Entre Agosto de 1997 e Junho de 1998, Neil Peart, baterista e letrista do power trio canadense Rush (uma das minhas 4 bandas favoritas, junto com Beatles, Pink Floyd e Yes) perdeu a filha num acidente automobilístico e em seguida a esposa, vitima de um câncer (“na verdade de coração partido”, como ele escreve no livro). A fim de interromper uma espiral autodestrutiva ele resolve sair com sua BMW R 1100 GS vermelha praticamente sem destino, numa jornada com o único fim de manter a mente ocupada, pilotando pelo Canadá, EUA, México e chegando até Belize. Uma experiência que ele ele viria a chamar de “viagens na estrada da cura” (Travels on the Healing Road, o subtítulo do livro).
É importante frisar o “praticamente sem destino”, já que, exceto por poucos lugares, as rotas e as estadias eram escolhidos quase que aleatoriamente, sendo estas escolhas muito influenciadas pelas condições meteorológicas e pelo “mood” de Neil. As exceções foram destinos com o intuito de visitar algum amigo ou familiar, pela necessidade de ter que agendar previamente algo (um ferry boat, por exemplo) ou para fazer manutenção da motocicleta.
A parte inicial do livro conta os desfortúnios, a “preparação” para a viagem e a primeira etapa da jornada. Após algumas semanas na estrada, Brutus – um dos seus melhores amigos e companheiro de viagens de moto – é preso. Neil então começa a se comunicar constantemente com Brutus através de cartas.
Esta primeira parte até a prisão (cerca de 1/3 do livro), além de contar com relatos escritos posteriormente (a parte dos desfortúnios e a preparação para a jornada), também conta os caminhos, locais e percalços pelos quais ele passou e que foram registrados num diário.
Ele também relata nesta parte como “aprendeu” a fazer as fotos do Ghost Rider, como ele viria a se chamar no decorrer do livro: colocar a moto no cavalete central e tirar uma foto dela compondo a paisagem, o que dá a impressão de que a moto está rodando sozinha, sem ninguém pilotando. Ou como se a motocicleta estivesse sendo pilotada por um fantasma.
O restante do livro é basicamente uma transcrição das cartas que ele escrevia para Brutus e para algumas outras pessoas. Elas são legais, mas um tanto enfadonhas. Um pouco pelo fato dele se colocar em uma posição de vitimismo (o que é totalmente aceitável devido às agruras pelas quais ele passou), o que tornou a leitura um tanto cansativa e repetitiva. O segundo é o estilo do texto (cartas) em si, que não me agradou tanto. Preferi muito mais a primeira parte, em formato de um diário de bordo.
Um outro ponto interessante é que, nesta jornada sem roteiro, muitas das razões que fariam ele escolher algumas das rotas eram relacionadas ao que ele estava lendo no momento (Neil era um leitor voraz!). O livro foi ótimo para pegar algumas dicas literárias e até já comprei um do Jack London (The Sea-Wolf) para conhecer (mas ainda tenho uns 3 ou 4 na frente). Além da vontade de ler os autores citados, os relatos do livro também dão uma vontade danada de montar numa moto e sair sem rumo.
Infelizmente Neil faleceu no início de 2020. Mas como li uma vez (e meio que parafraseando Carl Sagan): não lamente a perda, comemore o prazer de ter coexistido com um ser como Neil no mesmo planeta e época, mesmo diante da imensidão do universo e da vastidão do tempo.
E sua obra, o seu legado, tanto literário quanto musical, está todo ai para ser apreciado.
Be happy 🙂
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