Devolvam a “minha” Vila Madalena

Vila MadalenaSão Paulo passa por um processo interessante que eu denomino “gourmetização”. O Paulistano, mais do que qualquer outro Brasileiro, gosta de pagar caro nas coisas somente pela pura “ostentação”. Então os bares e restaurantes (até os carrinhos de cachorro quente, agora chamados “food trucks”) começaram a adicionar um “gourmet”, “bistro” ou “chez” nos seus nomes e nos nomes de seus pratos, cobrando assim o dobro do preço e o paulistano vai lá todo pimpão, para tirar foto e colocar no instagram e / ou dar check in para mostrar para os outros que ele pode pagar caro.

Os bares da Vila Olimpia e Itaim já nasceram com esta proposta. Cada região da cidade também tem alguns estabelecimentos deste tipo. O problema é que este processo agora chegou à Vila Madalena, talvez o mais tradicional bairro boêmio de São Paulo.

A Vila, como é conhecida dos paulistanos, sempre foi um lugar onde todas as tribos se encontravam: tinha o pessoal que estudava na USP e que morava em repúblicas na região e, por conta das dificuldades financeiras da vida de estudante, sempre encontrava um boteco pé sujo para tocar seu violão e tomar umas cervejas. Tinha o pessoal bicho grilo que curtia MPB estilo “um banquinho e um violão”, as baladas black, as baladas de surfistas que bombavam durante a semana (afinal de contas, aos finais de semana os surfistas iam pra praia), escola de samba, pubs, redutos de chorinho e samba e mesmo points para mauricinhos e patricinhas.

Lembro a primeira vez que fui na Vila, há quase 20 anos atrás, em um bar chamado Kingston, com temática de reggae. De lá para cá pude curtir muitas casas, como o Bom Motivo (MPB), Barbahalla (balada eletrônica), Radiola São Luiz (forró), Bar do Cidão (choro e samba), Bar Anhanguera (atual Cia da Cerveja), Venice (balada de surfista que bombava às segundas), Blen Blen Club (black music). E só citei aqui lugares que já não existem mais!

O legal da Vila era justamente esta mistura toda. Porém, de uns quatro ou cinco anos para cá, algumas casas novas, com propostas parecidas com a da Vila Olimpia/Itaim começaram a se instalar no local (notadamente na Rua Aspicuelta) e “expulsaram” muitas das casas que compunham a “fauna” local. Algumas outras casas resolveram mudar o foco e também aderiram à gourmetização.

Vários empreendimentos residenciais de alto padrão e comerciais também têm surgido na Vila. Além de muitos destes ocuparem terrenos onde antes ficavam tradicionais empreendimentos, vêm apagando aquela imagem bucólica das casinhas e dos ateliês que a região tinha.

Com isto, o “miolo” mais movimentado da Vila (Aspicuelta , Mourato Coelho, Fradique, Harmonia e Fidalga) se tornou uma passarela de ostentação (e do funk ostentação também!) e já não se vê mais esta mistura toda. Além disto é difícil sentar em um bar atualmente e gastar menos do que cem reais.

Os bares mais “tradicionais” acabaram sendo “empurrados” para a “periferia” (Belmiro Braga e Horácio Lane), mas mesmo estes locais hoje já se encontram em risco e a Vila vai se transformando em um novo Itaim. Acho que os antigos moradores, que brigavam contra aquela Vila antiga devem ter se arrependido imensamente de não terem apoiado a proposta da criação de um boulevard que existiu há alguns anos atrás e que iria manter as características do bairro.

A gota d’água para mim foi na semana retrasada, quando me dirigia até o Grazie a Dio, e o ônibus passou em frente à um bar recém inaugurado no imóvel onde ficava o Zepellin (um dos antigos redutos de mauricinhos) e na área de fumantes havia uma série de pessoas com taças de champanhe em uma mão e celulares na outra fazendo selfies.

Me deu uma dor no coração!

Acho melhor eu ir logo conhecer o Morrison (um dos poucos lugares que eu ainda não fui) antes que ali vire uma balada chique, um prédio de escritórios ou um condomínio com as horrendas varandas gourmet. 😦

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2 ideias sobre “Devolvam a “minha” Vila Madalena

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