Trabalho com TI há mais de 20 anos e tive a oportunidade de ver o nascimento da Internet no Brasil. Como um consumidor voraz de todo tipo de informação eu imaginava, época o tanto de oportunidades que seriam criadas com o acesso fácil, amplo e praticamente gratuíto à informação. Não que antes da Internet fosse impossível ter este tipo de acesso (em menor escala, óbvio), já que as bibliotecas, jornais, revistas e livros sempre existiram. Porém eu imaginava que, com a facilidade de não precisar nem se deslocar e conseguir acesso à informação através de um clique, uma sede por conhecimento talvez surgisse nas massas e que, consequentemente, isto se transformasse em infinitas oportunidades de desenvolvimento da nossa sociedade.
Passados alguns anos da disseminação do acesso à internet no Brasil, é triste constatar que as pessoas ainda abrem mão de ter informação e conhecimento. Para piorar, ainda utilizam esta ferramenta para disseminar ódios e preconceitos e para repetir e propagar algumas inverdades sem ao menos “perder” alguns preciosos minutos para verificar a informação, analisá-la e ai sim, tirar suas próprias conclusões. Ao invés disto, as pessoas preferem adotar opniões alheias pela simples preguiça de buscar mais informações. Porém, já diria Nietzche, em Assim Falou Zaratrusta: “Melhor ser um louco segundo os próprios critérios, do que sábio segundo o critério dos outros”.
Pensando nisto, resolvi pegar algumas inverdades que circulam na internet e fazer uma pesquisa sobre cada um dos assuntos, afim de trazer um pouco de embasamento para a formação primeiramente de minha opnião, e que agora pretendo compartilhar (e cada um que tire suas conclusões). Como ficaria um texto muito longo, eu vou dividir em vários artigos com temas específicos. Por enquanto tenho 4 temas já programados. Se tiverem algum e quiserem me sugerir, eu agradeceria, já que minha curiosidade é grande.
Um dos vários boatos, que também é carregado de ódio e preconceito, que circula na internet, especialmente nas redes sociais, é a que se refere ao “bolsa bandido”, “bolsa vagabundo” e outros nomes pejorativos que dão ao benefício do Auxílio Reclusão.
Bem, primeiro vamos contextualizar: o Auxilio Reclusão é um benefício do INSS. INSS signifca Instituto Nacional de Seguridade Social. Como o próprio nome diz, este órgão é um instituto de seguro, semelhante a diversas empresas seguradoras existentes na iniciativa privada. O INSS em específico, visa proporcionar à população brasileira benefícios que as demais seguradoras de mercado, por opção, não proporcionariam, ou mesmo para atender segurados que estas seguradoras não têm interesse em atender. Além disto, alguns benefícios são de exclusividade do INSS e não podem ser oferecidos por nenhuma outra seguradora.
No caso do Auxilio Reclusão, ele é também um benefício do INSS, ou seja, é um seguro que permite que a familia do segurado receba um benefício, caso este esteja impossibilitado de prover-lhes o sustento, pelo fato de estar preso. Este tipo de seguro é muito comum em outros países, sendo oferecido por praticamente todas as operadoras de seguro do mercado e adquirido especialmente por profissionais que correm um risco maior de sofrerem ações penais (cirurgiões por exemplo). Não consegui descobrir o porque de, no Brasil, o INSS ter o monopólio deste tipo de seguro, não permitindo que ele seja oferecido por nenhuma seguradora privada.
Para ter direito a um benefício originado de um seguro, o segurado paga à seguradora um prêmio, ou seja, o segurado “premia” a seguradora por esta assumir um determinado risco. Isto também acontece no Auxílio reclusão. A pessoa, para ter direito ao benefício, precisa pagar este prêmio, que no caso do INSS acontece ou por meio de desconto em folha, para os profissionais que tenham carteira assinada, ou através do pagamento do carnê do INSS, para os demais profissionais. Atualmente, cerca de 40500 famílias utilizam-se do benefício. Dentro de uma população carcerária de aproximadamente 550 mil presos, isto corresponde a aproximadamente 7,4% das famílias dos detentos.
O benefício é concedido aos familiares do segurado e visa proporcionar à estes (esposa, filhos, pais, ou qualquer outro dependente legal) uma fonte de sustento, caso estes sejam dependentes do segurado, no caso da impossibilidade da continuação do trabalho, pelo motivo de condenação e detenção do segurado.
O valor para toda família é calculado com base no valor e tempo de contribuição de INSS por parte do segurado e tem um teto de R$ 971,00, que é corrigido com base no salário mínimo.
Este benefício foi criado há mais de 50 anos e incluido na Lei Orgânica da Previdência Social – LOPS (Lei nº 3.807, de 26 de agosto de 1960) e foi mantida para na Constituição Federal de 1988.
Estes são os fatos objetivos do Auxílio Reclusão, que, como podemos perceber, são omitidos ou distorcidos neste hoax que roda há anos pela internet.
Agora vamos a algumas considerações pessoais.
Levando-se em conta que só tem direito ao benefício quem contribui com o INSS e, pelo que eu saiba, “bandido profissional” ainda não tem carteira assinada (ainda!). O benefício vai chegar à família do trabalhador que, por uma besteira ou infelicidade, cometeu algum crime e deve pagar por isto. Porém, somente ele deve pagar pelos seus atos e não se deve condenar, por tabela, esposa, filhos, pais, ou quaisquer outros que dependam dele.
Infelizmente não encontrei dados sobre o tipo de pena que estes beneficiários cumprem, mas como um palpite eu duvido muito que existam latrocidas, assaltantes de banco e grandes traficantes entre eles. E como palpite, creio que a maioria sofreu condenações por furto, crimes relacionados ao transito ou crimes passionais. Eventualmente pode ter algum usuário que acabou “rodando” por portar uma quantidade maior de drogas do que o delegado achou que ele deveria.
O benefício é concedido à familia do detento. Ou seja, visa proporcionar aos familiares que perderam sua fonte de sustento, um meio de se manter. Entendo que é melhor conceder um benefício (que como já explicado, é um direito, pois já foi pago) a alguem que era sustentado por uma pessoa que cometeu um erro e deve pagar por isto, do que deixar estes dependentes à mercê da sorte, ai sim, correndo o grande risco de jogá-los à marginalidade.
Um dos argumentos dos detratores do Auxilio Reclusão é de que o criminoso recebe um auxílio (novamente, é um seguro!), enquanto a família da vítima (já supondo que todos sejam assassinos) fica à merce da sorte. Na verdade, a família da vítima, caso esta seja beneficiária do INSS, também tem direito a solicitar o auxílio por morte.
O valor não é por filho. O valor é um só, independente de filhos, e é relativo ao valor e tempo com que o beneficiário titular contribuiu com o INSS. Os tais quase mil reais É O VALOR DO TETO. O valor médio pago em 2013 foi de R$ 727,00.
Agora o argumento que eu acho mais estúpido usado pelos detratores é de que compensa mais roubar do que trabalhar, já que o benefício é maior que o salário mínimo. Bem, bandidos de carreira com certeza ganham muito mais do que um salário mínimo e mesmo mais do que o teto do Auxílio Reclusão, então não faria sentido cometerem crimes para serem presos e receberem o benefício (e como disse, não creio que eles tenham carteira assinada ou paguem carne, então não teriam direito). Não creio que exista um único caso deste tipo, de alguém cometer um crime somente para ser preso e obter o benefício, mas supondo que exista algum caso, imaginem o desespero pelo qual está passando uma pessoa que abre mão da sua liberdade para prover míseros R$ 900 reais para a sua familia!