“Homens, perdoai-Lhe (a Deus), pois ele não sabe o que fez.”
Esta obra prima do Saramago segue a mesma premissa de “O Cordeiro” (ou melhor, o Cordeiro segue a mesma premissa deste livro): contar a estória de Jesus Cristo de outro ponto de vista que não os existentes na Bíblia e cobrindo também os períodos ignorados nos evangelhos (praticamente tudo desde o nascimento até os 30 anos). Neste caso, a narração é conduzida pelo próprio Cristo, feita em terceira pessoa.
O estória abrange desde a hora da concepção (que ocorreu naturalmente, através de José), passando pela infância, adolescência e dando muita atenção ao momento em que Jesus descobre o seu destino e as consequências dele. O destino é apenas servir de instrumento para que o “fã clube” do seu pai aumente de tamanho, inflando assim o seu ego (e desta forma ele poderá se gabar junto aos outros deuses). As consequências, além do próprio sofrimento do filho, serão milhares de mortes, nas mais terríveis formas, ao longo de séculos.
“O único Deus sou eu, eu sou o Senhor, e tú és o meu Filho, Morrerão milhares, Centenas de milhares, Morrerão centenas de milhares de homens e mulheres, a terra encher-se-á de gritos de dor, de uivos e roncos de agonia, o fumo dos queimados cobrirá o sol, a gordura deles rechinará sobre as brasas, o cheiro agoniará, e tudo isto será por minha culpa, Não por tua culpa, mas por tua causa, Pai, afasta de mim este cálice, Que tu o bebas é a condição do meu poder e da tua glória, Não quero esta glória, Mas eu quero esse poder. O nevoeiro afastou-se, para onde estivera antes, via-se uma pouca de água ao redor do barco, lisa e baça, sem uma ruga de vento ou uma agitação de barbatana passando. Então o Diabo disse, É preciso ser-se Deus para gostar tanto de sangue.”
De uma forma muito mais sutil que em O Cordeiro, mas muito mais contundente, Saramago questiona a filosofia por trás do cristianismo e de quebra por trás das demais religiões Abraonicas. É um livro para fazer pensar. A forma como ele questiona crendices e mitos que não fazem sentido lógico algum é fantástica. Especialmente porque fosse o ser humano dotado de maior inteligência, estes mitos já estariam há tempos na categoria de folclore, daqueles que você dá risada e se admira como podem ter guiado a vida de milhões de pessoas (e custado a vida de tantos outros milhões). Pensando bem, nem precisaria ser muito inteligente, só um pouco.
Como já disse anteriormente, o estilo do Saramago é complicado de acompanhar e exige muita atenção, mas ao mesmo tempo apresenta uma beleza única. Entre as obras dele que eu lí até hoje (acho que umas 6 ou 7) esta subiu para o topo e é um dos melhores livros que eu já lí.
Be happy 🙂
Pingback: O Evangelho Segundo Jesus Cristo – José Saramago (12/2017) — Botecoterapia | O LADO ESCURO DA LUA