Berlin Tempelhof: uma aula de ocupação dos espaços públicos

IMGP0203

Já havia falado no meu texto sobre a Virada Cultural (aqui) que eu acho muito legal os movimentos que ocupam os espaços públicos nas cidades, especialmente nas grandes, onde a “luta” pelos espaços é intensa.

Infelizmente os espaços ficam cada dia mais escassos e existem vários atores que lutam para ocupar estes espaços, entre os principais, destacam-se a própria população, as empresas do ramo imobiliário e, de certa forma até o crime organizado. Quem já jogou War sabe que, quando um jogador conquista um território, se ele se estabelecer ali, fica praticamente impossível retomar aquele espaço. O mesmo acontece com os espaços urbanos nas grandes cidades (a região da cracolândia, em São Paulo, é um grande exemplo).

IMGP0238

Pistas de pouso e taxiamento transformadas em pistas de cooper e ciclovias

Por isto acho que quanto mais a população ocupar estes espaços, estabelecendo aquilo como de uso público, mais as outras “forças” têm que recuar e ceder aquele espaço. Da mesma forma, se a população recua e se contenta em ficar restrita à sua casa, seu condomínio ou a espaços privados de terceiros (shoppings, cinemas, etc), a chance de retomar aquilo que deveria ser usado para um bem coletivo diminui.

Nesta minha segunda viagem à Alemanha tive a oportunidade de conhecer o Tempelhof, um aeroporto desativado que tem se transformado, nos últimos anos, em um parque. A minha curiosidade em conhecer o Tempelhof era justamente por ser um aeroporto, mas ao entender como ele está sendo construido, minha motivação para percorrê-lo praticamente todo era entender um pouco mais deste processo.

A história do Tempelhof
O aeroporto de Tempelhof, que já era usado como pista de lançamento desde o início do século 20, foi declarado oficialmente um aeroporto em 8 de Outubro de 1923. Foi o aeroporto onde a Lufthansa, a maior empresa aérea alemã e uma das maiores do mundo, foi fundada em 1926.

IMGP0230

Jardim comunitário: os moradores do entorno do parque cultivam ali seus jardins

O terminal de passageiros, bem como seus hangares, foram durante muito tempo considerados os maiores do mundo. Foi também o primeiro terminal de passageiros do mundo a ter uma ligação direta com uma estação de trem ou metrô. Por sua imponência e tamanho, ele era um dos símbolos da força e poder do povo alemão durante o regime nacional socialista de Hitler, tendo este inclusive utilizado o aeroporto para um de seus mais célebres discursos, em maio de 1933, que segundo estimativas, foi presenciado por cerca de meio milhão de pessoas.

Durante a guerra fria, com os acessos terrestres e fluviais bloqueados pela URSS, o aeroporto foi muito importante para abastecer o setor ocidental de Berlin de comida, combustível e outros insumos e, durante este tempo serviu, além de aeroporto, como uma base aérea americana.

Após a queda do muro e a unificação da Alemanha, houve uma decisão política de se manter apenas um aeroporto na cidade e o escolhido foi o Schönefeld. Mais tarde houve a decisão de manter um segundo aeroporto, sendo este o Tegel (que originalmente também seria fechado). O aeroporto de Tempelhof foi ocifialmente fechado em 30 de Outubro de 2008, porém 3 aeronaves não puderam decolar naquele dia devido ao mau tempo e só deixaram o aeroporto em 24 de Novembro de 2008, quando então o aeroporto deixou de operar definitivamente.

O Tempelhof era tão grande, levando-se em consideração a época que ele foi construído, que chegou a abrigar uma feira aeronáutica em 1976, que teve inclusive o pouso e decolagem de um 747 da Pan Am, então a maior aeronave comercial em operação.

A ocupação
Com o aeroporto fechado e todo aquele terreno à disposição, a população vizinha ao aeroporto começou a utilizá-lo eventualmente para algumas atividades de lazer. Apesar de terem existido algumas atividades oficiais, como corridas nas pistas e feiras nos hangares, foram as atividades espontâneas que talvez mudaram o futuro do espaço.

Primeiro algumas pessoas começaram a “invadir” aos finais de semana para andarem de bicicleta, de skate ou apenas para correr nas pistas. Nas áreas próximas às entradas, e longe das pistas de asfalto, algumas pessoas aproveitavam a grama para jogarem futebol ou vôlei. Depois as pessoas começaram a fazer churrascos dentro do local, ou a levarem seus cachorros para um passeio sem coleira.

IMGP0216

Curso de minigolf montado pela própria população, com restos de aviões ali encontrados.

Em Agosto de 2009 a prefeitura de Berlin anunciou oficialmente que iria transformar o local em um parque. Porém, diferentemente do que normalmente vemos acontecer, onde o aparelho público chega e define que tipo de atividades existirão no local (por exemplo: terá um campo de futebol, duas quadras de tenis, tantas mesas para piqueniques, etc), como o local já estava sendo usado pela população, o tipo de atividade que está sendo desenvolvida no parque está sendo criada pelos próprios frequentadores conforme a utilização do espaço (a prefeitura só bloqueou acesso a algumas áreas que funcionam como santuário de pássaros).

Atualmente existem duas grandes áreas destinadas à churrasco, um grande campo de futebol, três quadras poliesportivas menores, três “dog parks” onde os donos podem soltar seus cachorros (cada um deles é destinado a determinado porte de cachorro), entre outros equipamentos. Os moradores vizinhos construíram também um “campo” de minigolf, utilizando-se de peças de aviões que estavam abandonadas no local.

Além disto, os moradores mantêm outros projetos dentro do agora parque, como um jardim comunitário, onde estas pessoas vão desenvolver atividades de jardinagem, que na maioria das vezes constitui-se no hobby delas, mas que por falta de espaço nos edifícios onde elas vivem, não seria possível desenvolver.

Assim como aconteceu com a East Side Gallery, que iria ser demolida para dar lugar a prédios comerciais (os prédios estão sendo construídos, mas a galeria foi mantida, mesmo assim a visão de um prédio comercial na beira do Spree, atrás de pedaços do muro de Berlin, não é legal) e a população interviu para que isto não ocorresse, no Tempelhof ocorre algo parecido, com uma intervenção ainda maior da população, seja brigando junto aos órgão para que eles equipem o parque com os aparelhos necessários, seja eles mesmo se unindo e contruindo estes aparelhos.

Ainda bem que eles tomaram a iniciativa pois, se não houvessem tomado, talvez teriamos neste momento um canteiro de obras construindo prédios residenciais, comerciais, ou pior ainda, um shopping naquele local. Parabéns aos berlinenses!!!

4 ideias sobre “Berlin Tempelhof: uma aula de ocupação dos espaços públicos

  1. Pingback: Wanderlust #8 – Berlin – Teil 2: die Geschichte | Botecoterapia

  2. Pingback: Wanderlust #10 – Berlin – Teil 4: atrações | Botecoterapia

  3. Pingback: Botecando #72 – Beco Beer Festival – São Paulo – SP | Botecoterapia

  4. Pingback: Wanderlust #33 – Berlin (e Potsdam), Alemanha | Botecoterapia

Deixe um comentário