No final da década de 60, com a conclusão de muitos estudos científicos que associavam o consumo de tabaco com a incidência de câncer, e a possibilidade da regulação, a indústria do tabaco resolve contra atacar. Ela contrata então cientistas renomados (mas com pouco ou nenhum conhecimento em fisiologia, medicina ou biologia) para formar um corpo de “especialistas” afim de influenciar as decisões políticas e servirem como testemunhas nos tribunais. Além do uso evidente da falácia do apelo à autoridade, estes especialistas, na sua maioria renomados físicos que trabalhavam para o governo americano durante a guerra fria, entenderam que a melhor forma de atrasar alguma decisão defavorável era colocar a própria ciência (e os seus “colegas” cientistas) em xeque.
Contando com sua influência política e a conivência (quando não cumplicidade) de órgãos de imprensa, eles conseguiram não só atrasar em décadas regulações no mercado do tabaco, como também prestaram seus serviços (ou desserviço) em outras áreas, como a indústria do CFC (quando confrontado com as evidências do dano na camada de ozônio), a indústria armamentista (em relação ao projeto “guerra nas estrelas”), culminando finalmente nos trabalhos de negação do desequilíbrio climático e, mais tarde, na influência do ser humano neste desequilíbrio.
Parece uma história de filme, ou uma trama saída da cabeça de um conspiracionista, mas todo o envolvimento de Bill Nierenberg, Fred Seitz e Fred Singer, na negação da ciência afim de defender interesses de determinados grupos nos últimos 50 anos, é muito bem referenciado em “Merchants of Doubt“, inclusive através de documentos oficiais da própria indústria tabagista, que descrevem em detalhes a estratégia de montar uma rede de institutos “científicos” afim de desacreditar a própria ciência. Das 355 páginas do livro, quase 70 são só de referências.
O livro, que surgiu após o documentário de mesmo nome, é um compilado do esforço destes 3 personagens principais (e mais alguns coadjuvantes) em negar evidências científicas afim de evitar ao máximo regulação governamental em determinadas áreas. Além do fator dinheiro (que seus institutos recebiam das empresas em forma de “doações para pesquisa”) , o principal motivador destes personagens, como citado no livro, e uma fé enorme no livre mercado, a ponto dela cega-los quanto às deficiências deste (“o impacto ambiental talvez seja a maior falha do livre mercado”).
E infelizmente o dano que eles causaram em meio século ainda está aí, e só ver a quantidade de pessoas que “não acreditam” no aquecimento global, mesmo ele sendo um fato e mesmo que a influência do homem nele seja consenso na academia.
Be happy 🙂