e da atual onda cervejeira, acho que ficou faltando algumas informações. Uma breve introdução contando a história da cerveja (como eu fiz neste post) seria interessante para os principiantes (o livro Cerveja, Brejas e Birras também serviria como um introdutório). Tambem teria sido interessante descrever um pouco do processo de produção, já que ao longo do livro, vários termos (como rampas, recirculação, priming, airlock, entre outros) aparecem e podem deixar os novatos um pouco perdidos.
Um ponto que se nota bastante no livro é a famosa burocracia brasileira, que impede que os cervejeiros artesanais possam comercializar seu produto, mesmo quando produzido em pequena escala, como produto artesanal que é. Poderiam estabelecer algumas regras mais simples para pessoas que comercializam, sei lá, até 100 ou 150 litros por mês. Afinal de contas, exigir todo um processo industrial para permitir que os produtores comercializem acaba por retirar o caráter artesanal.
Mas acho que a maior falha do livro acontece justamente ao cair no erro de “classificar” cerveja artesanal e/ou puro malte como cerveja boa e querer colocar as cervejas industriais / comerciais como produtos ruins. Primeiro que “bom e ruim” são conceitos subjetivos e pessoais. Não dá para falar para alguém que gosta de tomar Brahma que ela e uma cerveja ruim. No máximo pode-se falar que você não gosta de Brahma, mas para aquela pessoa que aprecia, ela é uma boa cerveja. Não se pode querer medir todo mundo com sua própria régua.
E quando se incorre neste erro (de querer elevar as “puro malte” como única cerveja “de verdade”), geralmente acaba-se apelando para a Reinheitsgebot, a famosa lei da pureza alemã, para “avalizar” que cervejas puro malte são as “verdadeiras cervejas”. Primeiramente que a famosa lei tinha um caráter mais econômico do que de busca da qualidade. Segundo é que ela ja não existe há algum tempo como lei, apesar de ainda ocorrer na prática na Alemanha (as grandes cervejarias alemãs ainda produzem segundo a lei, mais por costume do que por obrigação). Até tem surgido algumas ondas de cervejeiros inovadores, especialmente em Berlin, que não seguem a lei. Terceiro que alegar que cerveja é so “agua, malte e lúpulo (e fermento)” acaba por desprezar a criatividade da escola belga (com suas fruit beers) e da recente escola americana (com suas misturas e invenções), sem falar das rice beers japonesas, além de limitar o próprio potencial cervejeiro brasileiro, já que, como um pais de dimensões continentais e com uma flora bastante diversa, o país oferece inúmeras possibilidades de matérias primas para inovar e, quem sabe, fazer o país se tornar uma escola cervejeira relevante.
Be happy 🙂