O livro é o primeiro de dois volumes (o segundo ainda a ser lançado) com a autobiografia do ex-presidente dos EUA, Barack Obama. É o primeiro e é um “tijolo”, com quase 800 páginas. O próprio Obama explica que a ideia inicial era fazer apenas um livro com cerca de 500 páginas, mas como ele é muito prolixo, não conseguiu condensar todas as histórias e ideias em “tão poucas” páginas.
Barack Obama é provavelmente o último líder não populista a gerar uma mobilização grande, a despeito do bipartidarismo norte-americano (a Merkel é provavelmente a última líder não populista ainda na ativa). Digo provavelmente porque as mudanças que as redes sociais geraram, especialmente entre 2010 e 2013, alteraram toda a dinâmica da política, no mundo todo, e dificilmente um líder não populista consiga alcançar um poder de mobilização como o Obama alcançou na sua campanha à presidência em 2008.
O livro inicia com a biografia pessoal, contando a história da família de Obama a partir dos avós, passando pela infância e dando ênfase na experiência de vivenciar outras sociedades e culturas por conta do envolvimento da sua mãe em projetos sociais, que os levou a viverem em países de economia em desenvolvimento, especialmente da África e do sudeste da Ásia. Esta experiência e o próprio exemplo da mãe foram fatores que, segundo ele, moldaram seu interesse pela política e por determinadas causas (como o combate à pobreza, a questão racial, a ecológica e o tema de saúde pública).
Obama também faz um apanhado dos seus anos no colegial e na faculdade, incluindo sua “apatia” política durante alguns anos da sua vida (justamente entre o colegial e faculdade) e o seu “despertar”. Este despertar foi o que o levou a entrar para a escola de direito, fato que viria a gerar duas grandes mudanças na sua vida. A primeira é que ele conheceria sua futura esposa, Michelle, durante um dos estágios enquanto cursava direito (ela era a supervisora dele durante o estágio). E o segundo é que, após formado, ele se dedicou a dar aulas e a trabalhar com movimentos sociais, o que viria a direcioná-lo para a vida política.
A partir daí ele conta como ele entrou para a política e, numa sucessão de “golpes de sorte”, chegou ao Senado do estado de Illinois (a maioria dos estados dos EUA tem duas câmaras) e depois ao Senado dos EUA, representando também o estado de Illinois. Obama dá um apanhado de como foram suas campanhas para cada um dos postos e sua carreira em cada um deles, incluindo as dificuldades de ser um novato na política e que, ainda por cima, sempre gerou muita expectativa.
Lá pela página 200 do livro ele começa a contar como se desenhou a candidatura dele à vaga de candidato pelo partido Democrata. Não escrevi errado não: as eleições dos EUA começam com candidatos dentro de cada um dos partidos disputando as longuíssimas prévias, que duram quase um ano e meio, entre o início da busca por doadores até a convenção nacional dos partidos, que referendam os processos dos diretórios estaduais que nominam o candidato do partido. É a eleição pra eleição, em que concorrem os candidatos a candidatos.
Antes de ler o livro eu achava este processo totalmente desnecessário e até nocivo, já que candidatos e diferentes linhas político-ideológicas dentro de cada um dos partidos disputam ferrenhamente (e muitas vezes com golpes muito baixos) o direito de ser o representante do partido. Dentro do sistema norte-americano, que tende a dividir praticamente todo o eleitorado em dois blocos, existem pelo menos 3 linhas distintas em cada um dos partidos (por exemplo, você tem Republicanos progressistas e Democratas conservadores, sério!). Mas depois de todo o detalhamento que o Obama faz no livro, em quase 100 páginas, eu já comecei a mudar minha opinião. É neste processo que o candidato precisa se conectar com o eleitorado, batendo de porta em porta, visitando cidades pequenas, conversando com o eleitor em ginásios de escola, é onde a população pode se manifestar e o candidato “moldar” seu projeto.
O restante do livro cobre os quatro anos do primeiro mandato, especialmente como ele precisou lidar com duas “heranças” do governo anterior: a crise econômica de 2008 e os EUA combatendo em duas diferentes frentes de batalha (Iraque e Afeganistão).
Como um bom professor (e prolixo!), Obama explica todo o contexto antes de entrar no assunto. Por exemplo, explicando todo o processo de formação da ONU para falar sobre como funciona o conselho de segurança. Ou dissecando todo o contexto histórico que levou à queda do muro de Berlin para explicar a política Russa e ascensão de Putin ao poder.
Assim como a ótima série dinamarquesa Borgen (disponível na Netflix), o livro mostra como a política em um democracia liberal é complicada, como ela anda a passos muito lentos e que, por diversas vezes as pessoas precisam abdicar de várias convicções para chegar ao melhor resultado possível para o contexto. E é exatamente assim que deve ser numa democracia.
Durante todo o livro Obama frisa que os EUA são um experimento social ainda em andamento, já que ele precisa ser corrigido a todo momento para acompanhar as mudanças do mundo. Um dos maiores desafios deste experimento atualmente é justamente a velocidade destas mudanças e na disseminação de informação, o que tem gerado um terreno fértil para populistas amealharem poder com promessas e soluções fáceis no discurso, mas difíceis de serem alcançadas numa democracia (quando não nocivas). O desafio é justamente tentar encontrar uma forma de tornar a democracia mais ágil, sem abrir espaços para “prototiranos” e “neoditadores” alcançarem o poder e para que a maioria não subjugue as minorias.
Ansioso pelo segundo livro, que deve dar mais ênfase ainda nestes desafios.
Be happy 🙂