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Pais para a Paz – Yumbad Baguun Parral (06/2016)

Pais Para A PazEste já é o terceiro livro do Parral que eu leio (veja as outras resenhas aqui e aqui) e cada vez mais fico impressionado com sua capacidade de perceber o mundo, organizar idéias e, principalmente, colocá-las no papel. Você pode até discordar de suas posições ou teorias, mas nunca negará que elas podem fazer sentido e que são muito bem explicadas e fundamentadas.

Neste livro, que foge dos outros dois por não ser um romance filosófico, ele discorre um pouco (bastante!) sobre os motivos que levaram o ser humano, o único dos seres vivos capaz de ter consciência da sua existência, de sua perenidade e de ser capaz de modificar o meio em que vive para adaptá-lo conscientemente às suas necessidades, ao invés de usar todas estas faculdades para viver de uma forma plena, em perfeito convívio com seus pares, com outros seres e com o meio, prefere subjugar os pares, exterminando no processo os demais seres e destruindo o meio. Nota: “viver plenamente” é o nome que eu dou para “aproveitar nossa efêmera passagem neste mundo da melhor maneira possível, sem interferir negativamente na vida dos outros”.

Partindo do princípio dos conceitos Darwinianos (A Origem das Espécies é o próximo da lista!) da manutenção e evolução da espécie, de que todos os seres estão aqui para perpetuar sua espécie, transmitindo o seu gene e, no conjunto de toda espécie, melhorando sua genética para que as próximas gerações da espécie sejam melhores (mais adaptadas ao meio) do que a atual, ele faz uma análise do que poderia ter acontecido no meio do caminho que fizesse com que, apesar da clara evolução biológica, nossa evolução como individuos racionais se deu por vias tortas, através do que ele chama de “perfil degenerado”, que se multiplica através da memética (a repetição de padrões comportamentais).

Inicialmente, este perfil degenerado conseguiu se propagar através da violência (vários “machos” rejeitados pelas fêmeas se juntaram para, em conjunto, eliminarem o macho alfa e assim dividirem o “butim” do grupo entre si). Com o passar do tempo, não bastava mais à este ser ter a melhor comida e as melhores fêmeas para passar seu gene adiante e quando o homem deixou de ser nômade, ter mais posses era o “diferencial”. Nesta época a maioria dos machos já era composta deste perfil e os mais inteligentes/ardilosos sabiam que já não seria mais possível convencer os demais a atacar o “macho alfa virtuoso”, que já estava em extinção, e então começou a criar formas de subjugar os demais através de artimanhas intelectuais, sendo as religiões e as ideologias políticas as mais comuns (mas não podemos esquecer também os nacionalismos extremos, afinal de contas, “Deus” e a Pátria são responsáveis pelos maiores massacres que ocorreram ao longo da história).

Parral prega no livro que, se queremos que no futuro a humanidade consiga conviver em paz com seus pares, com os outros seres e sem esgotar os recursos do nosso planeta, alguma coisa deve ser feita agora (e já estamos atrasados, na verdade) para que mudemos este perfil. Para tanto os pais (genitores) devem ser preparados para criar melhores pais (suas proles), que criarão melhores pais, reproduzindo também memeticamente, um bom perfil de ser humano.

O problema é que as próprias instituições criadas para subjulgar o perfil degenerado lutam contra. É só ver como as religiões pregam contra a implementação de educação científica, pensamento cético, além de lutar contra meios contraceptivos, de interrupção de gestações indesejadas ou qualquer tipo de planejamento familiar.

Achei muito interessante também, aproveitando este gancho das religiões, a teoria dele que diz que o ser humano pouco se preocupa com o meio ambiente (nosso planeta, nossa casa), em muito por conta das religiões, pois, se aqui deve ser um local para expiarmos nossos pecados para que possamos, enfim, merecer um paraíso em outro mundo (outra vida), além dele ser provisório e não precisarmos nos preocupar com o planeta, ele também deve ser (ou parecer) um “inferno”.

Mas voltando ao assunto principal, em seus pensamentos, Parral diz até que é dever de uma sociedade eventualmente impedir que alguns indivíduos sejam responsáveis por criar seus filhos, já que eles não teriam condições de criarem seres melhores para que tenhamos um mundo melhor.

Para concluir, achei bem interessante o conceito de que, o sucesso de um ser humano (homem ou mulher), é ver sua prole ser melhor do que ele, tanto no sentido físico, quanto intelectual, de caráter, etc. Significa que sua missão de perpetuar e melhorar a espécie foi cumprida com êxito!

É por meio do raciocínio que avaliamos o mundo, a vida e a realidade, e tomamos decisões sobre o que fazer ou deixar de fazer para obtermos o desempenho satisfatório nessa efêmera jornada que é nossa vidinha nessa vastidão de tempo e espaço a que temos o privilégio único em toda a eternidade de perceber e conceber para desfrutar a experiência única de se saber parte de tão extraordinário fenômeno, mesmo por tão pouco tempo e em tão pouco espaço. Por mais que exploremos a dimensão do nosso planeta e experimentemos o máximo de sensações que a vida nele possibilita, será sempre uma experiência efêmera e pobre em relação ao que fica por viver – dentro e fora dos seus limites, aos quais, intuímos poder transcender, e muito nos superamos para efetivar desta perspectiva. Mesmo assim, somos retirados de cena no melhor da festa, e muitas vezes, ainda a caminho da festa…

Be happy 🙂

O Vôo dos Pombos Mancos – Luiz Sales (05/2016)

O Voo dos Pombos MancosOutro dia em um almoço um colega de trabalho comentou que o pai dele havia escrito alguns livros (com um ou dois publicados, não me lembro a quantidade), achei bem legal e perguntei qual era o nome para ver se encontrava. Alguns dias depois o Roque (meu colega de trabalho) me trouxe “O Vôo dos Pombos Mancos”, a primeira publicação de seu pai, com direito a dedicatória e tudo!

O primeiro fato interessante é que o Seu Luiz Sales criou uma forma diferente de apresentar seus textos. Primeiramente ele criou um personagem/pseudônimo que é o “autor” dos textos, Lancelot Guimarães, que além de escritor “…também era fotógrafo, pintor, escultor e um excelente chefe de cozinha”. Mesmo dentro da literatura, Lance (como é carinhosamente chamado pelos amigos)  é bastante versátil, sendo dramaturgo, romancista, poeta, cantador e rapper. Acontece que Lance desaparece durante uma reportagem fotográfica no Afeganistão e seu amigo, Luiz Antonio D’Oliveira foi o incumbido, através do testamento, de cuidar da biografia e ser o curador da obra de Lancelot Guimarães.

D’Oliveira é o outro personagem/pseudônimo do autor, e a parte interessante é que o autor acaba sendo o biógrafo e o curador de sí mesmo, e mesmo assim com uma certa “distância”, uma certa isenção, provida pelos personagens/pseudônimos.

O livro é basicamente dividido em quatro partes. Na primeira, os dois Luizes (o Antônio d’Oliveira e o Sales) dão uma introdução de como Lancelot nasceu (cada um sob seu ponto de vista: o do personagem fictício e o do autor), cresceu e viveu.

A segunda parte é uma coleção de contos e crônicas. Até por ser muito prolixo, eu admiro os autores que conseguem sintetizar uma estória, com personagens, ambientes e roteiro em poucas páginas, então contos em particular me atraem bastante. Aqui não foi diferente, foi a parte que eu mais gostei do livro. Destaques para o conto-desabafo que dá nome ao livro e ao singelo “A Mocinha Morreu no Fim”.

Eu costumo dizer que não é que eu não goste de vinho, eu não tenho paladar para poder apreciá-lo. Eu não consigo perceber as diferenças de safra, de estilo. Para mim um vinho francês e um Sangue de Boi parecem exatamente iguais. O mesmo posso dizer dos poemas: eu não tenho “paladar” para poemas. Não que eu ache ruim ou chato. Simplesmente não entendo. Não consigo captar a subjetividade por trás dos versos. Até com música acontece isto e muitas vezes me pego entendendo o que o autor quis dizer em um determinado trecho 20 anos depois de ter escutado uma música pela primeira vez (e após ter escutado umas mil vezes). Então assim como fiz com Morte e Vida Severina, eu vou dizer que eu não tenho capacidade para dizer se a terceira parte do livro, uma coleção de poemas, é boa ou ruim.

Na quarta parte, Lancelot se vale do artifício dele mesmo ter um pseudônimo (já estamos no “quarto nível” de inception?….rs) e através de Inocêncio Baluarte nos presenteia com duas pequenas obras de Cordel: a primeira é “A Incrível Saga De Um Garnisé Que Fez Uma Cidade Tremer” que traz toda aquela malícia do duplo sentido tão comum neste tipo de literatura. A segunda obra é “A Revolução Da Robótica Na Constelação Do Serrado”, que além de citar Isaac Asimov, traz uma tirada de sarro com grupos ideológicos que podem ser encontrados hoje em dia em qualquer discussão de internet.

Para fechar com chave de ouro, alguns depoimentos que normalmente vimos nas contracapas de best sellers, com editores e jornalistas elogiando a obra. Claro que todos eles também dados por uma série de personagens fictícios de revistas, jornais e institutos também fictícios.

Be happy 🙂